José Dirceu de Oliveira e Lima, 59 anos, o homem que foi chamado de “capitão do time” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve o mandato cassado pelo Plenário da Câmara, nesta madrugada, 1.127 dias após ajudar a levar o PT ao poder, em 27 de outubro de 2002. A cassação foi determinada por 293 votos (36 a mais que os 271 necessários) ante os 192 registrados pelos deputados contrários à recomendação do Conselho de Ética.
Votaram 495 dos 501 deputados que registraram presença na Casa. Houve ainda oito abstenções, um voto nulo e um voto em branco. Com isso, o ex-homem forte do governo Lula tornou-se o primeiro parlamentar federal petista a perder o mandato cinco meses e 14 dias após anunciar que deixava a Casa Civil para “lutar na planície” (leia mais).
Acusado de comandar o mensalão, Dirceu lutou até o último instante. Nos 112 dias de duração de seu processo de cassação, travou uma batalha jurídica no Conselho de Ética e na Comissão de Constituição e Justiça e precipitou uma crise entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), que ontem lhe negou a última chance de adiar a votação.
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“Esta Casa, aliás, está me julgando, mas também está se colocando em julgamento, porque o relator do Conselho de Ética, deputado Jairo Carneiro, foi claro no seu parecer, deixando claro que não estava comprovada a existência do mensalão. Tivemos a CPI do Mensalão, da Compra de Votos, que não comprovou a existência do mensalão. Jamais tive participação alguma em qualquer negociação escusa para votar qualquer projeto do governo”, disse ao se defender por 41 minutos, da tribuna, momentos antes da votação do processo (leia a íntegra do pronunciamento).
Mesmo com a atuação discreta do Palácio do Planalto nos bastidores, Dirceu não conseguiu se livrar da perda dos direitos políticos por oito anos, a contar de 2007. O ex-chefe da Casa Civil não pode se candidatar a nenhum cargo público eletivo até as eleições de 2016, quando terá 70 anos de idade. Ainda em seu pronunciamento, Dirceu disse que não sairá da vida pública e que continua a acreditar no governo Lula. A cassação do ex-ministro abre caminho para a perda do mandato de mais 12 deputados do PT, do PTB , do PFL, do PL e do PP, acusados de receber recursos do chamado valerioduto.
“Não quero misericórdia. Eu quero justiça”
Ainda em seu discurso, pediu que os deputados votassem com consciência e que só queria justiça. “Não quero misericórdia. Eu quero justiça”, afirmou. Defendeu com veemência o governo Lula, reconheceu que existe corrupção na administração federal, mas disse que fez todos os esforços para combatê-la, determinando a apuração das denúncias que chegaram até ele. “Do dia para a noite, fui transformado em chefe do mensalão, em bandido, o maior corrupto do país.”
Dirceu também negou ter participado de qualquer negociação escusa para garantir a aprovação de projetos de interesse do Executivo. “O que houve foi o repasse irregular de recursos de campanha do PT para partidos aliados, mas o PT já está respondendo por isso. Não renunciei ao meu mandato porque, depois de 40 anos de vida pública, não poderia deixar de me defender em todas as instâncias; tenho a obrigação de proteger o direito de qualquer cidadão à presunção da inocência e de preservar o devido processo legal”, disse.
O agora ex-deputado disse ter sido vítima de uma tentativa de "degola política" no Congresso. Afirmou que, quando as denúncias do mensalão surgiram, refletiu a respeito de suas ações na Casa Civil e não achou nada que pesasse contra ele. “Não vou assumir aquilo que não fiz, não assumo”, discursou Dirceu. "Não tive participação direta e indiretamente no repasse de recursos (para partidos da base aliada)", completou.
O ex-ministro da Casa Civil rebateu todos os casos de quebra de decoro listados pelo relator Júlio Delgado (PSB-MG). Disse que não fez negociatas com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza ou favoreceu os bancos Rural, BMG e os fundos de pensão. Negou ainda ter ajudado sua ex-mulher Ângela Saragoça a arranjar um emprego e um empréstimo nessas duas instituições bancárias agora investigadas pela CPI dos Correios. "Não posso, não devo, não te ajudo, não tenho condições", disse Dirceu. "Estou separado dela há 15 anos", destacou.
Embora tenha admitido que cometeu "erros políticos", sem especificar quais, Dirceu disse que não praticou qualquer ilícito. "Não sou réu confesso", disse. "Não é aqui e agora (que vou admitir isso)", ressaltou. “Não aceito ser cassado por ter sido presidente do PT, por ter sido coordenador de campanha do presidente Lula, por ter sido ministro da Casa Civil", enumerou.
Dirceu também repeliu ter feito tráfico de influência dentro da Casa Civil para seu filho Zeca Dirceu (PT), prefeito de Cruzeiro do Oeste (PR), e participado de quaisquer negociações com o publicitário Duda Mendonça e do presidente do PL, Valdemar Costa Neto. "Não posso aceitar denúncias vazias, tenho que repeli-las", afirmou.
Pela cassação
A falta do ex-ministro foi antecedida pelo pronunciamento do relator do processo de cassação. Júlio Delgado recomendou aos deputados que se lembrassem de fatos que comprovariam o envolvimento do petista com o mensalão. "Levem em conta a relação do ex-ministro com o publicitário Marcos Valério; levem em conta a participação no esquema do assessor Roberto Marques; considerem que José Dirceu foi coordenador da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e como tal, travou contato com Duda Mendonça e Valdemar Costa Neto (presidente do PL)", discursou. "Lembrem que falamos do capitão do time, do responsável pela formação da base aliada."
O relator do pedido de cassação citou o sociólogo Max Weber para lembrar que as personalidades públicas são movidas por três qualidades fundamentais: paixão, sensação de responsabilidade e sentido das limitações. Observou que Dirceu foi impulsionado pela paixão em toda sua história política. "Mas faltou-lhe o sentido das limitações no presente", afirmou. "Ninguém pede a perda do mandato do deputado José Dirceu pela sua história, nem pelo seu passado. Mas porque suas atitudes na Casa Civil negam seu passado e sua história", ressaltou Delgado.
“Os advogados contradizem o discurso de que não há provas. Lutam para excluir provas do relatório”, afirmou. O relator disse que, apesar de contrariado com o esforço da defesa do petista para enfraquecer os argumentos do texto, ressaltou que o Conselho sempre cumpriu as determinações. Frisou que retirou do parecer os dados da quebra de sigilo bancário do ex-ministro obtidos junto à CPI dos Correios e suprimiu o depoimento da presidente do Banco Rural, Kátia Rebelo, testemunha de defesa, obedecendo a determinações do STF.
“Mesmo retirando essas provas, ainda há uma fartura de provas que mostra o abuso da máquina pública e do poder. Permaneceram provas robustas que possibilitaram o julgamento na Câmara”, enfatizou. O relator afirmou que esse foi o primeiro processo do Conselho em que houve “espaço para defesa todas as vezes”.
O relator afirmou que, apesar das constantes negativas de Dirceu, o relacionamento do petista com Marcos Valério ia além do convívio meramente social. “Se não fosse uma relação de amizade, era uma relação de interesses comuns. Ele esteve na Casa Civil várias vezes para tratar de assuntos que não eram de deputados”, afirmou Delgado. “Ele (Valério) esteve na inauguração de uma fábrica de enlatados junto com (o ex-tesoureiro do PT) Delúbio Soares e, três dias depois, saiu o primeiro empréstimo do PT no (banco) BMG”, completou.
O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), também ocupou a tribuna para dizer que o colegiado deu todas as chances para o petista provar sua inocência. “O Conselho não é um tribunal de Justiça. O nosso julgamento é político", afirmou o petebista. Izar disse que o processo correu sem irregularidades e chegou até a elogiar José Luiz Oliveira Lima, advogado do ex-ministro. "Houve amplo direito de defesa. O advogado dele (Dirceu) foi muito competente e trabalhou dentro das normas, como o conselho”.
Inimigo íntimo
Os ataques mais duros a Dirceu na noite que selou o futuro político daquele que já foi chamado de “primeiro-ministro” do governo Lula não vieram dos tucanos nem dos pefelistas. Apenas o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), subiu à tribuna para recomendar a cassação do mandato do petista. Os ataques mais contundentes foram desferidos pelos deputados João Fontes (PDT-SE), Luciana Genro (PSOL-RS) e Babá (PSOL-PA), expulsos do PT por votarem contra a orientação partidária.
A líder do PSOL disse que a cassação de Dirceu serve para "livrar a cara" do presidente Lula, segundo ela, o grande responsável pelo mensalão. "A tragédia do PT é ser obrigado a dizer, para se salvar, que é igual a todos os outros partidos", avaliou a deputada. "Dirceu já está cassado pela sociedade brasileira, que não aceito o achincalhe das mentiras; a defesa de Dirceu é toda baseada em mentiras", acusou Babá.
Linchamento e lição
O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), saiu em defesa do colega. Disse que a cassação não se restringia ao mandato de Dirceu. Segundo ele, a cassação sem provas do mandato de um parlamentar abriria um precedente perigoso. "Cassar um mandato sem provas cabais de quebra de decoro seria um retorno aos tempos da ditadura", afirmou. O processo contra o petista, de acordo com Berzoini, faz parte de um "linchamento" contra a esquerda.
"Não há respaldo, em nenhuma prova material contra Dirceu, para a acusação de quebra de decoro; os julgamentos podem ser políticos, mas não puramente políticos", fez coro o líder da bancada na Câmara, Henrique Fontana (RS). Um dos vice-líderes do PT, o deputado José Eduardo Cardozo (SP) entendeu a cassação de Dirceu como um processo pedagógico para o PT. “Este processo é um ensinamento para o próprio PT, que no passado pedia cassação por critérios políticos. Estamos amargando um pouco da nossa postura de antes”, avaliou.
Melhor que Jefferson
Dirceu, ao menos, conseguiu se sair melhor do que o seu principal algoz, o deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ). No dia 14 de setembro, Jefferson perdeu o mandato ao receber 313 votos a favor, 156 contrários, 13 abstenções, cinco votos em branco e dois nulos. O ex-ministro não deu qualquer declaração pública após a cassação. Só deve se pronunciar em entrevista coletiva marcada para esta tarde. A cadeira de Dirceu será ocupada pela deputada Mariângela Duarte (PT-SP).
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