Rudolfo Lago e Thomaz Pires
O PDT, partido de José Antônio Reguffe, oficialmente apoiou a candidatura de Dilma Rousseff, do PT, no primeiro turno. Mesmo assim, o cidadão José Antônio Reguffe, quando chefou à frente da urna eletrônica, em vez do 13 petista, digitou o 43 da candidata do PV, Marina Silva. “Não me considero representado pelo PT”, explica ele, singelamente. Pelos quatro anos em que foi deputado distrital, Reguffe foi muitas vezes criticado por seus colegas exatamente por esse excesso de independência. Votava e fazia o que queria, não aquilo que orientavam os líderes de seu partido. Na Câmara Legislativa do Distrito Federal, Reguffe era tratado por seus colegas como um corpo estranho. Eles embolsavam 15 salários por ano. Ele devolvia aos cofres públicos os dois salários a mais: ficava apenas com os 13 iguais ao de qualquer outro assalariado. Eles contratavam 23 assessores. Ele tinha só dez, e devolvia o restante da verba. Individualmente, pelos seus cálculos, será, ao final do mandato de deputado distrital este ano, responsável por uma economia de R$ 3 milhões em dinheiro público.
Os demais deputados distritais podem ter passado quatro anos torcendo o nariz para Reguffe. Mas o resultado dessa postura é que o economista e jornalista de 38 anos filiado ao PDT chega à Câmara como o deputado federal proporcionalmente mais votado do país. Reguffe recebeu nada menos que 266 mil votos. Passada a euforia da vitória, Reguffe, nesta entrevista ao Congresso em Foco, antecipa sua disposição de continuar sendo desagradável aos colegas, se isso significa a manutenção de práticas que a sociedade condena. Da mesma forma que fazia na Câmara Legislativa do DF, ele avisa que devolverá o 14º e o 15º salários pagos aos deputados federais. Se seus colegas de Brasília recebem auxílio-moradia e quota de passagens aéreas, ele antecipa que pensa sobre isso como a maioria das pessoas: é um absurdo e ele não usará.
E um eventual governo Dilma Rousseff, quando for fazer a contabilidade do apoio para aprovar uma proposta polêmica, deve ter muito cuidado antes de contar com o voto de Reguffe, ainda que, teoricamente, ele vá fazer parte da sua base de apoio. “Discordo frontalmente do parlamentar que só diz “sim” ou que só diz “não”. Cada proposta, eu vou votar de acordo com o que diz a minha consciência”.
“Parece que governabilidade no Brasil virou sinônimo de fisiologismo”, critica Reguffe. “Que ninguém me procure achando que poderá trocar meu voto por cargos ou verbas de orçamento”, avisa.
Confira a entrevista com José Antônio Reguffe na íntegra:
Congresso em Foco – Passado a eleição e o resultado surpreendente, qual a leitura que o senhor faz desses 266 mil votos obtidos nas urnas?
José Antônio Reguffe – Eu acho que foi um reconhecimento ao meu mandato como deputado distrital. Eu sempre digo que as pessoas podem criticar o meu mandato por qualquer coisa. Menos por uma: no meu mandato eu cumpri absolutamente todos os meus compromissos de campanha. Todas aquelas propostas que constavam no meu panfleto de campanha em 2006 viraram projeto de lei. E todas aquelas medidas que eu disse que eu iria adotar no meu gabinete. Muita gente dizia que era impossível, mas eu adotei uma por uma.
Quais são exatamente essas medidas?
Eu abri mão de todos os salários extras que os deputados recebem. Eu reduzi a minha verba de gabinete. Eu eliminei 14 vagas de assessores. Eu tenho hoje 14 assessores a menos que os outros deputados. Só com isso, eu economizo por mês aos cofres públicos mais de 53 mil reais. Esse é um dinheiro que deveria estar na educação, saúde, segurança pública e não para os deputados terem assessores em excesso. Com as outras economias com verba indenizatória e com cota postal eu vou economizar sozinho aos cofres públicos, ao final dos quatro anos, mais de três milhões de reais. A tese que eu defendo e que pratiquei no meu mandato é de que o mandato parlamentar pode ser de qualidade custando bem menos ao contribuinte do que ele custa hoje.
De quantos salários extras o senhor abriu mão e quantos funcionários o senhor efetivamente mantém em seu gabinete?
O deputado distrital, assim como o federal, tem direito ao décimo quarto e décimo quinto salários. Eu abri mão deles desde o primeiro dia de deputado. Em relação à verba de gabinete, o deputado tem direito a 23 assessores. Eu só fiquei com nove. Ou seja, eu eliminei 14 vagas de assessores.
Uma das críticas atribuídas ao seu mandato como distrital é que ele se pautou apenas nas questões éticas, como reduções de gastos, mas que o senhor não conseguiu de fato aprovar muitos projetos nem tinha a mesma presença nas discussões legislativas. O senhor não tem receio que a dificuldade seja ainda maior na Câmara?
Meus adversários tentaram colocar algumas pechas em mim que não são verdadeiras. Uma é essa. De que eu não dialogo, não converso e sou intransigente. Eu acho que a democracia pressupõe diálogo. Ela pressupõe conversa. Ideias, a gente debate ao extremo. Desde que o final dessa conversa não seja abrir mão de princípios. De princípios, a pessoa de bem não pode recuar. Quem cede um milímetro em matéria de princípios dá o primeiro passo para ceder um quilômetro. Nenhum ser humano é perfeito. Ninguém é super-homem. Ninguém pode ser mais realista que o rei. Agora, a pessoa de bem não pode mudar seus princípios.
E quanto à aprovação de projetos?
Eu aprovei alguns projetos, sim. De fato, as questões relativas ao comportamento dos deputados e seus gastos, essas realmente tiveram que continuar sendo iniciativas individuais. Sobre esses temas, não conseguir aprovar nenhum projeto. Eles não tiveram qualquer chance. Foram derrotados em plenário. Agora, eu aprovei outros projetos como, por exemplo, o projeto da água, que está sendo copiado em várias Assembleias Legislativas do país, que é um projeto que incentiva pessoas a economizarem água concedendo um bônus desconto na conta de água de 20% sobre a economia realizada. O problema é que os adversários, e quando você incomoda, eles querem taxar em você qualquer pecha. E vai taxando. E isso, às vezes, vira uma verdade.
O senhor chega à Câmara dos Deputados após um processo de desgaste político no Distrito Federal causado com o mensalão do Arruda. A sensação de escândalos no Distrito Federal e fora dele estabeleceu uma sensação de que não dá para fugir de algumas práticas da política, como trocar voto por cargo e por aí vai. Como é que o senhor pretende reagir a isso?
Parece que governabilidade no Brasil virou sinônimo de fisiologismo. Entra governo e sai governo, a formação de maioria parlamentar é sempre igual. É sempre baseada em troca de cargos no executivo por votos no legislativo, liberação de emendas no executivo por votos no legislativo. E o pior é que agora está introjetado na cabeça das pessoas que só dá para governar se for assim. Eu não posso aceitar isso. Eu acho que a política tem que ser feita baseada em ideias. Baseada em convicções, não baseada em favores. Eu, por exemplo, pretendo abrir mão das minhas emendas individuais ao orçamento.
Como o senhor pretende fazer?
Eu vou fazer como deputado apenas uma emenda. Será uma emenda para aumentar os recursos destinados ao Fundo Constitucional do Distrito Federal, que é o fundo que paga a educação, saúde e segurança do Distrito Federal. Chega dessa história de liberar emenda em troca de voto, se o deputado é da base ou não. Dinheiro público tem que ser liberado ou não baseado em se o projeto é bom ou não para a sociedade. Do mesmo jeito que eu critico os parlamentares que votam sempre sim ou sempre não. A responsabilidade de um parlamentar não é votar pensando se aquilo vai beneficiar um governo. Mas pensar se aquilo vai prejudicar ou beneficiar a sociedade.
Então em outras palavras, Dilma Rousseff, de quem o senhor fará parte da base parlamentar, caso eleita, não vai poder contar com o senhor em qualquer circunstância.
Não vai contar não. Quando o projeto for bom para a sociedade ele, será sim. Quando não for bom para a sociedade, será não. Eu penso que aquele parlamentar que age de uma forma diferente dessa, não tem a menor consciência de qual é, de fato, a sua responsabilidade.
Em Brasília, há um segundo turno entre Agnelo Queiroz, do PT, e Weslian Roriz, do PSC. Como o senhor se posiciona?
Entre o Agnelo e o Roriz eu não tenho a menor dúvida: eu sou Agnelo. Brasília foi achincalhada pelo Brasil de uma forma injusta. Brasília foi chamada pelo resto do Brasil de corruptolândia. Eu fico indignado com isso, me revolta muito, porque a maioria do Distrito Federal é formada por pessoas de bem. Pessoas honestas e trabalhadoras. Muitas das quais, elas não têm a menor ligação com política. Nenhum vínculo com política. E passaram a ser chamadas de corruptas Brasil afora, como se corruptas fossem. Então, não é a cidade que é corrupta. Corruptas foram algumas pessoas. Então, é preciso separar a cidade, que deve ser respeitada, desses escândalos que fizeram essa mesma população sentir indignação. Então, o voto, sem dúvida, é para Agnelo, porque Roriz faz parte do passado que produziu tudo isso. Agora, eu, como cidadão, não me sinto nem um pouco representado pelo PT.
Mas como o senhor fará, então, para ser eventualmente base do PT, caso Dilma vença as eleições, se o senhor não se sente representado pelo partido?
Eu não me sinto representado nem pelo PT nem pelo PSDB. Meu voto para presidente foi na Marina.
Então, o senhor já não cumpriu a orientação do PDT, que já estava na chapa do PT, no primeiro turno. Isso não poderá lhe criar dificuldades no futuro como deputado federal?
Os bons projetos terão meu apoio. Os que não forem positivos para a sociedade, eu não poderei votar favorável por compromisso com meu eleitor.
E quando houver ordem do partido? Fechamento de questão? O PDT já sabe dessa sua disposição?
Eu penso que todas as pessoas quando se filiam a um partido político, precisam conhecer bem o seu programa. E seguir esse programa fielmente. Agora, o que não está no programa é da consciência de cada um . O que não estiver no programa do partido, se houver fechamento de questão, eu só vou seguir se não for contra a minha consciência. Se houver ordem para aprovar algo que vá contra o que eu penso e acredito, eu não vou respeitar. Espero que esse tipo de situação não ocorra.
De acordo com um levantamento feito pelo Congresso em Foco, um deputado federal custa em média R$ 99 mil por mês levando-se em consideração o salário e a verba de gabinete e benefícios extras. O senhor acha que é possível reduzir esses gastos?
Para o Estado democrático de direito, é importante a existência de um legislativo forte. Agora, para o legislativo ser forte, ele não precisa ser gordo. O que nós temos hoje é um legislativo gordo. É um legislativo cheio de gorduras, cheio de excessos e cheio de desperdícios. Eu pretendo também na Câmara dos Deputados assumir alguns compromissos de cortes. Vou abrir mão do décimo quarto e décimo quinto salários. Não vou usar um único centavo da cota de passagem aérea, já que eu moro em Brasília, não preciso me deslocar para cá. Não vou usar o auxílio moradia pelo mesmo motivo. Eu acho um absurdo que um deputado federal de Brasília tenha direito a esse auxílio. Vou reduzir a cota interna do gabinete, aquele chamado “cotão” de R$ 23 mil. Só com essa medida, eu vou economizar R$ 13 mil por mês aos cofres públicos. E eu pretendo também reduzir o número de assessores do meu gabinete e reduzir a verba de gabinete.
O senhor não teme que essa postura possa deixar o senhor isolado na Câmara?
Eu espero que existam outros parlamentares eleitos que pensem como eu. Eu pretendo ao chegar na Câmara dos Deputados lutar pela criação de uma frente suprapartidária em defesa da reforma política. Eu tenho uma proposta pronta de reforma política, baseada em cinco pontos.
Que pontos são esses?
O fim da reeleição para cargos executivos e a proibição de mais que uma reeleição para cargos legislativos. A segunda proposta é bem polêmica. É a questão do voto facultativo. Eu defendo o fim do voto obrigatório e a instituição do voto facultativo. O resultado prático do voto obrigatório no Brasil é a eleição do Tiririca. Ele não seria eleito com o voto facultativo. Quando você obriga as pessoas a votarem, elas não querendo votar, o resultado é o Tiririca. Além disso, o voto obrigatório dá margem para todo tipo de influência por parte do poder econômico. Ele faz com que o poder econômico deite e role.
Mas o voto facultativo não pode acabar afastando ainda mais o cidadão da discussão política? Sem a obrigação do voto, a pessoa que quiser pode se alienar completamente do processo.
Eu acho que essa alienação já existe. E existe com o que é pior, com o reflexo na representação política. O voto facultativo, num primeiro momento, pode até fazer cair o número de votos. Mas, num segundo momento, a sociedade vai perceber que não pode se omitir. O que você não pode fazer é obrigar as pessoas a votarem quando elas não querem fazer isso. Por que aí, o jeito de protestar será sempre votar em qualquer um. O terceiro ponto que defendo é o voto distrital. O atual voto que nós temos, que é o voto proporcional com lista aberta, só existe, se eu não me engano, no Brasil e na Finlândia. Ele é um modelo em que você é dono do seu voto até o momento em que você coloca o voto na urna. A partir daí, pode acontecer qualquer coisa, inclusive seu voto eleger alguém que você destesta. Então, no voto distrital, você vai dividir a cidade em distrito, ou o estado, e cada distrito vai eleger um deputado. Assim, você vai diminuir a distância entre representante e representando. Vai aumentar a cobrança sobre o representante.
Muita gente que critica o voto distrital afirma que ele contribuiria para afastar da política o chamado deputado nacional, menos preocupado com obras locais e mais preocupado com conceitos e ideias mais gerais.
Eu penso que a situação atual afasta muito mais essas pessoas. Porque ou elas têm que se submeter a interesses econômicos ou elas vão encontrar muita dificuldade. Eu acho que o voto distrital vai politizar mais as eleições. Vai trazer a eleição para perto do eleitor. E, claro, se a pessoa é candidata a deputada federal, o eleitor vai exigir que ela debata temas federais. A quarta ideia é a criação de um mecanismo de revogabilidade do mandato.
Como ele funcionaria?
Eu proponho que o candidato tenha que registrar na Justiça eleitor um documento com suas propostas e compromissos, com um cronograma para a implementação do que propõe. Uma vez eleito, qualquer eleitor tendo votado nele ou não pode entrar na Justiça e pedir o mandato de volta se ele não cumprir qualquer um daqueles compromissos.
E o quinto ponto?
Eu defendo a instituição do financiamento exclusivamente público de campanha. Mas a minha proposta é diferente da que está tramitando do Congresso. Porque se você der dinheiro na mão do político, na mão do candidato, vai ficar pior do que está. Vai ter gente sendo candidato só para ganhar dinheiro. Na minha proposta, os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vão fazer uma licitação. A gráfica que ganhar vai imprimir o panfleto para todos os candidatos, no mesmo formato, no mesmo tamanho, igual quantidade para todos os candidatos. A produtora de TV que ganhar vai gravar o programa para todos os candidatos daquele cargo. A campanha vai ser chata, mas o candidato vai ter que ganhar no conteúdo, no gogó, e no convencimento.
Ou seja, mais que financiamento público de campanha, a proposta é produção pública da campanha.
Exatamente. Vai ser o dinheiro mais bem investido da história do país.
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