Amilcar Faria *
“Uma coisa não é justa por direito de ser lei. Deve ser lei porque é justa. A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos.”
(Monstesquieu)
Desde a época do Império, existe a discussão sobre qual critério usar para estabelecer a imputabilidade penal (capacidade de responder por crimes cometidos), com franca percepção mundo afora de que o critério mais justo é o que considera a idade em conjunto com a capacidade de discernimento do agente sobre o certo e o errado (psicobiológico ou misto).
Até a década de 60 ou 70, era possível considerar crianças, ou seja, pessoas em desenvolvimento, ainda sem conhecimento sobre certo e errado, jovens de até cerca de 14 ou 15 anos (ainda assim forçando um pouco a barra).
Hoje em dia, contudo, dada a grande difusão e acesso à informação, seja pela televisão, seja pela internet, seja pelos chamados smartphones, não é de se acreditar que qualquer pessoa com mais de 12 anos, independente de classe social e de maturidade emocional possa alegar desconhecer os limites do certo e do errado (condição para imputabilidade penal).
Hoje, os jovens de 14, 16 anos, quando envolvidos na criminalidade, têm alto potencial ofensivo (seja pela crueldade; seja pela certeza da impunidade – alimentada pelo conhecimento do ECA; seja pelo tamanho e força física – infinitamente superior aos de 40/50 anos atrás, seja pelo acesso a armas de toda sorte) e não podem ser considerados sequer biologicamente como meras crianças ou adolescentes como antes.
A diferenciação criada pelo ECA quanto à punição, que garante a eles ficha absolutamente limpa (não importando a crueldade, a quantidade ou a “hediondoneidade” dos crimes cometidos), inclusive com franca liberdade (no máximo três anos de internação sócio-educativa) tão logo completem 18 anos, os torna monstros, não humanos!
A idade não pode continuar a ser considerada isoladamente (sistema biológico), como se faz hoje no Brasil, até porque nem o desenvolvimento biológico nem o psicológico no séc. XXI são os mesmos daqueles do séc. XVII a XIX. Ela precisa ser condicionada à capacidade de discernimento do agente (critério psicológico), com a avaliação caso a caso quando do cometimento de crimes (principalmente os mais hediondos).
Tratar da mesma forma todos os “menores infratores” por uma análise meramente classificativa (considerando apenas a idade) sem considerar a análise quantitativa (quantidade de crimes cometidos) ou principalmente a qualitativa (a capacidade de discernimento de cada um) é uma falácia tão grande quanto tratar todos os criminosos que tenham cometido um homicídio, por exemplo, da mesma forma, sem considerar qualitativamente seu crime (motivação, atenuantes, agravantes), o que há muito não se faz no direito.
Equivale a dizer que quem matou em um acidente de trânsito (habilitado, sem beber nem infringir regras de trânsito) é igual a quem matou após estuprar, torturar e usar requintes de crueldade e, sobretudo, aplicar a eles a mesma pena.
A falácia reside na máscara política por trás da existência e criação do ECA: “Temos o código de tratamento da delinquência da infância e juventude mais avançado do mundo”. Tal máscara oculta o raciocínio crítico que deveria nortear um constante aprimoramento do referido código.
O ECA, que inicialmente tinha a função de proteger nossa infância e juventude, criou uma disfunção que seus defensores se negam, por acuidade visual seletiva, a enxergar: o que parece proteger os jovens da sociedade acaba por desproteger a sociedade dos jovens. Tal disfunção chega ao ponto de desproteger os próprios jovens que se acreditava proteger!
E essa desproteção reside no fato de tratar os “jovens” como seres incapazes de discernimento, já que considera a idade como único fator digno de ser considerado para a penalização criminal. Eles tanto podem discernir como se aproveitam da incapacidade (mais política que real) da sociedade de reformular os pontos da Lei, criada para proteger alguns, mas que terminou por desproteger a todos, inclusive os próprios alguns que ela deveria proteger.
Mas há luz no fim do túnel.
E essa luz começa com duas ações urgentes e complementares:
1) Mudar o sistema de imputabilidade penal (capacidade de responder por crimes cometidos) para que se considere a idade em conjunto com a capacidade de discernimento do agente (psicobiológico ou misto), devendo a idade de corte do novo sistema ser estabelecida pela própria sociedade via plebiscito, no qual deverá escolher entre as seguintes: 12, 14, 16 ou 18 anos;
2) Estabelecer um projeto de educação integral, com aumento do percentual do PIB dedicado à educação para cerca de 15% a 20%, ainda que com implementação gradual e escalonada.
Só um projeto de educação integral (e não só de tempo integral, apesar de esse ser o primeiro passo) é capaz de mudar o Brasil e colocá-lo na posição de país desenvolvido.
Mesmo assim, não se pode ignorar que a sociopatia (assim como a psicopatia) é um mal que afeta e assola as sociedades, independentemente do projeto de educação que possa ou não existir.
Achar que, por termos (quando tivermos – e um dia teremos!) um projeto de educação excelente, os menores infratores (muitos sociopatas como o conhecido pela alcunha de Champinha, do qual o leitor deve se lembrar) deixarão de ser infratores é simplismo (simplificação forçada da complexidade da realidade) que desconsidera aspectos importantes da psique humana (por mais que seja feito de boa fé).
A educação combate as mazelas que são consequências da falta de oportunidades (culturais, educacionais, de formação), e mesmo assim, nem todas elas, mas não consegue combater as mazelas que são consequências da falta de saúde mental ou de caráter (fisiológicas ou psicológicas). Estas precisam ser combatidas de outra forma.
A redução da maioridade penal, ou melhor, a mudança do Sistema de Avaliação da Responsabilidade Penal para o sistema biopsicológico só tem a contribuir para a diminuição da violência praticada por certeza da impunidade, presente nos “menores” sociopatas e psicopatas da sociedade. E estes assim o são independente da educação que tiveram (ou não tiveram).
Mais sobre o assunto:
2) Constitucionalidade da redução;
4) Maioridade penal – os efeitos da redução:
5) Maioridade penal – ponto de vista psiquiátrico
[KAUFMAN, Arthur. Maioridade Penal. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 31, n. 2, 2004. Disponível em: www.scielo.br. Acesso em: 23 de julho de 2011].
* Bacharel em Ciência da Computação (UFMG) e pós-graduado em Informática e Educação e em Administração de Sistemas de Informação. É servidor público federal e diretor de Programas de Controle Social do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), entidade que ele representa no Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
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