Edson Sardinha
Um dos principais defensores do nome do ex-governador fluminense Anthony Garotinho para a disputa presidencial, o deputado Moreira Franco (PMDB-RJ) declara guerra aos peemedebistas que tentam obstruir o lançamento de uma candidatura própria do partido ao Palácio do Planalto. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Moreira acusa dois caciques peemedebistas – os senadores Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP) – de fisiologismo. Ou seja, ambos seriam movidos por um especial "apetite" pela "ocupação dos cargos públicos".
O deputado ameaça levar à Comissão de Ética do partido aqueles que tentarem impedir as prévias, marcadas para o próximo domingo. Procurados pela reportagem, Renan, atual presidente do Senado, e o ex-presidente Sarney preferiram não se manifestar sobre o assunto.
Para Moreira, a disputa interna não se dá entre Garotinho e o governador licenciado do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto. “O conflito que existe é entre os que querem a candidatura própria e criar condições para o PMDB ter um projeto nacional e os que querem servir aos governos. Não importa aí se é o governo Fernando Henrique ou Lula”, diz. “Eles (Renan e Sarney) usam a governabilidade como roupa para alimentar seus apetites fisiológicos”, completa. “Nós queremos o presidente da República.”
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As declarações de Moreira, ex-governador do Rio e ex-presidente do diretório estadual do PMDB, dão uma idéia de como será a reunião da Executiva do partido, prevista para hoje, quando a ala governista vai tentar adiar o processo interno de escolha. Para isso, os governistas precisam conseguir o apoio de nove dos 16 votantes. Coisa que, segundo Moreira, está fora de cogitação. “Acho que nem vai ter reunião. As prévias estão mantidas para domingo. Não temos estratégias, eles é que têm de ter assinaturas suficientes para isso”, garante.
O deputado admite, porém, que o partido pode desistir da candidatura própria mesmo que as prévias apontem Garotinho ou Rigotto como candidato, caso a verticalização seja mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A manutenção da regra que obriga os partidos a repetir nos estados as alianças feitas para a eleição presidencial, dificultando assim as composições partidárias no plano regional, é o principal argumento dos governistas para o adiamento da escolha interna.
“Se o STF entender que a verticalização deve ser mantida, cria-se um fato novo e o partido se sentará para reavaliar a situação. Nem Rigotto nem Garotinho são aventureiros, que desejam levar, a ferro e fogo, o partido para uma aventura. Mesmo se quiserem, o partido não vai”, diz.
Mas não é só para os colegas de partido que Moreira Franco dispara suas críticas. Ao comparar o PT e o PSDB, afirma que o país vive um “falso dilema”: “Não existe conflito entre o PT e o PSDB. Eles praticam a mesma coisa. O PT no governo é o PSDB. Lula só fez um governo pior que Fernando Henrique porque ele é pior que Fernando Henrique.”
Também condena o comportamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por "se transformar em poder legislativo", e defende a aprovação do seu projeto que estabelece limites para gastos em campanhas eleitorais.
Congresso em Foco – A sete meses das eleições, o presidente Lula ainda desponta como favorito, apesar de todas as denúncias contra o seu governo. Enquanto isso, PMDB e PSDB vivem clima de disputa interna. Isso não revela falta de opções para o eleitor?
Moreira Franco – Isso revela a profundidade da instabilidade política, que gera a instabilidade partidária e eleitoral. A Câmara, particularmente, vive um momento de profunda dificuldade. Não podemos nos esquecer de que o líder do governo Lula, dois ex-presidentes da Câmara, os presidentes do PSDB, do PL, do PTB e do PP, juntamente com os líderes dos principais partidos, foram envolvidos em denúncias de corrupção. O ex-ministro-chefe da Casa Civil teve o mandato cassado. Isso tudo gerou uma desagregação enorme e, em conseqüência, essa perplexidade. Como conseqüência dessa instabilidade, só temos uma coisa certa no processo sucessório: a candidatura à reeleição do presidente Lula.
O PMDB se aproxima das eleições mais uma vez dividido, com a possibilidade de adiamento das prévias. Esse processo não deixa o partido numa situação insustentável?
A divisão que o PMDB sempre teve decorre da própria natureza do partido. O PMDB foi constituído como um movimento. Não é um partido de lideranças carismáticas, que impõem suas vontades ou que tenha dono. Somos um partido que pratica a atividade política, a negociação, o entendimento. Quando as coisas se dão dessa maneira, as correntes de opinião são respeitadas. O militante do PMDB, costumo brincar, já entra major, formando dissidência, divergindo, contestando. Isso gera uma condição excepcional que o permite permanecer como o maior partido do país, mas, em compensação, provoca um clima interno de profunda tensão. Quando se consegue unir o partido, ele mostra uma força monumental. Mas não é fácil.
Quando, na sua avaliação, o partido se uniu pela última vez?
A última vez foi na eleição de Tancredo Neves (1985). O PMDB não conseguiu essa unidade na campanha do Ulysses (1989), na do Quércia (1994), nem na reeleição de Fernando Henrique Cardoso (1998). Na eleição de Lula (2002), vários candidatos a governador do PMDB apoiaram Lula (apesar de o partido ter indicado a então deputada Rita Camata como vice do candidato José Serra). Procuramos agora as prévias para ver se conseguimos unir o partido, mobilizando as bases, para restabelecer o ambiente de debate.
Por que agora a coisa pode ser diferente?
Porque as circunstâncias são muito peculiares. Não existem grandes diferenças entre o PT e o PSDB. Eles praticaram a mesma política econômica, têm os mesmos compromissos com o sistema bancário brasileiro, a mesma determinação de manter taxas de juros exorbitantes. O PMDB tem condições de oferecer alternativa de mudança muito mais necessária e compreensível para a sociedade. O país vive hoje um falso dilema, porque não existe conflito entre o PT e o PSDB. Eles praticam a mesma coisa. Lula só fez um governo pior que Fernando Henrique porque ele é pior que Fernando Henrique.
Nem na ideologia existe diferença entre os dois partidos?
O PT tem uma ideologia diferente do PSDB. Essa diferença é só do ponto de vista ideológico. Do ponto de vista programático, não adianta dizer o contrário. O PT no governo não é o PT da oposição. O PT no governo é o PSDB. Aplicou o mesmo programa.
Em que um governo do PMDB seria diferente?
Nós temos condições de fazer com que a política econômica seja uma ferramenta para alcançar objetivos distintos. Nós não queremos taxas de juro altas. Queremos taxas baixas, porque defendemos o crescimento econômico. Queremos a estabilidade fiscal, mas o superávit primário não pode ser elemento para angariar a confiança do sistema financeiro internacional. A estabilidade deve ser um instrumento para que tenhamos a inflação sob controle e uma economia auto-sustentável.
Além da disputa entre o governador Germano Rigotto e o ex-governador Anthony Garotinho, o PMDB encontra resistência de figuras importantes, como os senadores José Sarney e Renan Calheiros. Por que tantas divergências?
O verdadeiro conflito político que o partido vive não é entre Rigotto e Garotinho. Ambos querem a candidatura própria e entendem que o PMDB tem hoje uma oportunidade excepcional de eleger o presidente da República por causa desse falso dilema entre PT e PSDB. Não há uma divergência de fundo entre os dois. O que existe é entre os que querem a candidatura própria e criar condições para o PMDB ter um projeto nacional e os que querem servir aos governos. Não importa aí se é o governo Fernando Henrique ou Lula. Eles usam a governabilidade como roupa para alimentar seus apetites fisiológicos.
Eles quem?
Renan, Sarney.
Como esse apetite se manifesta?
Todo apetite dessa natureza se manifesta na ocupação dos cargos públicos.
Mas isso é uma característica política deles?
Bom, aí vão dizer que estou fazendo intrigas (risos).
Os governistas conseguiram as assinaturas necessárias para reunir a Executiva do partido nesta quinta-feira. Qual a estratégia para evitar que eles consigam também adiar as prévias?
Acho que nem vai ter reunião. As prévias estão mantidas para domingo. Não temos estratégias, eles é que têm de ter assinaturas suficientes para isso (para adiar as prévias, é necessário o apoio de nove dos 16 membros da Executiva). Isso eles não têm.
Caso insistam no adiamento das prévias, o senhor defende que governistas como Sarney e Renan sejam submetidos à Comissão de Ética do partido?
Se insistirem em querer derrubar a possibilidade da candidatura própria, utilizando-se de meios que não sejam eticamente aceitáveis, cabe sim.
Que meios não seriam aceitáveis?
Usar a máquina do governo federal para isso. Fazer com que o ministro Saraiva Felipe se demita da pasta da Saúde antes do prazo de desincompatibilização simplesmente para vir votar e exercer o seu direito a voto na Executiva e outras práticas que o governo Lula permite e tem dado exemplos reiterados de como utilizar de maneira ilícita o dinheiro e o poder.
Mas eles alegam que o partido deve esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a verticalização para decidir se lança candidato próprio ou não. Esse argumento não é convincente?
Esse argumento não se sustenta, porque não podemos fazer uma projeção da decisão. As prévias já estavam marcadas e vamos realizá-las. Depois, se o STF entender que a verticalização deve ser mantida, cria-se um fato novo e o partido se sentará para reavaliar a situação. Nem Rigotto nem Garotinho são aventureiros, que desejam levar, a ferro e fogo, o partido para uma aventura. Mesmo se quiserem, o partido não vai. Não entrou com Ulysses nem com Quércia.
Mesmo com a manutenção da verticalização, são mínimas as chances de o partido não ter candidato próprio?
São grandes as chances de o partido ter candidato próprio.
O lançamento da candidatura de Geraldo Alckmin pelo PSDB muda alguma coisa no cenário eleitoral?
Não muda nada. Esse processo está todo complicado. Não dá pra dizer o que vai acontecer adiante. Nós ainda não resolvemos nem o problema das prévias. Debaixo dessa ponte, até chegar às convenções, em junho, passarão tsunamis e tornados, será um processo extremamente tormentoso.
O senhor disse que as diferenças entre PSDB e PT se resumem ao plano ideológico. Nesse sentido, de quem o PMDB estaria mais próximo?
Da vitória. Nós queremos o presidente da República. Depois vamos ver quem se afina mais com o nosso programa.
Não é difícil para o PMDB convencer o eleitor a votar no candidato do partido sendo que não existe consenso nem em torno de uma candidatura própria?
É difícil, mas não é impossível.
Como fazer isso?
O partido deve trabalhar firmemente para ter candidato próprio e buscar a unidade partidária primeiro.
Mesmo o ex-governador Orestes Quércia, que defende a candidatura própria, faz ataques pesados ao candidato Garotinho. Não é uma sinalização de que o acordo de um apoiar o outro, após as prévias, ainda é frágil?
Ninguém bateu mais no Quércia do que o Roberto Requião, e eles estiveram juntos durante muito tempo. Até a eleição tudo pode ser contornado.
O candidato Garotinho tem uma rejeição muito grande do eleitorado e da própria oposição ao governo Lula. Não corre risco de ficar preso a um teto?
Não sei, aí é preciso concorrer para ver. A disputa entre Garotinho e Rigotto tem sido extremamente elegante. Mas ele tem que concorrer.
O senhor é autor de um substitutivo na Câmara que impõe limites para os gastos de campanha. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) baixou normas para tratar do assunto há duas semanas. O que vai prevalecer, afinal?
Nós temos que ver como vai ficar essa tendência do TSE em se transformar em poder legislativo. A judicialização do processo eleitoral está se verificando de maneira tão acelerada e intensa que os partidos estão agora permanentemente dependentes de ações decididas na Justiça Eleitoral, o que não é uma coisa positiva.
Mas a Justiça não está agindo exatamente porque a Câmara demorou a tomar a iniciativa?
A Câmara está demorando demais. Não é que ela não queira mudar. Ela não tem energia para mudar. Como pode uma legislatura traumatizada como essa mudar algo? Não podemos nos abstrair do fato de que os líderes, os presidentes dos principais partidos, dois ex-presidentes da Câmara e um ex-líder do governo, todos foram denunciados por corrupção.
É uma legislatura para se esquecer?
Espero que não, que seja uma legislatura para sempre ser lembrada para que não nos esqueçamos de que política se faz com ética, não se faz achando que tudo é possível.
Ainda existe possibilidade de a Câmara concluir a votação do projeto que limita os gastos de campanha?
Espero que sim. Se tivéssemos no Brasil a prática de trabalhar o processo eleitoral com limites de gastos, não precisaríamos proibir tanto quanto se está proibindo. Cada um definiria sua estratégia, escolheria os veículos de propaganda que usaria, e os tribunais teriam muito mais facilidade, porque a disputa teria limite de gastos.
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