Ricardo Ramos
Nos dois anos em que ocupou uma cadeira na Câmara, o deputado Antonio Palocci (PT-SP) esteve longe de defender a política econômica que agora pratica com afinco à frente do Ministério da Fazenda. Entre fevereiro de 1999 e dezembro de 2000, Palocci bateu duro na política de juros do governo Fernando Henrique Cardoso e cobrou um salário mínimo maior. Em relação à Previdência, declarava-se contrário à taxação dos inativos e bradava que o alardeado rombo da seguridade social não passava de um discurso jogado pelos tucanos para a platéia.
Naquele período, o deputado Palocci subiu à tribuna 46 vezes. Na condição de segundo-vice-presidente da Comissão Especial da Reforma Tributária, disparou a maior parte das suas críticas ao sistema de impostos. Por ironia do destino, o ministro Palocci é acusado hoje pelo empresariado industrial de comprometer o crescimento econômico com o aumento da cobrança de impostos.
Em seu discurso de estréia, em fevereiro de 1999, o deputado Palocci atacou a política de juros seguida pelo país, no momento em que o Brasil passava por uma grave crise econômica:
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“Diz-se, erroneamente, que o governo federal ainda gasta muito com o setor administrativo e com investimentos. Falso. (…) Na verdade, quem perde recursos no Brasil é exatamente o setor social. Nós desviamos progressivamente recursos da renda mínima, da educação, da saúde, no incentivo à produção e à agricultura para pagar juros da dívida, por uma política irresponsável de majoração de juros determinada pelo Fundo Monetário Internacional”.
Contudo, logo no início do governo Lula, em 27 de janeiro de 2003, o já ministro Palocci nem pensava em romper o acordo entre o governo e o FMI. “O que está feito está feito”, disse na época. E até mordeu mais forte do que o Fundo pretendia. Em outubro de 2003, conduziu o governo Lula a fechar com o FMI metas de superávit fiscal que nem a equipe econômica anterior foi capaz de aceitar. Depois, produziu superávits bem acima do estipulado, sempre com o compromisso de pagar os juros da dívida. Sob a batuta de Palocci, o governo atual também tem batido sucessivos recordes no montante pago em juros.
Há uma semana, o atual ministro da Fazenda – alvo de críticas dentro do governo – expressou a sua mais célebre fala sobre a condução da economia que tem feito nos últimos quase três anos. “Estou aqui para fazer esta (política econômica), e não outra”, afirmou.
Uso da CPMF
No dia 26 de março de 1999, o então deputado condenou a falta de “publicidade” na arrecadação e destinação de impostos, especialmente a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Naquele dia, o deputado informou à Câmara que enviara um ofício para o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, cobrando explicações sobre o uso de R$ 170 milhões arrecadados em 1997 e 1998 com a CPMF. Os recursos, segundo Palocci, jamais foram repassados para a área de saúde.
“Portanto, essa diferença de mais de R$ 170 milhões, da CPMF, é um recurso que desaparece das contas públicas. Esse tipo de situação precisa ser resolvido com a reforma fiscal e tributária”, afirma.
Quinze dias antes, em 11 de março, o deputado Palocci havia encaminhado a votação do PT sobre a redução da alíquota da CPMF. Aproveitou a exposição para criticar o rombo da Previdência. “(O PT) encaminha favoravelmente (…) pelo fato de que mais uma vez a maioria dos que apóiam o governo não nos poupa de argumentos oblíquos, insistindo que precisamos mais e mais de impostos para cobrir o famoso déficit da Previdência”. Palocci e o PT foram votos vencidos, na época.
O tempo e o novo cargo fizeram o ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP) mudar de opinião. No dia 12 de agosto de 2003, o atual ministro da Fazenda descartou qualquer possibilidade de o governo federal abrir mão de parte da arrecadação da CPMF em favor de estados e municípios. “Essa concessão não está em discussão agora, nem depois”, frisou.
O deputado Palocci também criticou a contribuição dos aposentados para a previdência. “Na verdade o que está em questão, mais uma vez, é a insistência (do governo) em jogar nas costas dos inativos o peso da crise, das dificuldades, da incúria e da má gestão que durante tantos anos a Previdência tem amargado no Brasil, particularmente no setor público, no caso da União e de muitos estados”, discursou o petista, em novembro de 1999.
A taxação dos inativos foi aprovada pelo Congresso no início daquele ano e derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) posteriormente. Palocci ressaltou, em seu discurso, que a bancada do PT havia se posicionado contra a reforma, “recusada quatro vezes por esta Câmara”.
Contudo, com o apoio da bancada petista e dos demais aliados, no final de 2003, o governo Lula acabou aprovando a taxação dos servidores públicos inativos. Em 26 de abril de 2004, quando o então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, deu parecer pela inconstitucionalidade dessa proposta, o ministro Palocci afirmou que a contribuição dos aposentados e pensionistas era uma medida de “maior equidade social”. “Todos os níveis de governo se pronunciaram, participaram ativamente do debate da reforma da Previdência, no sentido de ajustar a Previdência às necessidades do país”, disse, na época.
O ministro Palocci disse ainda que esperava do STF uma avaliação do ponto de vista do interesso do “Brasil como um todo, do interesse, do interesse da estabilidade da Previdência”. O novo discurso do ex-deputado saiu vencedor, pois, desta vez, a taxação dos inativos não foi derrubada pelo Supremo – embora seu rigor tenha sido amenizado com a chamada PEC Paralela.
Falta de sensibilidade
No dia 8 de junho de 2000, Palocci, em discurso da tribuna da Câmara, criticava a demora para que o Congresso votasse uma reforma tributária. Segundo o deputado, desde 1999, o então presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), se empenhava para aprová-la, mas ela emperrava por não ser de interesse do governo Fernando Henrique Cardoso. “Isso ocorre (…) pelo fato de que mais uma vez está demonstrado que o governo da União (sic), em particular o setor econômico, não tem a devida sensibilidade para o quanto nossa política atual prejudica o país em vários aspectos”, afirmou.
Entre as críticas de Palocci, estava a concentração da arrecadação tributária nas mãos da União. “Em vez de instituir impostos em nível federal para partilhá-los com estados e municípios, nos últimos cinco anos, o governo sequer mexeu nos impostos”, aponta. Embora se dizendo contrário ao fatiamento da reforma tributária, o governo Lula preferiu aprová-la por partes e deixar a unificação das alíquotas do ICMS para depois.
Mínimo: derrota antes, vitória hoje
Em maio de 2000, o então deputado Palocci criticava o governo FHC por ter aumentado o mínimo para R$ 151 – na época, o equivalente a US$ 83. Queria reajustá-lo para R$ 177 – cerca de US$ 100. “Nós teremos o desenvolvimento econômico que almejamos e o país justo que queremos com o nível vergonhoso e vexatório de distribuição de renda que os próprios dados do governo demonstram”, discursou o deputado, no dia 11 de maio.
“É por isso o nosso voto, que confirmaremos neste dia, por um salário mínimo de R$ 177, que é pouco, mas é o início da reversão desse quadro absolutamente inconcebível de má distribuição de renda neste país”, completou. O então vice-líder petista perdeu na batalha com a base de Fernando Henrique. No governo, contudo, ele conseguiu realizar o sonho do mínimo acima de US$ 100. Atualmente está em R$ 300 (cerca de US$ 133).
Os quase três anos à frente da economia brasileira deixaram mais marcas do que os dois anos de mandato parlamentar. Nem um sequer dos 12 projetos de lei (PL) e da única proposta de emenda à Constituição apresentados pelo deputado virou lei. Dos projetos, quatro ainda estão em tramitação. Eleito para a Câmara em 1998, com 125.462 votos, Palocci venceu a disputa para novamente ser prefeito de Ribeirão Preto (SP), em outubro de 1999, quando recebeu 146 mil votos. Mesmo a 706 quilômetros de Brasília, a cidade do ex-prefeito tem tirado o sono do ministro da Fazenda.
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