A carta de demissão do agora ex-presidente da Petrobras Pedro Parente, divulgada nesta sexta-feira (1º/jun) após reunião com o presidente Michel Temer (MDB), foi o ápice da maior greve dos caminhoneiros da história do país – a análise é da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), considerando-se a abertura do setor (1997). Mas o caráter exclusivo da queda de Parente, resultado de pressão crescente contra o gestor nos últimos dias, destoa do universo de números e enormidade registrados em 11 dias, desde o início da mobilização (21 de maio; veja detalhes abaixo).
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Foram diversos as reuniões, encontros e desencontros na Casa Civil, que funcionou como uma espécie de comitê gestor da crise dos combustíveis. Um dos encontros consumiu mais de sete horas de debate, o que já demonstrava a dificuldade do governo. A cada acordo costurado, caminhoneiros revoltados contra a alta do diesel recusavam interromper a greve e deixar as estradas rumo ao seu destino, alegando que não estavam devidamente representados nas negociações. De fato, o primeiro “acordo” anunciado pelo governo foi assinado por oito entidades, sete das quais patronais.
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Foram mais de dois mil de pontos de obstrução, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Cálculos sobre as perdas do setor produtivo ainda estão em curso, mas certamente na casa das dezenas de bilhões. No ápice do desabastecimento, postos chegaram a cobrar quase R$ 10 pelo litro da gasolina, como este site mostrou em 24 de maio, quarto dia da greve.
Corte de R$ 1,2 bilhão em saúde, educação, saneamento e habitação popular para bancar o acordo que levou à redução de R$ 0,46% no litro do diesel. Milhares de litros de leite desperdiçados, toneladas de produtos perecíveis inutilizados, grandes quantidades de aves e suínos mortos – em algumas situações, devido ao desabastecimento de ração específica, verificou-se processo de canibalização. Filas em postos de combustível quilométricas Brasil afora, situação que ainda não foi revertida.
Resumo da ópera: como disse ao Congresso em Foco um dos líderes dos caminhoneiros, o governo não tinha “para onde correr”.
“Está difícil para o governo. Lá [na Casa Civil] ficaram mais ou menos uns 30 deputados para ver o que eles vão fazer no Congresso para ajudar a encontrar uma saída, fazer uma lei. Nós queremos um plano de governo para o setor de transporte rodoviário de cargas, e disso não vamos abrir mão de forma alguma. Isso já está bem claro para eles. Isso [votação projetos] não adianta. O que nós queremos é que, a cada seis meses, não aumente o óleo diesel”, disse o presidente da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), José Araújo Silva, um dos que se recusaram a assinar a primeira leva de propostas do governo.
Na mais recente atualização de informações, a PRF garantiu não mais haver registro de “pontos de aglomeração de pessoas e veículos em áreas próximas às rodovias federais ou qualquer outra anormalidade no fluxo normal de veículos”. “A PRF continua a agir para manter o fluxo normal de veículos e cargas pelas rodovias do país com ações de apoio aos usuários, policiamento ostensivo e fiscalização de trânsito”, informou a corporação.
Confira o balanço da greve dos caminhoneiros:
– escolta de quase 2.300 autocargas, entre caminhões e carretas, para diversos locais do país;
– mais de 1,3 mil pontos de bloqueio rodoviários mapeados pela Polícia Rodoviária Federal;
– mais de 36 milhões de litros de combustível liberados dos chamados “pontos de aglomeração” desde o início da greve;
– 15 pessoas presas em decorrência de crimes cometidos nos cenários das manifestações;
– 54 inquéritos abertos pela Polícia Federal para apurar a ocorrência de locaute (paralisação estimulada ou apoiada por empresários), com uma prisão já efetuada em razão deste tipo de crime;
– uma linha férrea (Bauru-SP) e duas torres de transmissão sabotadas;
– quase 729 voos foram cancelados e nove aeroportos sem combustível em razão da greve (situação já normalizada na maioria);
– projeção de 13 setores da economia estimam perdas de mais de 50 bilhões de reais;
– segundo o Instituto Datafolha, 87% dos brasileiros apoiaram a greve; 59% disseram acreditar que o pacote de medidas anunciado pelo governo tem mais prejuízos do que benefícios à população.
Abaixo, o impacto do remanejamento orçamentários para repor perdas à Petrobras:
– R$ 160 milhões a menos na área da saúde. Serão afetados hospitais universitários, atendimento a populações indígenas e à Rede Cegonha, que acompanha gestantes;
– corte de R$ 45 milhões no Farmácia Popular e no Mais Médicos;
– redução de R$ 8 milhões em investimentos no transporte ferroviário e aquaviário (o que aumenta, em tese, a dependência dos transporte rodoviário);
– R$ 55,1 milhões a menos na educação, incluindo corte de bolsas para estudantes pobres (bolsas de ensino superior como Fies, projetos científicos etc);
– menos R$ 30,7 milhões no orçamento da reforma agrária (o que agrada à bancada ruralista no Congresso);
– corte nas ações de proteção e demarcação de terras indígenas (R$ 625 mil a menos);
– redução nos programas de segurança alimentar, de obras contra as secas e de saneamento básico em comunidades ribeirinhas;
– menos R$ 3,9 milhões no programa Criança Feliz, um dos poucos programas sociais lançado pelo próprio governo Temer);
– alta da gasolina, com média em torno de R$ 5;
TOTAL: cerca de R$ 1,2 bilhão a menos em saúde, educação, saneamento e habitação popular.
Fonte: Diário Oficial da União
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