Cândido Peçanha — personagem principal do livro O nobre deputado (Leya) — é um deputado de terceiro mandato que conhece bem as regras do jogo. Tem uma base que inclui o apoio de 14 prefeitos, com quem mantém uma relação de negócios alimentada pelo fluxo de dinheiro público e privado. Quando se reporta aos municípios com os quais mantém negócios utiliza a expressão “prefeituras amigas”. Eles também tem sob seu domínio quatro entidades sem fins lucrativos, por meio dos quais canaliza verbas oriundas de emendas e convênios.
O deputado Peçanha é generoso na distribuição de emendas parlamentares, mas tem por praxe a cobrança de uma “taxa de retorno” de no mínimo 20%. Mas essa comissão pode aumentar, conforme a facilidade ou as necessidades circunstanciais. Não importa o tipo de obra ou serviço que deve ser custeado com aquela verba; sua parte fica reservada para ajudar a cobrir as despesas da próxima campanha.
Mas esse dinheiro não é suficiente, afinal concorrentes cada vez mais endinheirados estão “inflacionando” as eleições. Eles tentam invadir os redutos eleitorais de Cândido Peçanha com ofertas que atingem cifras capazes de impressionar até os mais experientes. Sim, todos os apoios obtidos pelo nosso parlamentar foram comprados. Às vezes ele perde uma base eleitoral para oponentes com campanhas mais ricas, mas acaba dando um jeito de compensar. Não falta prefeito ou presidente de associação disposto a vender sua base eleitoral.
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Para robustecer suas finanças de campanha, Peçanha recorre aos amigos empreiteiros. É um “bate-pronto”. O financiamento de campanha é apenas um empréstimo de curto prazo e altíssima rentabilidade. Funciona assim: o deputado influencia a definição do orçamento para beneficiar prefeituras e instituições parceiras. Depois disso, licitações dirigidas cuidam de fazer chegar esse dinheiro aos cofres das empresas certas. Grande parte desse montante volta para o deputado benfeitor e tudo sempre termina bem.
O que você acaba de ler é o perfil de um personagem por meio do qual busco escancarar o universo que embala grande parte das campanhas dos deputados eleitos no Brasil. Escrevi O nobre deputado para expor uma realidade chocante, mas que está longe de ser surpreendente. Sabemos todos que nossas eleições são gravemente influenciadas pela compra do apoio político. Vence quem tem mais dinheiro. Essa é a regra demonstrada exaustivamente por pesquisas realizadas no Brasil por instituições acadêmicas daqui e do exterior.
Para escrever o livro, recorri ao uso de estratégias de pesquisa desenvolvidas para a elaboração da minha tese de doutorado. Fiz uso de entrevistas baseadas em questionários semi-estruturados para ouvir uma dezena de participantes diretos do cenário investigado, todos eles membros de cúpulas partidárias locais ou agentes de negociações ilícitas envolvendo a conquista de mandatos. Não são pessoas derrotadas. São pessoas vitoriosas que aprenderam a jogar segundo as regras em vigor. Aprenderam com o sistema e se tornaram especialistas em vencer. E estão agindo agora mesmo enquanto transcorre mais um processo eleitoral.
Os relatos foram confrontados com muitas outras fontes de pesquisa até que eu pudesse construir o perfil de Cândido Peçanha. O nobre deputado foi, a partir daí, escrito em primeira pessoa a fim de que o leitor pudesse se aproximar da mente de alguém que faz do desvio a regra e que considera natural tudo o que se vê levado a fazer para não ser “cuspido” por esse universo singular. Peçanha não confia nas instituições. Segundo sua ótica, tudo se baseia numa disputa pelo poder. Tudo faz parte de um grande jogo de interesses em que o nosso protagonista não é um caso isolado, mas um player devidamente preparado para prevalecer num universo em que a liderança política foi aos poucos sendo substituída pela força nada glamourosa do dinheiro.
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