José Rodrigues Filho*
A tentativa de redução de partidos políticos diante da inexistência de regras justas de disciplina, a exemplo da fidelidade partidária, como desejava a elite política dominante, através da chamada cláusula de barreira, instituída pela Lei 9.096/95, era um retrocesso à democracia. Uma sociedade heterogênea e bastante diversificada requer naturalmente a fragmentação, inclusive no mercado das idéias. Não fossem declarados inconstitucionais os dispositivos da lei acima citada, estaríamos partindo para o modelo de cartel dos partidos políticos, possivelmente com as características da cartelização partidária existente na Alemanha.
A literatura mostra que a cartelização partidária tende a afastar os membros ou filiados partidários, uma vez que os partidos políticos tendem a se alinhar mais com os interesses do Estado, principalmente em busca de apoios financeiros. Com a proposição da chamada cláusula de barreira, já se iniciava, no país, a discussão sobre os financiamentos de campanhas. Se a política hoje já é vista como coisa suja, com os financiamentos públicos de campanhas para um reduzido número de partidos, haverá, com certeza, uma tendência para se incrementar essa sujeira. Enquanto não houver uma disciplina partidária neste país, falar em financiamento de campanhas é um grande risco para a democracia, diante da dominação da política por políticos profissionais. Nessas circunstâncias, o financiamento público de campanhas acarreta perigos e riscos de se alocar recursos públicos para os interesses dos partidos e não para o interesse público.
Leia também
Em resumo, a cartelização partidária reforça a democracia durante as eleições e não entre as eleições, visto que os partidos-cartéis são caracterizados pela cartelização de privilégios e pela exclusão de novos partidos. A longo prazo, a cartelização amplia a lacuna entre eleitores e seus representantes políticos, dificultando a legitimação de decisões políticas. O número de partidos políticos deve ser definido pelos cidadãos, através de participação e disciplina partidária, e não pela elite política dominante. No momento, os partidos políticos têm de fazer uma escolha sobre a questão de serem instituições do passado ou parte do futuro, visto que permitem em quem os eleitores devam votar, mas raramente permitem em que votar.
Na maioria dos países democráticos, os partidos políticos existem para refletir, naturalmente, as divisões da sociedade – econômicas, sociais, éticas ou geográficas, articulando as diferentes perspectivas ideológicas. Nesse sentido, os eleitores identificam qual o partido que melhor expressa seus interesses e pode avançar em promover seus interesses e alcançar melhores benefícios. No Brasil, a elite política dominante deseja que os partidos políticos funcionem como um grande guarda-chuva, atendendo os interesses de todos, principalmente os da elite política dominante. Por essa razão, os principais partidos políticos demonstram claramente sempre permanecer como instituições subdesenvolvidas, fazendo o jogo personalizado da política eleitoral. Enfim, não são instrumentos de uma cidadania interessada e engajada. Em geral, os partidos políticos não são veículos de novas idéias de políticas públicas; não têm suas raízes na comunidade; não dão poder aos seus membros para agirem politicamente; têm pouca identidade, além da que é atribuída aos seus líderes, e não lideram questões de nosso tempo.
Portanto, os grandes partidos funcionam, em geral, como firmas de corretagem, achando que podem atender ou abrigar os interesses de todos. Ora, numa sociedade fragmentada como a nossa, é impossível pensar em dois ou três partidos políticos, pois temos problemas de classe social, discriminação racial, problemas ambientais, geográficos etc. Na perspectiva da teoria da corretagem, bastante discutida pelos cientistas políticos canadenses, os partidos políticos se diferenciam muito pouco uns dos outros no tocante ao que têm de oferecer aos seus eleitores ou de oportunidades oferecidas aos cidadãos. Pelo que se percebe no Brasil, partidos de esquerda e de direita já não se diferenciam e quando chegam ao poder se sentem livres para roubar, uns dos outros, os programas e as políticas que melhor atendam seus eleitores.
Com essas características, os parlamentares eleitos não prestam contas aos seus eleitores, mas aos seus líderes partidários, que têm mais controle sobre os partidos do que os próprios membros partidários. Conseqüentemente, como foi dito na parte I desta discussão (leia mais), o que temos hoje são partidos políticos em descrédito, permanecendo as pessoas de um lado do campo, seus representantes do outro e um grande vácuo entre os dois lados.
As práticas democráticas estão mudando e avançando e, para sobreviverem, os partidos políticos devem seguir essas mudanças. Portanto, enquanto instituições para a democracia do século 21, como deve ser a relação entre os partidos políticos e outros atores no processo democrático? Com relação à sua estrutura e aos processos internos, como essas instituições devem ser modernizadas para se tornarem mais efetivas? Até que ponto essas mudanças devem surgir dentro dos próprios partidos e até que ponto a sociedade pode participar dessa discussão?
O revigoramento de nossos partidos políticos pode se dar preenchendo o grande vácuo, acima citado, ouvindo muitas vozes, articulando muitas idéias e com o início de uma prática democrática entre as eleições e não apenas durante as eleições, quando os cidadãos ativos são reduzidos a meros eleitores, enquanto os líderes partidários dominam facilmente o jogo personalizado eleitoral e parlamentar.
*José Rodrigues Filho foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins. Atualmente é professor da Universidade Federal da Paraíba.
Deixe um comentário