Bajonas Teixeira de Brito Júnior *
Há muita coisa de invisível e inaudível no Congresso Nacional nestas semanas. Se fantasmas já eram habitués dos seus corredores, agora eles pululam alegremente e, com a falta de pudor que lhes é característica, instalam-se sem cerimônia (ou com ela) em todos os recintos, em especial no Conselho de Ética. Torna-se, quase que de hora em hora, cada vez mais evidente que algo invisível é que conduz a dinâmica de imobilidade instaurada no colegiado. Nada acontece. O que acontece, em seguida, como por um passe de mágica, desacontece.
O ex-relator principal, Epitácio Cafeteira, sai de cena, como o fantasma no Hamlet, gemendo as suas chagas. Sibá, o marujo de primeira viagem, logo torna-se um fantasma de presidente, incapaz de mover uma palha, de fazer avançar um palmo o processo, visto que forças ocultas travam o avanço pretendido. Sentindo que sua figura de presidente já não era mais que uma sombra, renuncia e, como o frustrado fantasma de Canterville, some num desvão de parede. A mídia imediatamente apaga seu nome das manchetes.
Se Cafeteira chegou a varar madrugadas para preparar seu relatório, natimorto, e se Sibá Machado ainda representou seu papel por uma semana, a crescente irrealidade das coisas no conselho faz com que, de forma cada vez mais misteriosa, o real se esfume em entidades totalmente desencarnadas. Assim, o senador Casagrande torna-se relator pela manhã para ser “desconvidado” à tarde, tendo deixado de ser o que ainda não tinha sido. Do mesmo modo, o novo presidente do Conselho, Leomar Quintanilha, se encontra esvaziado de credibilidade no dia seguinte ao que assumiu a presidência, uma vez que vieram à tona as investigações sobre ele pela Polícia Federal e o STF.
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Se o que existe, a cada passo, mostra-se destituído do vigor que caracteriza o que é real, faltando-lhe os conteúdos significativos do que chamamos de realidade — principalmente a capacidade de produzir efeitos visíveis —, por outro lado, o que é irreal parece invadir a cena do Congresso e passar a conduzi-la.
Velado e oculto da realidade estava o caso de Renan, que, no universo paralelo, mantinha uma segunda família. Essa família, que só surgiu depois de ter terminado, uma vez que Renan só batizou a filha quando a relação com a jornalista já era extinta, vem para o primeiro plano. Assim também, fala-se de um dossiê, que teria sido produzido pela ex-amante. Que, por sua vez, nega que esse instrumento exista. Mas, eis que, de repente, isso que não existe surge como uma aparição e o Jornal Nacional revela trechos de um diálogo gravado entre Mônica e Cláudio Gontijo. (Este, um zumbi de primeira ordem, vivendo entre duas realidades, e, ora apresentado como lobista da Mendes Junior, ora como seu funcionário).
Mas, o grande fantasma, entre todos, o mais irreal e mais descarado até agora, têm sido as provas apresentadas pelo senador Renan Calheiros. Como uma boiada fantasma errante pelos canfundós assombrados de Grandes sertões: veredas, o gado do senador viola todas as leis da contabilidade e do transporte de animais e, contudo, mesmo assim, há quem diga que “ninguém é culpado até que se prove o contrário”. E esse contrário parece que nunca tem fim.
Não basta provar que as provas não se sustentam, que falta boi e sobra dinheiro, que não batem recibos e notas fiscais, e GTAs não combinam com notas, que saem bois de fazendas onde eles não existem etc. Tudo isso ainda não prova nada. Tudo isso ainda não forma um contrário capaz de contradizer a versão do presidente do Senado.
Casagrande suspeita de “forças externas” agindo ocultas no conselho: “Não sei quem são, mas elas existem. Já tivemos uma renúncia de um presidente do Conselho de Ética e a renúncia de um relator”, afirmou. Pois é. Que elas existem, existem. Mas as forças externas são também forças ocultas. De onde provêm? Onde se ocultam? Quem é o feiticeiro que as manipula? Todo mundo sabe, mas o saber que todo mundo sabe, sendo apenas profano, não tem força para influir no conselho.
A situação agora é intensamente sobrenatural. Há um presidente no Congresso cuja legitimidade é menos que uma sombra. Há um presidente do Conselho de Ética que é a sombra de uma sombra. E, para concluir, há agora uma trinca de relatores, um deles antes convidado publicamente e desconvidado em privado.
Caberia ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, penso eu, propor um projeto de lei concedendo cidadania plena aos fantasmas. Assim, pelo menos, eles poderiam ser contemplados no Código Penal com um capítulo específico. Quem sabe, então, se poderia até puni-los ou, pelos menos, exorcizá-los. A não ser, é claro, que obtivessem fórum privilegiado no STF, que, não tendo punido nunca nenhum político, talvez ainda mais razões encontrasse para garantir constitucionalmente a impunidade dos fantasmas. Afinal, como se lê nos Irmãos Karamázovi, não se trata um fantasma com rigor excessivo.
* Doutor em Filosofia pela UFRJ, Bajonas Teixeira de Brito Júnior é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Vencedor do Concurso Nacional de Ensaios (2000) com o livro Gilberto Freyre e o exorcismo dos fantasmas (inédito). Publicou os livros Lógica do disparate (2001) e Método e delírio (2003), e coordena a revista eletrônica www.revistahumanas.inf.br.
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