Os indícios reunidos até agora pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF) contra os principais envolvidos no caso Gtech são tão contundentes que nenhum deles poderá ser condenado às penas mínimas previstas para os crimes de corrupção passiva e ativa, além de peculato (desvio de dinheiro público).
É com essa convicção que um dos procuradores do MPF à frente das investigações desde 2004, José Robalinho, descarta qualquer chance de os crimes prescreverem e ninguém ser punido mesmo que a denúncia seja entregue à Justiça somente em 2011.
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O cálculo de Robalinho leva em conta a pena máxima por peculato, 12 anos, e o tempo de oito anos determinado pelo Código Penal para a prescrição desse tipo de crime. A contagem do procurador começa em 8 abril de 2003, data da polêmica renovação do contrato de R$ 650 milhões entre a Caixa Econômica Federal e a então multinacional norte-americana de processamento de loterias.
“Não há risco de prescrição. Ainda precisamos investigar outras frentes usadas pela Gtech para renovar o contrato. É muito provável que a denúncia não saia neste ano”, avalia o procurador. As provas, segundo o procurador, foram recebidas pelos investigadores tanto de fora do país como de fontes do Brasil.
Robalinho atribui a demora para a fundamentação da denúncia a questões técnicas do próprio MPF. Em 2004, ressaltou ele, o órgão não dispunha de pessoal suficientemente qualificado para analisar os pagamentos suspeitos realizados pela Gtech tanto no Brasil como no exterior.
Os procuradores e os policiais federais ainda terão de analisar uma série de sigilos bancários quebrados pela extinta CPI dos Bingos, mas que, por trâmites burocráticos, só chegaram ao MPF em maio deste ano.
Até agora prevalece a suspeita de que os pagamentos de propina para facilitar a renovação do contrato foram executados no exterior e tiveram como um dos principais pivôs o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz. Waldomiro prestou depoimento ontem (19) na 10ª Vara Federal em Brasília a pedido dos procuradores federais. Outros depoimentos estão marcados para esta semana.
Vídeo e e-mail
“Temos provas documentais de que Waldomiro esteve na Caixa nos dias-chave anteriores à renovação do contrato, fato negado pelos diretores da Caixa sob investigação. Sei quem está mentindo, ainda não posso falar quem é, mas a versão da Caixa não bate”, explicou Robalinho. Uma das provas, adiantou, são imagens de Waldomiro captadas pelo serviço de segurança na garagem do prédio central da Caixa.
Entre os investigados também estão o ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso e o atual diretor de loterias, Paulo Campos. Como o Congresso em Foco publicou com exclusividade no dia 1º de dezembro de 2006 (leia mais), Campos também foi um dos alvos da CPI dos Bingos. Motivo: um e-mail enviado em 11 de fevereiro de 2003 por Marcelo Rovai, um dos negociadores da multinacional, para os dirigentes da Gtech Corporation nos Estados Unidos.
Na mensagem, Rovai comemora a confirmação do nome de Paulo Campos para o cargo de superintende nacional de Loterias da Caixa. “No e-mail, ele afirma que a nomeação de Paulo Campos se tratava de indicação da Gtech acatada pelo governo federal”, informa o relatório da CPI.
A CPI concluiu que os contatos da empresa no Brasil para renovar seu contrato ocorreram ainda antes do início do governo Lula. É o que diz trecho do relatório onde são citados outros dois e-mails:
“E-mail emitido em 27 de agosto de 2002 pelo Sr. Marcos Tadeu Andrade para o Sr. Antônio Carlos Lino da Rocha comprova que desde aquela época a Gtech já negociava com Waldomiro Diniz por intermédio de Carlos Augusto Ramos. Outro e-mail, emitido em 09 de dezembro de 2002, por Marcelo Rovai para Ann Snell, ratifica o entendimento firmado no relatório parcial de que a Gtech endureceu as negociações com a equipe anterior da CEF porque sabia que teria melhores condições de negociação no governo atual”.
Waldomiro e Cachoeira
Andrade e Lino da Rocha eram os principais executivos da Gtech no Brasil e os responsáveis diretos pela negociação com a Caixa no Brasil. Waldomiro e Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, são personagens mais conhecidos do público brasileiro. Ambos foram os protagonistas do primeiro grande escândalo do governo
Robalinho confirmou ontem (19) a este site que foi Cachoeira quem apresentou Waldomiro para os diretores da Gtech e informou que não pode falar sobre a origem das informações repassadas pelo governo dos Estados Unidos sobre a Gtech, mas confirma que foi feito um acordo para que os dados sejam mantidos em sigilo. “Mas todo o sigilo acaba no dia que a denúncia for entregue à Justiça, tornando as provas públicas”, disse o procurador.
A assessoria de imprensa da Caixa informou ao Congresso em Foco que não vai se pronunciar sobre as investigações porque a instituição não foi citada oficialmente, mas que a CEF continua à disposição das autoridades para novos esclarecimentos. A reportagem procurou o representante da Gtech no Brasil, o advogado José Meirelles, que atua
“República de Ribeirão”
Entre as frentes de investigações que ainda devem ser apuradas pelo MPF está o envolvimento do advogado Rogério Buratti e suas atividades financeiras no exterior.
As suspeitas contra Buratti também estão no fato de ele ser o titular de uma conta no banco britânico Lloyds Bank PLC, em Miami, nos Estados Unidos. A CPI dos Bingos não teve acesso a essa conta e também não conseguiu mais informações sobre as viagens dele, consideradas suspeitas, a cinco países: Panamá, Cuba, Angola, Portugal e França.
O advogado alegou à comissão que tinha perdido o seu passaporte antigo e entregou um novo sem as datas de suas viagens ao exterior. O documento usado em todas as viagens internacionais do acusado foi emitido pelo governo da Itália, pois Buratti tem dupla cidadania.
A CPI dos Bingos concluiu que existem fortes indícios de que a multinacional norte-americana de processamento de loterias pagou propinas para renovar seu contrato com a Caixa em 2003.
Integrante destacado da chamada “República de Ribeirão Preto”, Buratti foi o primeiro a denunciar o pagamento de propina de R$ 50 mil mensais pela empreiteira Leão Leão para o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (PT-SP), durante sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto.
O advogado acusou Palocci de manter os contratos da empresa no setor de limpeza urbana no município em troca da mesada. Buratti foi secretário municipal do petista e vice-presidente da Leão Leão. Recentemente, o Ministério Público de São Paulo pediu a prisão do ex-ministro, acusando-o de cometer diversos crimes em suas duas gestões na prefeitura do Oeste paulista.
Buratti foi, segundo a CPI dos Bingos, o contraponto ao chamado “grupo do Rio”, do qual Waldomiro Diniz era membro destacado. Os dois grupos teriam disputado a influência nas negociações com a Gtech. Diretores da empresa sempre confirmaram em depoimentos na CPI e na Polícia Federal que foram assediados e se reuniram diversas vezes com Waldomiro Diniz e Buratti.
ONG sob suspeita
O relatório da CPI classifica como “importante achado de investigação” o pagamento de recursos pela Gtech à organização não-governamental Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS). Segundo os dados da comissão, a Gtech efetuou dois pagamentos para o IBDS no dia 10 de fevereiro de 2003, totalizando R$ 386.363,63.
Três dias depois do pagamento, no dia 13 de fevereiro de 2003, ocorreu a primeira reunião entre dirigentes da Gtech com Waldomiro Diniz e Carlos Cachoeira. “Aliás, essa reunião estava prevista para o dia anterior, o que a aproxima ainda mais dos depósitos para a ONG”, diz o texto do relatório da CPI.
O que é mais relevante, segundo os técnicos da CPI, é que o IBDS, criado em 2001 em Brasília, não tinha relação anterior com a Gtech nem aparece na relação de organizações que receberam auxílio financeiro daquela multinacional para execução de programas sociais.
Notas fiscais emitidas pelo IBDS para a Gtech referem-se a pagamento por honorários advocatícios. “Todavia, não consta no objeto da ONG a prestação de serviços advocatícios. Além disso, a ONG não tem empregados, e nenhum de seus dirigentes foi parte em ação da Gtech”, revela o relatório da comissão.
No dia 23 de maio deste ano, o gestor do IBDS, Fábio Rodrigues Rolim, disse ao jornal Correio Braziliense que “responderá oportunamente, quanto tiver mais detalhes sobre o assunto”. Tanto a Caixa como a Gtech negam que a renovação do contrato tenha envolvido pagamento de propina. Essa foi a última vez em que o caso foi tratado pela imprensa nacional. Não se sabe se Rolim e outros suspeitos já foram ouvidos até agora pela PR-DF ou pela Polícia Federal.
Consultoria
O terceiro personagem suspeito de receber dinheiro da Gtech é a MM Consultoria, empresa do advogado mineiro Walter Santos Neto. Santos Neto recebeu da Gtech mais de R$ 5 milhões entre outubro de 2002 e junho de 2003, por prestação de serviços de advocacia.
O valor, segundo Santos Neto, corresponde ao pagamento por uma medida cautelar impetrada por seu escritório para a Gtech no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas o montante foi considerado alto e suspeito pelos parlamentares que integraram a CPI dos Bingos.
Além disso, uma banca de renome em Brasília já estava no caso e a entrada do advogado não se justificaria. Por isso, a CPI levantou a possibilidade de o escritório mineiro ter sido usado como “laranja” para pagamento de propina a membros do governo pela GTech.
Há outros detalhes intrigantes. Poucos dias após o depósito da Gtech, no dia 17 de fevereiro de
Santos Neto também fez saques em dinheiro, com a ajuda de um carro-forte, de pelo menos metade dos R$ 5 milhões depositados pela Gtech. “Outra coincidência entre a MM Consultoria e o IBDS é que, em ambos os casos, o contato com a Gtech era feito por intermédio do Sr. Enrico Gianelli”, diz o relatório da CPI.
Gianelli é um advogado paulista que atuou em parte das ações da Gtech em Brasília e em parceria com importantes advogados da capital federal. “A versão de que Santos Neto gastou os R$ 5 milhões em vinhos e mulheres é fantasiosa e temos que apurar ainda mais essa conexão”, disse a este site o procurador José Robalinho.
Outro indício importante é que, segundo a CPI, da mesma forma que ocorreu em relação a Rogério Buratti, em junho de 2004, quando ele estava sendo procurado pela Polícia Federal para depor sobre o caso Gtech, Gianelli voltou a ligar para Fábio Rodrigues Rolim após vários meses sem nenhum contato telefônico.
Provavelmente, diz o texto do relatório, em ambos os casos, Gianelli buscava combinar uma versão única sobre os fatos que os envolviam. E os investigadores da CPI concluem: “Parece claro que o IBDS, tal qual a MM Consultoria, foi utilizado pela Gtech para pagamento de propina a agentes públicos”.
A análise de sigilo bancário da ONG identifica outros depósitos suspeitos de órgãos públicos e privados. O IBDS movimentou mais de R$ 2 milhões entre 2002 e 2006.
Matéria publicada em 20.06.2007. Última atualização em 23.06.2007
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