André Lima*
Marcela Moraes **
Se o País, para além do discurso, pretende investir, sobretudo com incentivos e investimentos públicos, na economia “verde”, ou seja, aquela que gera, além de empregos, renda e prosperidade econômica, impactos positivos no meio ambiente e no clima temos que discutir e implementar uma taxonomia verde oficial, tal qual vem fazendo Europa, EUA, China e outros.
O Relatório do IPCC publicado essa semana deixou claro que não há mais espaço para negacionismo climático e para adiamentos de decisão rumo a uma economia de baixas emissões de CO2. A tão propagada meta ou teto global de emissões (Acordo de Paris) de manter o aquecimento do planeta até o final deste século abaixo de 1,5º C em relação à média do século passado já se tornou praticamente impossível. O planeta já aqueceu 1,2º C e a curva é ascendente. Mas ainda é possível, com muito esforço, e urgente, evitar que ultrapassemos os 2º C. Todavia isso implica numa reversão radical dos investimentos rumo a um modelo de desenvolvimento econômico carbono neutro no mais curto espaço de tempo possível. E o que estamos fazendo efetivamente para isso?
O Pacto Ecológico (ou Green Deal) Europeu está avançando a todo vapor. Com o ambicioso plano para enfrentar desafios ambientais e climáticos, a União Europeia assumiu o compromisso de zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050. O orçamento previsto para o Pacto equivale a mais de 4 trilhões de reais – um terço dos 2 trilhões de euros de investimentos do Plano de Recuperação do NextGenerationEU e pelo orçamento da UE para sete anos.
Dentro do processo de guinada econômica europeia, a adoção de uma “taxonomia verde” tornou-se referência para o mundo, com a definição do que são (e o que não são) consideradas atividades econômicas sustentáveis. O principal papel da classificação é promover o investimento sustentável.
De acordo com relatório do WRI – Brasil lançado em agosto de 2020, intitulado “Uma Nova Economia para uma Nova Era: Elementos para a construção de uma economia mais eficiente e resiliente para o Brasil” a retomada verde tem o potencial de gerar um aumento acumulado adicional do Produto Interno Bruno (PIB) brasileiro de R$ 2,8 trilhões até 2030 e 2 milhões de empregos a mais do que o business as usual em 2030, comparável a quatro vezes mais empregos do que os existentes no setor de petróleo e gás atualmente no país.
No Brasil, o tema da taxonomia verde vem sendo discutido principalmente por atores ligados ao setor financeiro, destacando-se a iniciativa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que formulou uma classificação para analisar investimentos de fundos nacionais, e os esforços do Laboratório de Inovação Financeira, fórum intersetorial de finanças verdes, que tem pautado o debate publicamente, embora ainda num círculo muito técnico e restrito.
A agenda precisa ser abraçada como prioridade pública e contar com o apoio de todos os setores da sociedade que trabalham para que o Brasil prospere no rumo de um desenvolvimento inclusivo, sustentável e de baixas emissões de carbono. Além de nortear os investimentos do setor financeiro, a taxonomia deve se tornar referência para a definição de políticas públicas fiscais, tributárias e econômicas que tenham impactos ambientais.
Uma taxonomia verde é fundamental para a aplicação do art. 170, VI, da Constituição Federal, que determina que a ordem econômica deve dar “tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”. Neste sentido, uma reforma tributária, por exemplo, deve se pautar por uma classificação clara, desestimulando atividades que representem riscos climáticos ao meio ambiente e incentivando atividades com impacto positivo. As propostas da sociedade civil para inserção da variável climática e ambiental na reforma tributária ainda não ganharam o espaço de destaque que merecem.
Para evitar o agravamento da crise climática, mas também por pressão econômica internacional não poderemos fugir desse debate. Fato é que os investimentos financeiros passam a ter a sustentabilidade como critério e o não cumprimento de condições ambientais também será taxado no comércio exterior. Além da União Europeia, diversos países já criaram suas taxonomias, a exemplo da China e da Índia, e outros, como os Estados Unidos, estão em processo de discussão.
Contudo o Brasil deve olhar esse desafio pela chave da oportunidade. Temos a maior biodiversidade do mundo, condições mais do que propícias para a ampliação de fontes limpas renováveis, como solar e eólica, e uma riqueza natural e cultural de grande atratividade para o turismo. Áreas agricultáveis disponíveis (já abertas) em dimensão incomparável com praticamente todos os continentes e países. Tecnologias para uma agricultura resiliente e regenerativa em franco desenvolvimento. Precisamos de um projeto para a inovação industrial, que adote tecnologias verdes como oportunidade de crescimento. Estes são apenas alguns exemplos de setores que vão impulsionar o país como uma grande potência da economia verde global, se fizermos a lição de casa.
A Comissão de Meio Ambiente do Senado criou, por proposta do seu presidente Senador Jaques Wagner, o Fórum da Geração Ecológica, grupo de trabalho composto por lideranças de destaque nacional focadas na agenda de clima e meio ambiente para aprofundar a discussão e formular propostas que direcionem a economia brasileira no rumo da sustentabilidade climática. A regulação de uma taxonomia verde brasileira não pode ficar de fora deste debate no Congresso Nacional e estamos propondo que seja discutida pelas Comissões de Meio Ambiente e de Assuntos Econômicos.
Enquanto isso, há perguntas relevantes ainda não respondidas.
Qual órgão público (ou instância) no Brasil terá legitimidade (política, técnica e jurídica) para liderar o processo de definição de quais atividades econômicas podem ou devem ser consideradas “verdes” para fins de receber estímulos financeiros e regulatórios? Que critérios e condições técnicas são requisitos para definir essa “taxonomia”? Nós, do Instituto Democracia e Sustentabilidade, estamos empenhados em contribuir com a construção destas respostas. Os critérios para a classificação de atividades econômicas sustentáveis devem ser transparentes, e não podem ser adotados com base em parâmetros políticos ou econômicos desprovidos de fundamentação técnica e desatrelados de indicadores climáticos e ambientais objetivos, alcançáveis, mensuráveis e reportáveis.
Apesar do atual governo federal brasileiro andar na absoluta contramão do mundo no que tange à necessidade de agir no enfrentamento urgente e efetivo das mudanças climáticas, essa discussão não pode mais esperar por um novo governo.
Qualquer proposta séria e responsável de programa de governo para 2022 e de desenvolvimento econômico para a próxima década que pretenda reinserir o Brasil no seu devido e merecido lugar no plano civilizatório global, em face da sua condição agroambiental, climática, hídrica e de sociobiodiversidade deverá enfrentar esses desafios acima descritos com coragem e determinação. Um novo acordo verde para o desenvolvimento nacional será tanto mais robusto e efetivo, quanto forem os critérios, a transparência e a governança para a definição da taxonomia verde que vai lastreá-lo.
*André Lima é colunista do Congresso em Foco, advogado e Consultor Sênior em Política e Direito Socioambiental do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
** Marcela Moraes é advogada e Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela USP e consultora do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
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