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Na representação, os partidos mencionam o áudio que flagrou o senador Delcídio arquitetando a fuga do ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, com quem tem ligações, para não se comprometer nas investigações da Lava Jato. A gravação, feita por um dos filhos de Cerveró, foi considera elemento suficiente para a decretação de prisão de Delcídio, por decisão unânime no Supremo Tribunal Federal (STF), por tentativa de obstrução das investigações do chamado petrolão.
“Ofertar favorecimento para concessão de liberdade provisória a presos cautelarmente, mediante suposto tráfico de influência perante autoridades judiciais, com o propósito de viabilizar fuga do país e obstar o cumprimento de potenciais sentenças condenatórias configura o crime de favorecimento pessoal, previsto no artigo 348 , do Código Penal. Tratar-se-ia também de crime de tráfico de influência, insculpido no artigo 332, também do Código Penal, na medida em que o representado valer-se-ia da sua função pública para obter para outrem vantagem indevida, qual seja o relaxamento da prisão. Embora estes crimes não tenham efetivamente se consumado, a disposição de agente político de primeira grandeza de patrociná-los é incontestemente indecorosa”, diz trecho da representação, que este site adianta em primeira mão (leia íntegra abaixo).
“Recai sobre o representado a acusação de, em conjunto com o seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, o banqueiro André Esteves e o advogado Edson Ribeiro, ter oferecido a Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras investigado na Operação Lava Jato, a facilitação de sua soltura, uma rota de fuga e uma mesada de R$ 50 mil reais a seus familiares, em troca de seu silêncio”, acrescenta o texto.
Como este site adiantou na semana passada, a tarefa de acionar o colegiado contra Delcídio coube ao único representante da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP). O PPS também figura com representante único, o senador José Medeiros (MT). De acordo com um interlocutor de Randolfe, a ação contra o petista dará início a uma verdadeira “temporada de caça às bruxas” na Casa, tendo como alvos os demais senadores sob investigação, no STF, por indícios de envolvimento na Lava Jato. Além de Delcídio (antes em caráter de sigilo), estão no alvo do Supremo o próprio presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e os senadores Benedito Lira (PMDB-AL), Ciro Nogueira (PP-PI), Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Bezerra (PSB-PE), Fernando Collor (PTB-AL), Gladson Cameli (PP-AC), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Humberto Costa (PT-PE), Lindbergh Farias (PT-RJ), Romero Jucá (PMDB-RR) e Valdir Raupp (PMDB-RO).
Delcídio foi citado por Cerveró e pelo lobista Fernando Baiano como beneficiário do esquema de corrupção na estatal. Segundo as investigações, o senador tentou impedir a delação premiada de Cerveró, oferecendo-lhe até uma ajuda de fuga, conforme indica gravação feita pelo filho do ex-diretor da Petrobras. Em depoimento, Baiano afirmou que Delcídio recebeu US$ 1,5 milhão de propina pela compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.
Para José Medeiros, o caso precisa ser levado adiante para preservar o que resta da imagem do Senado, e de maneira impessoal. “Não é o fato de ser o Delcídio; poderia ser qualquer um, teria que ser levado para ser analisado no Conselho de Ética do Senado para que tomasse as devidas providências. Ela [a representação] vai no sentido do resgate de uma confiança profundamente abalada da população brasileira na política em si. E no Senado, em que pese a dor, em que pese a missão ser espinhosa, ela tem que ser feita. Porque acima das pessoas está a instituição, e nós temos a obrigação de dar uma resposta a esse anseio popular que pede que tudo seja apurado”, disse o senador ao Congresso em Foco.
Líderes oposicionistas no Senado recusaram subscrever a representação, mas apoiam a iniciativa da Rede e do Psol. Eles explicaram que, na condição de signatários do documento, nenhum senador da oposição poderia reivindicar a relatoria do trabalho no Conselho de Ética, como determina o Código de Ética que rege processos de quebra de decoro parlamentar. PSDB e DEM cogitavam acionar o colegiado desde a prisão de Delcídio.
Confira a íntegra da representação:
“Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal
REDE SUSTENTABILIDADE, partido político, CNPJ Nº 17.981.188/0001-07, com registro no TSE, com representação no Congresso Nacional, como é público e notório, com sede no SDS – Bloco A, Conic – Ed. Boulevard Center – Asa Sul – Sala 108/109 – Brasília – DF, endereço que indica para fins do que dispõe o art. 39, inc. I do CPC, por sua respectiva Presidenta Nacional abaixo subscrita; assim como o PARTIDO POPULAR SOCIALISTA, partido político, CNPJ Nº 29.417.359/0001-40, com registro no TSE, com representação no Congresso Nacional, como é público e notório, com sede no SCS Quadra 7, bloco A, Salas 826 e 828, – Brasília – DF, endereço que indica para fins do que dispõe o art. 39, inc. I do CPC, por seu respectivo Presidente Nacional abaixo subscrito; vêm diante de Vossa Excelência, com fundamento no art. 55, II e § 2º, da Constituição Federal e do art. 13 e seguintes do Código de Ética e Decoro Parlamentar – Resolução do Senado nº 20, de 1993, ofertar a presente
REPRESENTAÇÃO
Para instauração do competente Procedimento Disciplinar, para verificação de quebra de decoro parlamentar, em face do Senador da República DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ (PT/MS), doravante nominado REPRESENTADO, diante das razões de fato e de direito adiante expendidas:
I- DOS FATOS
No dia 25 de novembro de 2015, jornais e revistas de todo o país, veicularam a prisão em flagrante por delito inafiançável do REPRESENTADO. Tal decisão causou espanto e irresignação à população brasileira, já tão desacreditada com a crise política que o país atravessa. Além de ter trazido comoção social, a decisão foi inédita no Brasil, pois o REPRESENTADO foi o primeiro Senador da República preso no exercício do mandato desde a redemocratização do País.
As primeiras informações trazidas pelos órgãos de imprensa na manhã do dia 25 de Novembro de 2015, anunciavam inicialmente que o REPRESENTADO estava sendo acusado por tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato, conduzida pela Polícia Federal.
Em síntese, recai sobre o REPRESENTADO, a acusação de, em conjunto com o seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, o banqueiro André Esteves e o advogado Edson Ribeiro, ter oferecido a Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras investigado na Operação Lava Jato, a facilitação de sua soltura, uma rota de fuga e uma mesada de R$ 50 mil reais a seus familiares, em troca de seu silêncio.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República, em seu requerimento protocolado perante o Supremo Tribunal Federal no dia 24 de Novembro de 2015, registrado sob o n. 4039, sob a Relatoria do Ministro Teori Zavascki, o qual deu origem a prisão cautelar do ora REPRESENTADO, o membro do Parquet, baseou-se nos seguintes fatos:
‘… há relato de tratativas entre o filho do colaborador, Bernardo Cuñat Cerveró, o Senador da República Delcídio do Amaral, o Chefe de Gabinete deste, Diogo Ferreira, e o advogado Edson Ribeiro, constituído pelo colaborador para a estratégia contenciosa de sua defesa em juízo na Operação Lava Jato. Nessas tratativas, o Senador Delcídio Amaral vinham empreendendo esforços para dissuadir Nestor Cerveró de firmar acordo de colaboração com o Ministério Público Federal ou, quando menos, para evitar que ele o delatasse e a André Esteves, controlador do Banco BTG Pactual. O Senador Delcídio Amaral ofereceu a Bernardo Cerveró auxílio financeiro, no importe mínimo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais, destinado à família de Nestor Cerveró, bem como prometeu intercessão política junto ao Poder Judiciário em favor de sua liberdade, para que ele não entabulasse acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. André Esteves, agindo em unidade de desígnios e conjugação de condutas com o congressista, arcaria com os ônus do auxílio financeiro, haja vista seu interesse em que o acordo de colaboração premiada não fosse assinado. O Senador Delcídio Amaral contou com o auxílio do advogado Edson Ribeiro, que, embora constituído por Nestor Cerveró, acabou por ser cooptado pelo congressista. O advogado Edson Ribeiro passou, efetivamente, a proteger os interesses do Senador Delcídio Amaral em sua interação profissional com Nestor Cerveró e Bernardo Cerveró, mesmo depois de tomada por Nestor Cerveró a decisão de oferecer colaboração premiada ao Ministério Público Federal. O advogado Edson Ribeiro recebeu do Senador Delcídio Amaral, a certa altura das tratativas, a promessa de pagamento dos honorários que convencionara com Nestor Cerveró, cujo valor era de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais). Essas tratativas veiculam-se em vários encontros entre Bernardo Cerveró e os demais interlocutores mencionados. Dentre esses encontros, destaca-se – tanto por seu conteúdo quanto por ter sido gravado por Bernardo Cerveró – reunião havida em Brasília/DF, em suíte do Hotel Royal Tulip, em 4/11/2015 entre ele, o Senador Delcídio Amaral, o Chefe de Gabinete deste, Diogo Ferreira, e o advogado Edson Ribeiro. Nesse encontro, o primeiro assunto foram as possibilidades de que Nestor Cerveró viesse a ser posto em liberdade por meio de habeas corpus. O Senador Delcídio Amaral relatou sua atuação – espúria ante o fato de não ser advogado e do patente conflito de interesses, mas em linha com sua promessa reiterada de interceder junto ao Poder Judiciário – perante Ministros do STF em favor de Nestor Cerveró, informando haver conversado com Vossa Excelência e com o Ministro Dias Toffoli. Revela, ainda, a firme intenção de conversar com o Ministro Edson Fachin, bem como de promover interlocução do Senador Renan Calheiros e do Vice-Presidente Michel Temer com o Ministro Gilmar Mendes. O segundo assunto da reunião de Brasília/DF foi a perspectiva de fuga de Nestor Cerveró do País – ele tem nacionalidade espanhola – no caso de ser beneficiado por ordem de habeas corpus, ainda que obrigado a usar dispositivo de monitoramento eletrônico pessoal. O Senador Delcídio Amaral interveio ativamente também nesse segmento da conversa, oferecendo sugestões de rotas e meios de fuga: ele opina quanto a ser o Paraguai a melhor rota e quanto à necessidade de que, se a fuga se der por meio de aeronave de táxi aéreo, o modelo seja um Falcon 50, que teria autonomia para chegar à Espanha sem reabastecimento. No terceiro e principal assunto da reunião de Brasília/DF, fica ainda mais explícita a atuação criminosa do Senador Delcídio Amaral, que relatou tratativas com André Esteves, controlador do Banco BTG Pactual, para que aporte recursos financeiros para a família de Nestor Cerveró, em troca de ver seu nome preservado no âmbito de eventual acordo de colaboração premiada ou de optar por não fazer o acordo. Ao menos parte desses recursos seria dissimulada na forma de honorários advocatícios a serem convencionados em contrato de prestação de serviços de advocacia entre André Esteves e/ou pessoa jurídica por ele controlada com o advogado Edson Ribeiro. No bojo desse terceiro assunto, vem à tona a grave revelação de que André Esteves tem consigo cópia de minuta de anexo do acordo de colaboração premiada afinal assinado por Nestor Cerveró, confirmando e ilustrando a existência de canal de vazamento na Operação Lava Jato que municia pessoas em posição de poder com informações do complexo investigatório. Depois da reunião de Brasília/DF, houve ainda mais uma, em 19/11/2015, no Rio de Janeiro/RJ, no escritório do advogado Edson Ribeiro, para dar sequência às tratativas que vinham sendo entabuladas. O documento foi mais uma vez exibido nessa reunião mais recente. O conjunto probatório subjacentes ao Anexo 29 do acordo de colaboração premiada é sobremodo robusto e recente. Consiste em duas gravações ambientais efetuadas por Bernardo Cerveró, a primeira de reunião dele próprio com os advogado Edson Ribeiro e Felipe Caldeira, no Rio de Janeiro/RJ em fins de setembro de 2015, em que o primeiro reitera a promessa de auxílio financeiro do Senador Delcídio Amaral, e a segunda da reunião acima descrita, realizada em suíte do Hotel Royal Tulip em Brasília. Consiste, ainda, em depoimento de Bernardo Cerveró, em que ele descreve em pormenor as tratativas com Delcídio Amaral e Edson Ribeiro, e em documentos por ele fornecidos à guisa de corroboração de seu depoimento, inclusive mensagens de correio eletrônico e ata notarial com descrição de troca de mensagens em aplicativo entre ele e o advogado Felipe Caldeira. Convém lembrar, por fim, que, nos Anexos 1, 6 e 10 do acordo de colaboração premiada, Nestor Cerveró narra a prática de crimes de corrupção passiva por Delcídio Amaral, no contexto da aquisição de sondas pela Petrobras S/A e da aquisição da Refinaria de Pasadena, nos EUA, também efetuada pela Petrobras S/A; descreve, ainda, a prática de crime de corrupção ativa por André Esteves, por meio do Banco BTG Pactual, consistente no pagamento de vantagem indevida ao Senador Fernando Collor, no âmbito de contrato de embandeiramento de 120 postos de combustíveis em São Paulo, que pertenciam conjuntamente ao Banco BTG Pactual e a grupo empresarial denominado Grupo Santiago. Essa ordem de fatos deixa transparecer, portanto, a atuação concreta e intensa do Senador Delcídio Amaral e do banqueiro André Esteves para evitar a celebração de acordo de colaboração premiada entre o Ministério Público Federal e Nestor Cerveró ou, quando menos, evitar que, se celebrado o acordo, fossem delatados. Ocorre que ambos acabam por ser, de fato, delatados no acordo.’
A teor do Requerimento capitaneado pela Procuradoria-Geral da República, o REPRESENTADO será investigado por crimes contra a Administração da Justiça, contra a Administração Pública, organização criminosa e lavagem de dinheiro, para a consecução dos quais teria havido a sua participação, o que desde já caracterizam crimes GRAVÍSSIMOS.
Aos detentores de mandato eletivo, ora Senadores da República, representantes direto dos estados da Federação e agentes públicos em período integral, são exigidos de modo permanente o decoro e a compostura adequada ao cargo que exercem.
Ao Senador é muito mais rigorosa a proibição legal de realizar atos e práticas abusivas ou contrárias à probidade, legalidade, moralidade, assim como às regras de costume e de comportamento. Desse modo, independentemente de praticados no exercício efetivo do mandato, ou na sua vida privada, o decoro se impõe integralmente a agentes políticos desta envergadura.
Diante deste lamentável quadro, o Ministro Relator Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Cautelar n. 4039/4036, não teve outra alternativa senão determinar a prisão cautelar do referido Senador da República, in verbis:
‘(…) Ante o exposto, presentes situação de flagrância e os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, decreto a prisão cautelar do Senador Delcídio Amaral, observadas as especificações apontadas e ad referendum da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Expeça-se mandado de prisão, a ser cumprido na presença de representante da Procuradoria-Geral da República. Cumpra-se conforme requerido no item 8: “seja determinado que a Polícia Federal cumpra as diligências simultaneamente, com a discrição necessária para sua plena efetividade e para a preservação imagem dos investigados e de terceiros, se preciso com o auxílio de autoridades policiais de diversos Estados e de outros agentes públicos”. Imprescindível, portanto, que a autoridade policial se desincumba de sua missão lançando mão da mínima ostensividade necessária para cada caso, com estrita observância dos arts. 285 e seguintes do Código de Processo Penal. Executada a ordem, remetam-se imediatamente estes autos ao Senado Federal, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão, como prevê o art. 53, § 2°, da Constituição da República.’
Cumpre registrar que no mesmo dia da efetivação da ordem de prisão a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal referendou, por unanimidade, a Decisão anteriormente proferida pelo Relator, por seus próprios fundamentos, determinando em suas razões de decidir, a remessa dos autos ao Senado Federal para que resolvesse sobre a prisão, conforme previsto no Art. 53, §2º da Constituição Federal, senão vejamos, in verbis:
‘Decisão: A Turma, por votação unânime, referendou a decisão proferida pelo Relator, por seus próprios fundamentos, e determinou que, juntado o comprovante do cumprimento da ordem, sejam os autos imediatamente remetidos ao Senado Federal, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão, como prevê o art. 53, § 2º, da Constituição da República, nos termos do voto do Relator. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 25.11.2015.’
Ato contínuo, no mesmo dia 25 de Novembro de 2015, o Senado Federal em Sessão Plenária nos termos do Art. 53, § 2º da Constituição da República, manteve por 59 votos a favor, 13 contrários e uma abstenção a prisão do REPRESENTADO.
Ao Conselho de Ética e Decoro do Senado Federal, cabe, em virtude dos fortes indícios que levaram A prisão do REPRESENTADO, preservar a dignidade do mandato parlamentar. Mais que uma prerrogativa, trata-se, em verdade, de um poder-dever, que conseqüentemente traz a responsabilidade institucional inafastável de investigar e eventualmente punir os senadores que tenham quebrado o decoro parlamentar.
Ademais, a conclusão de uma completa investigação, em sede de processo disciplinar pode, ainda, vir a demonstrar abuso das prerrogativas de imunidade e abuso no exercício do mandato pelo REPRESENTADO.
Por fim, estão presentes os elementos de prova suficientes o bastante para justificar a abertura de processo de quebra de decoro parlamentar junto a esse Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, assim permitindo o esclarecimento dos fatos.
II – DO DIREITO
Preliminarmente, parece oportuno discutir o alcance da expressão decoro parlamentar, que é definido com maestria por Martines [1] (2008):
Decoro é o recato no comportamento que deve respeitar o acatamento das normas morais e os princípios da decência, da honradez e da dignidade. Decoro parlamentar, por sua vez, nada mais é que a postura exigida de parlamentar no exercício de seu mandato, postura esta que deverá respeitar também todos esses princípios.
Trata-se de uma violação ao esperado comportamento de honradez e compromissamento ético-moral por parte dos parlamentares, que devem, na sua vida privada e pública, observá-lo rigorosamente.
Enquanto abalo ao domínio ético-moral, o juízo de violação ao decoro é, assim, um juízo eminentemente político, que, no mérito, é, inclusive, inalcançável ao Poder Judiciário, em homenagem ao princípio da separação dos Poderes, com espeque na political question doctrine. Trata-se de um juízo essencialmente exarado em relação à indignidade do agente político para a continuidade no sacerdócio da coisa pública.
Assim, embora a tipicidade seja importante para que se confira segurança jurídica e se estabeleçam parâmetros que norteiem a decisão dos julgadores, decerto que a possibilidade de condenação não se cinge aos seus estreitos limites. Neste sentido, inclusive, que as previsões legais são absolutamente valorativas, com definições genéricas de forte densidade normativa e carregadas intensamente de juízo axiológico, cujo alcance só pode ser corretamente extraído com concretude através do crivo político dos julgadores. Há, de outra sorte, na qualidade de processo disciplinar, inconteste garantia ao réu do exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como do devido processo legal. Há que se preservar essas garantias, sob pena de nulidade absoluta.
Assim, caberá a este Senado Federal demonstrar sua repulsa às contrarrepublicanas e criminosas práticas do REPRESENTADO, rechaçando publicamente seu comportamento e apenando-o com a cassação do mandato e consequente suspensão dos direitos políticos ou, de outra sorte, referendar seu comportamento inescrupuloso, encarando o escrutínio público dessa perigosa decisão, que pode por em cheque a própria legitimidade institucional desta Casa.
A presente representação cuida de corrigir em definitivo essa lamentável deformação para a República de se admitir a figura exótica de um Senador da República recolhido ao cárcere, por condutas ilícitas públicas e notórias, que saltam aos olhos da cidadania.
Ao negociar inescrupulosamente a decisão de juízes da Suprema Corte, num nítido blefe, já que sabidamente os Ministros daquele Pretório Excelso não se prestem a este criminoso papel, o REPRESENTADO põe em suspeição uma das instituições que mais têm se destacado por seu republicanismo e correição, deslegitimando com irresponsabilidade sem precedentes o Poder Judiciário, que soube rechaçar oportunamente essa descabida suspeição.
Demonstrar publicamente a repulsa ao comportamento do REPRESENTADO não se traduz em qualquer abalo ao primado da presunção de inocência, direito constitucional de magnitude fundamental, na medida em que, para que se restrinja a sua liberdade, há que se observar o devido processo criminal, com a consequente sentença condenatória, caso o acervo probatório possua robusteza legal para que lhe dar causa. O devido processo político, como já ressaltado, é informado juridicamente apenas no que tange ao seu rito e não ao seu conteúdo. Cuida-se aqui de atestar que, diante da postura de escárnio à opinião pública e às instituições e de completo descompromisso com a legalidade, que se deflui da gravação que ensejou a prisão em flagrante (posteriormente convertida em preventiva) do representado, não há qualquer dúvida de que a sua qualidade de homem público resta fulminada.
De toda sorte, cientes de que a defesa legitimamente arguirá quando oportuno a tipicidade das condutas ora confrontadas, passe-se à análise detida das violações in casu ao Código de Ética e Decoro Parlamentar.
De início, verifica-se flagrante desrespeito ao dever de probidade tendo em vista a locupletação da posição institucional prestigiada do REPRESENTADO para que elidisse a possibilidade de responsabilização criminal daqueles que, na esteira da Operação Lava-Jato, dilapidaram a coisa pública em proveito pessoal. Espera-se do agente público comportamento diametralmente oposto ao verificado em tela, com o engajamento deste na promoção da justiça e na responsabilização dos criminosos.
A oferta de valores indevidos em contrapartida ao favorecimento de potenciais criminosos, tais como a pensão de R$ 50.000,00 mensais, a bonificação de R$ 4.000.000,00 e os demais favores aviltantes ao interesse público configuram o crime de corrupção passiva. A promessa de pagamento para outrem, solicitada ou mesmo aceita sem ter sido exigida, por parte de um banqueiro (que certamente exigiria sua contrapartida criminosa para a realização de tal concessão), em razão da posição institucional de senador da República e Líder do Governo no Senado é conduta típica albergada pela previsão insculpida no Art. 317 [2], do Código Penal.
Ofertar favorecimento para concessão de liberdade provisória a presos cautelarmente, mediante suposto tráfico de influência perante autoridades judiciais, com o propósito de viabilizar fuga do país e obstar o cumprimento de potenciais sentenças condenatórias configura o crime de favorecimento pessoal, previsto no art. 348 [3], do Código Penal. Tratar-se-ia também de crime de tráfico de influência, insculpido no art. 332 [4], também do Código Penal, na medida em que o representado valer-se-ia da sua função pública para obter para outrem vantagem indevida, qual seja o relaxamento da prisão. Embora estes crimes não tenham efetivamente se consumado, a disposição de agente político de primeira grandeza de patrociná-los é incontestemente indecorosa.
A atuação em rede, para frustrar a persecução penal, afigura-se típica também no que diz respeito à formação de organização criminosa, na medida em que se trata da conjugação de quatro agentes para a obtenção de vantagens processuais e financeiras, através da sistemática prática de ilícitos penais, numa rede de corrupção associada a um dos maiores escândalos que assombram o país. A conduta em tela amolda-se com perfeição à dicção do art. 1º, § 1º, da Lei de Organizações Criminosas [5] (Lei nº 12.850, de 2013). O propósito desses atores indiscutivelmente tinha por fito a aniquilação do escorreito provimento jurisdicional dos crimes de lesa-pátria ocorridos no âmbito da chamada Operação Lava Jato. É a estrita dicção do §2º, do art. 2º [6] do Diploma retro, que tipifica o embarcamento da atividade persecutória jurisdicional do Estado.
Face o quadro exposto, torna-se cristalino o abuso de prerrogativas por parte do REPRESENTADO, na medida em que se valeu do seu cargo público, sua envergadura institucional e sua influência e trânsito sobre as estruturas de Estado para favorecer-se, obstar a sua própria responsabilização criminal e a de terceiros. A torpeza da conduta salta aos olhos e merece condenação mesmo diante do mais frouxo parâmetro de probidade que se tenha em conta.
Diz a Carta Magna, a respeito da cassação de parlamentares federais, in verbis:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
[…]
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
[…]
§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
A negociata conduzida com o aval financeiro do banqueiro André Esteves também se demonstra inequivocamente como percepção de vantagens ilícitas em favor de terceiros, conforme a disposição do Art. 55, §1º, in fine, da Carta Magna.
Verifica-se no caso em tela cristalina ofensa à vedação disposta no art. 5º, III, do Código de Ética e Decoro Parlamentar [7], na medida em que o Representado cometeu diversos ilícitos criminais, de alto calibre gravoso, com a torpeza própria de um gangster, como bem assinalaram os ministros do STF, por ocasião do proferimento da ordem da sua prisão.
A gravação realizada espontaneamente pela parte com quem o representado conduzira suas negociatas repulsivas, o Sr. Bernardo Cerveró, demonstra em seu transcurso uma inacreditável e contundente realização exaustiva de todo o ementário das violações ao Decoro parlamentar previstas no art. 5º, de modo que não pairam dúvidas sobre a liquidez probante das ofensas ao decoro que se pode defluir da aludida gravação e, por conseguinte, das penalidades que lhe devem ser contrapostas.
III – DOS PEDIDOS
Face o exposto, requer a este Conselho de Ética e Disciplina:
a) O Recebimento e a instauração de Procedimento Disciplinar no âmbito deste Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, com a finalidade de apurar a violação disciplinar deflagrada por parte do REPRESENTADO, com vistas à cassação do seu mandato, nos termos do art. 7, “d”, do Código de Ética e Decoro Parlamentar (Resolução nº 20, de 1993);
b) Que proceda a notificação do REPRESENTADO em seu gabinete no Anexo I – 25º Andar do Senado Federal, ou se necessário for através de Edital, para apresentar defesa escrita e provas no prazo regimentalmente estabelecido, nos termos do art. 15, II, bem como se fazer assistir de advogado, caso deseje, nos termos do art. 16, ambos do Código de Ética e Decoro Parlamentar (Resolução nº 20, de 1993);
c) Na hipótese de não apresentação de defesa escrita e provas diretamente por parte do REPRESENTADO, que se proceda à nomeação de defensor dativo que lhe oportunize o contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 15, III, do do Código de Ética e Decoro Parlamentar (Resolução nº 20, de 1993) ;
d) Com fundamento nos artigos 15, IV e 19 da Resolução 20, de 1993, requer que cópia do Relatório da denominada ‘Operação Lava Jato’ da Polícia Federal e demais documentos integrantes do mencionado Relatório, relativamente ao Representado, façam parte integrante das razões de pedir e fundamentos da presente Representação;
e) A juntada de documentos que instruem a presente inicial, nos termos do art. 283, do Código de Processo Civil;
g) Propugna-se pela produção de provas por todos os meios permitidos em lei;
Em anexo seguem os seguintes documentos:
Anexo I – Certidão de identificação dos Partidos Políticos subscritores;
Anexo II – Degravação da Conversa que ensejou a prisão pré-cautelar;
Anexo III – Íntegra do pedido de prisão do REPRESENTADO formulado pela Procuradoria-Geral da República; e
Anexo IV – Íntegra da decisão do Supremo Tribunal Federal autorizativa da prisão do REPRESENTADO.
Brasília, 30 de novembro de 2015.
Termos em que,
Pede o deferimento.
GABRIELA BARBOSA BATISTA
Presidenta Nacional da Rede Sutentabilidade
ROBERTO JOÃO PEREIRA FREIRE
Presidente Nacional do PPS
[1] MARTINES, Rafael Henrique Gonçalves. Decoro Parlamentar: Apontamentos do conceito, questão temporal e abrangência do decoro parlamentar, que se caracteriza pela desarmonia entre as normas morais e a conduta do parlamentar.. 2008. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6662/Decoro-Parlamentar>. Acesso em: 01 dez. 2015.
[2] Corrupção passiva
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)
§ 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
[3]Favorecimento Pessoal
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.127, de 1995)
Art. 348 – Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:
Pena – detenção, de um a seis meses, e multa.
[4] Tráfico de Influência (Redação dada pela Lei nº 9.127, de 1995)
Art. 332 – Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função: (Redação dada pela Lei nº 9.127, de 1995)
[5] Organização Criminosa
Art. 1º ………………………………………………………………………………………..
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
[6] Obstrução da Justiça
Art. 2º ……………………………………………………………..
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
[7] Art. 5º Consideram-se incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar;
I – o abuso das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1°);
II – a percepção de vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55, § 1º), tais como doações, benefícios ou cortesias de empresas, grupos econômicos ou autoridades públicas, ressalvados brindes sem valor econômico;
III – a prática de irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes.”
Colaborou Luma Poletti.