O vereador tucano Paulo Telhada, de São Paulo, propôs a concessão da Salva de Prata, uma das comendas mais importantes da capital paulista, ao batalhão Tobias de Aguiar, que existe há mais de um século e, a partir dos anos de chumbo, passou a ser mais conhecido como Rota, pois suas rondas ostensivas acabaram definindo-lhe a identidade e a imagem: trata-se da unidade mais truculenta da Polícia Militar paulista.
A Rota tem sido, nas últimas décadas, acusada de um sem-número de execuções covardes de marginais já subjugados e que não estavam resistindo à prisão.
Sua chacina mais famosa motivou o jornalista Caco Barcellos a passar um pente-fino em episódios anteriores, daí concluindo que os assassinatos a sangue-frio constituíam norma (jamais uma exceção!), só não atraindo o mesmo interesse porque as vítimas eram coitadezas dos bairros pobres. Merecidamente, Rota 66 – a história da polícia que mata ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro-reportagem de 1993.
E foi sempre a menina dos olhos do ex-governador Paulo Maluf que, nas campanhas eleitorais, prometia “botar a Rota nas ruas” para intimidar os criminosos com a lei do cão – ou seja, igualando-se a eles.
Quanto ao coronel da reserva Paulo Telhada, que comandou a Rota entre 2009 e 2012, é um símbolo dos excessos por ela cometidos, tanto que tinha como bordão “bandido bom é bandido morto”. Sua trajetória na PM, segundo a Carta Capital, foi marcada “pelas mortes que acumulava em ações policiais, por transferências recordes de batalhões e até prisões por descumprimento do regulamento interno”. Em 1992, por exemplo, foi afastado do policiamento da Rota por desentendimentos com superiores da Polícia.
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Num artigo candente, o justamente indignado Carlos Lungarzo põe o dedo na ferida:
“… a Rota é também um símbolo, como o é o Bope no Rio, daquele setor policial que é uma verdadeira máquina de extermínio e que serve às políticas das elites brasileiras de reduzir à sua mínima expressão aqueles setores que, exatamente nos mesmos termos que o fascismo utilizava em 1938, elas acham que não têm direito de existir.
Agora, uma homenagem à sua colaboração com a ditadura e com o extermínio de setores que pretendiam voltar à democracia, é um absurdo! É uma grave provocação!”.
Sustentáculos de uma ditadura bestial
Este é, sem dúvida, o aspecto mais importante a ser considerado: o destaque que Telhada dá, no seu projeto, à participação da Rota “no combate à guerrilha urbana que atormentava o povo paulista”.
Copia na íntegra trechos do tópico A história dos boinas pretas, que o portal do governo paulista mantém no ar 28 anos depois de o Brasil ter saído das trevas, despachando a ditadura militar para o local a que pertence: a lixeira da História, na qual hoje não passa de sórdida lembrança, tanto quanto o nazismo alemão, o fascismo italiano, o franquismo e outras abominações.
Como Telhada andou escrevendo um livro sobre a Rota, é provável que seja ele próprio o autor das pessimamente traçadas linhas que enaltecem o terrorismo de Estado no portal de Geraldo Alckmin. Lutei contra tal ignomínia de 2008 até 2011, até que, sob vara da ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário, o governador ordenou a retirada, pelo menos, do trecho em que a Rota parabenizava a si própria por ter ajudado as Forças Armadas a darem uma quartelada contra o governo legítimo do presidente João Goulart.
A tarefa ficou pela metade e o resultado aí está: novamente teremos de nos empenhar para que o direito de resistência à tirania seja tão respeitado no Brasil quanto o é em todo o mundo civilizado. E para que as loas ao arbítrio ditatorial recebam aqui o mesmo tratamento que recebem, por exemplo, nos países europeus, onde elogiar o Holocausto é crime punível com prisão (na Suécia, aliás, político que faça propaganda do nazismo pode ser alvo imediato de impeachment, como bem lembrou Lungarzo).
Inacreditavelmente, o projeto de Telhada foi aprovado na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal; mas, precisa passar por duas outras comissões antes da votação em plenário.
Ou seja, os vereadores paulistanos ainda têm três chances para evitar um desgaste equivalente ao da Câmara dos Deputados no episódio Marco Feliciano.
E nós podemos esclarecê-los sobre a história recente deste país, a qual, lamentavelmente, parecem ignorar.
Aliás, há um papel a ser cumprido, neste trabalho didático, pela Comissão da Verdade e pelos defensores dos Direitos Humanos em geral. Mãos à obra, pois!
É o mínimo que a cidadania pode fazer pelos resistentes massacrados numa luta tão desigual e travada de forma tão hedionda que só mesmo desinformados ou indignos podem se orgulhar do vergonhoso papel que nela desempenharam, de sustentáculos de uma ditadura bestial.
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