A reforma política é um tema recorrente. Em momentos de protestos, como os de junho e julho, em início de mandato presidencial e sempre que há um escândalo, e os últimos tempos têm sido pródigos em escândalos, o assunto da reforma política volta às páginas dos jornais e à agenda da sociedade, do Parlamento e do governo.
Qualquer pesquisa que se faça, atribui-se as mazelas da vida pública à ausência de uma reforma política moralizadora.
Isto é preocupante, por três motivos.
Em primeiro lugar, porque não será uma tarefa fácil promover uma reforma política moralizadora, que valorize os partidos e aproxime os representantes dos representados.
Além da complexidade e polêmica do tema, há interesses políticos, partidários e pessoais envolvidos, que podem comprometer o projeto de reeleição de muitos parlamentares.
Qualquer reforma estrutural no sistema eleitoral terá ganhadores e perdedores. É uma questão de escolha.
Por isso, até agora os interessados numa reforma com esse escopo não conseguiram reunir votos suficientes para aprová-la, nem mesmo em nível infraconstitucional.
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Em segundo lugar, porque, mesmo que se faça uma ampla reforma política, não existe garantia de que ela efetivamente irá resolver todas as mazelas da vida pública, como virou senso comum.
A falta de educação política e os custos da participação só serão superados com mudança cultural dos eleitores e principalmente das lideranças políticas e partidárias.
Enquanto as pessoas não souberem o que são, para que servem, o que fazem e como funcionam as instituições, não haverá representação política autêntica, com participação e controle político e social.
As escolas, os partidos, a imprensa, ninguém cuida desse aspecto. Os desatentos, por assimetria de informação ou por descrença na vida política não mudarão de atitude se não forem informados e alertados sobre o papel das instituições.
Por exemplo: a maioria das pessoas não sabe que a missão institucional do Parlamento, constituído de representantes de partidos, é organizar, democrática e pacificamente, as contradições que a sociedade não pode nem deve assumir, sob pena de retorno da barbárie, com estado permanente de guerra.
Em lugar de esclarecer e informar, faz-se a opção pelo denuncismo, muitas vezes inconsequente.
A cultura do escândalo, que é muito boa para revelar as imperfeições do nosso sistema de representação, tem sido excelente para esconder as deficiências estruturais da nossa República.
O foco deixa de ser revolver ou suprir a lacuna que possibilitou determinada conduta reprovável, corrupta ou criminosa, e passa a ser apenas e tão somente punir o culpado pelo desvio de conduta.
Como, em geral, os culpados gozam de imunidades, privilégios ou dispõem de muito dinheiro e podem contratar bons advogados, favorecidos pela possibilidade quase infinita de recursos, raramente ou quase nunca vão para a cadeia.
Com isso, em lugar de educar, deixa o cidadão revoltado e descrente da vida pública.
Em terceiro lugar, porque não adianta mudar o sistema eleitoral se não houver mudança de cultura, especialmente nos partidos políticos.
Enquanto os partidos apresentarem programas para ganhar a eleição e não para governar, dificilmente será aperfeiçoado o sistema de representação.
Os partidos são entidades civis, com autonomia e independência, com liberdade para atuar livremente, sem qualquer interferência ou intervenção do Estado.
Entretanto, com raras exceções, não se autorregulam.
Por exemplo: não controlam filiação, falta-lhes nitidez ideológica e programática, não existe clivagem social clara, não existe coerência entre discurso e prática, permitem o caixa dois nas campanhas eleitorais etc.
Até no quesito fidelidade, que os partidos poderiam exigir daqueles que exercem mandato, falharam. Precisou o STF decidir por eles.
As tentativas de reformas sempre são bem intencionadas e visam melhorar a representação política, que é institucionalizada por intermédio dos partidos políticos.
Em última análise, elas objetivam aperfeiçoar o sistema de representação e, muitas vezes, as reformas são feitas para aumentar ou diminuir o número de partidos.
Desde que os partidos ganharam dimensão nacional, a partir de 1945, com exceção do período de 1965-1979 do regime militar, em que vigorou o bipartidarismo, sempre houve pluripartidarismo.
Moderado, como no período de 1980 a 1985, quando existiam seis partidos. Menos moderado, como no período de 1986 a 1988, porém com um partido majoritário (o PMDB). E exacerbado, de 1989 até os dias atuais, quando se chegou a 23 partidos com representação na Câmara.
A forma mais eficaz de reduzir o número de partidos, sem retirar-lhes a autonomia e independência, tem sido a instituição de cláusula de barreira ou o fim das coligações nas eleições proporcionais, o que requer mudança constitucional.
Simulação feita pelo Diap, com base no resultado das eleições de 2010, dão conta que o fim das coligações beneficiaria os grandes partidos (PMDB, PT e PSDB) e reduziria de 23 para 16 o número de partidos com representação na Câmara.
O PMDB aumentaria 31 deputados, o PT, 22, e o PSDB, dez. O PV ganharia mais um deputado e o Psol empataria. Todos os demais perderiam, alguns mais outros menos.
Partidos como PMN, PHS, PRP, PRTB, PSL e PTC ficariam sem representação na Câmara.
Outra vez, o Congresso definiu o tema como prioritário. A Câmara dos Deputados constituiu uma comissão especial, sob a coordenação do deputado Cândido Vaccarrezza (PT-SP) e relatoria do deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ), para propor uma reforma política no prazo de 90 dias, que depois de votada no Congresso, seria submetida a referendo popular, e o Senado Federal deseja votar uma mini-reforma para reduzir o tempo e o gasto de campanha.
O problema é que os temas com maior consenso na sociedade exigem mudança na Constituição, o que requer um quorum de 3/5 ou 308 votos na Câmara e 49 no Senado, enquanto os temas que precisam apenas de maioria simples para sua aprovação (o voto de metade mais um dos presentes, desde que presente a maioria absoluta, 257 deputados e 41 senadores), são os mais polêmicos e complexos.
O fim das coligações, por exemplo, tem grande consenso na sociedade, mas sua aprovação depende de alteração no texto constitucional, o que exige quorum de 3/5.
Já temas como financiamento exclusivamente público de campanha ou a proibição de contribuições de empresas ou, ainda, a adoção do sistema de lista fechada, que exigem quorum de maioria simples para sua aprovação, são muito polêmicos e complexos, dividindo praticamente todos os partidos.
Por isso, muitos aspetos da reforma com algum grau de polêmica que demandam alteração constitucional – como a substituição do voto proporcional pelo majoritário, o fim das coligações nas eleições proporcionais, a adoção da cláusula de barreira, a instituição de voto facultativo, a destituição de mandato (recall), a previsão de candidaturas avulsas, o fim da reeleição e o aumento do mandato dos titulares do Poder Executivo – dificilmente serão aprovados.
A grande verdade é que vivemos em reforma política permanente desde 1985, de modo incremental, com uma ou mais mudança em cada período de quatro anos, conforme exemplificado a seguir.
Princípio da anterioridade (1993) – E C nº 4 (art. 16 da CF) – lei que alterar o processo eleitoral só vigora se aprovada um ano antes da eleição.
- Lei de inelegibilidades (1994) – Lei Complementar 81 – perda do mandato por oito anos.
- Lei dos partidos políticos (1995) – Lei 9.096 – funcionamento parlamentar (5% nacional, e 1/3 deles com pelo menos 2% dos votos válidos – foi declarada inconstitucional onze anos depois, exatamente no ano em que entraria em vigor.
- Lei geral das eleições (1997) – Lei 9.054 – regras permanentes para as eleições e institui o sistema eletrônico de votação.
- Lei de compra de voto ou captação de sufrágio (1999) – Lei 9.840, de iniciativa popular – transforma em fraude o que antes era definido como crime.
- Mini-reforma eleitoral (2006) – Lei 11.300 – reduz gastos de campanha, com fim de brindes e outdoor.
- Fidelidade partidária (2007) – decisão do STF sobre fidelidade partidária.
- Mini-reforma para 2010 (2009) – Lei 12.039 – autoriza a punição por evidência do dolo e amplia prazo para representar contra condutas vedadas.
- Ficha Limpa (2010) – Lei Complementar 135 – inclui novas hipóteses de inelegibilidade, protege a probidade administrativa e a moralidade no exercício de mandato.
Assim, a julgar por este histórico, as reformas serão sempre graduais, com um passo de cada vez. Entretanto, esperamos e confiamos que, desta vez, com a pressão da sociedade, se avance: a) no fortalecimento dos partidos, dando-lhes consistência ideológica e programática, b) no combate à corrupção, c) na promoção de equilíbrio na disputa eleitoral, e d) na aproximação dos representantes dos representados.
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