O Plenário do Senado aprovou em primeiro turno, nesta terça-feira (29), e com ampla maioria, a proposta de emenda à Constituição (PEC 55/2016) que estabelece o limite de gastos primários da União para os próximos 20 anos. A votação, marcada por grandes embates entre membros da oposição e da base aliada do governo, terminou com placar de 61 votos favoráveis e 14 contrários, sem abstenções. Número confirma a aposta feita por membros da base ontem (segunda, 28), que estimaram que o resultado teria mais de 60 votos pela aprovação do texto.
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Durante a leitura do parecer, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) apresentou voto contrário às emendas apresentadas à proposta. De acordo com ele, ao contrário do que defende a oposição, a saúde, por exemplo, não vai sofrer queda nos investimentos caso a PEC 55 seja promulgada.
“O novo regime fiscal elevará o piso, já em 2017, de 13,7% da receita corrente líquida para 15%. Considerando os valores atuais da ordem de R$ 700 bilhões acumulados em 12 meses. Esse aumento percentual implicará na elevação do piso de gasto com a saúde publica já contemplado no Orçamento para 2017, em torno de R$ 9 a R$ 10 bilhões. Apresentamos aqui e aprovamos a PEC 85 que elevaria em 2019 esse percentual para chegarmos a 15%. Esse percentual está sendo estabelecido no dia 1º de janeiro já agora em 2017”, explicou o líder do PMDB ao plenário.
“Em relação à educação, haverá garantia da manutenção do piso. Para 2017 será aquele previsto no artigo 212 da Constituição Federal. Ou seja, 18% da arrecadação de impostos líquidos”, acrescentou Eunício.
“Esta solução é a mais equilibrada diante do caos que o PT entregou ao nosso país”, disse o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO).
De maneira enfática, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) fez um desafio aos parlamentares da Casa. Ela sugeriu ao presidente que colocasse alguns projetos de lei, já aprovados pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), em votação antes da PEC 55. O primeiro, trata do fim do plano de saúde vitalício aos senadores, enquanto o segundo propõe a redução de 10% dos salários dos parlamentares. Exaltada, Gleisi enfatizou que os senadores “não têm moral” para aprovar reduções de investimentos em educação e saúde.“Estão vendendo para a população algo que não vão entregar. Estamos com uma crise conjuntural. Como também não é verdade que a saúde e a educação não vão ser afetadas. Essa PEC vai afetar, sim, as pessoas mais pobres porque vai fazer economia para pagar juro da dívida”, declarou Gleisi.
“Nós vamos votar essa matéria nesse plenário bonito, tomando nosso café, bebendo nossa água. Vamos votar essa matéria e impor um sacrifício ao povo, mas vamos sair daqui com os nossos salários integrais, nós vamos sair daqui tendo um plano de saúde vitalício. Enquanto isso, nós queremos cortar recursos para a saúde. Com que cara nós vamos encarar a população?”, questionou a petista.
Em seguida, Reguffe (Sem partido-DF) pediu a palavra e ironizou. Ele lembrou que abriu mão de mais de 50% da verba de gabinete e do plano de saúde vitalício ainda no início do seu mandato, gerando uma economia direta aos cofres públicos de mais de R$ 16 bilhões, sem a necessidade de aprovar projetos de lei para que isso fosse realizado.
“É uma vergonha o que acontece nesse Senado hoje. Essa PEC 55 é a continuidade do golpe. O golpe a gente sabia, não era só afastar a presidente Dilma. Era retirar direitos sociais, retirar direitos dos trabalhadores, era atentar contra a democracia”, destacou Lindbergh Farias (PT-RJ). “Isso aqui é inconstitucional. É um ajuste todo feito em cima do povo pobre brasileiro”, acrescentou o senador.
Durante seu discurso, Cristovam Buarque (PPS-DF) chamou a proposta de “PEC do óbvio”, porque “não dá para gastar mais”. O senador afirmou que, com a votação da matéria, o parlamento precisa “passar um recado” para a população que “traga credibilidade”. “Nos acostumamos com um Orçamento mentiroso em que a gente põe dinheiro para tudo e, quando soma, não dá. A gente inventa uma expectativa de receita que se frustra e, aí, o que é que se faz? Contingenciamento, enganando todo mundo”, disse.
“Chegou a hora de ver quem realmente quer a educação. Aqui, se aprovou dinheiro para estádio para Copa e para as Olimpíadas. Está na hora de escolher. Queremos estádios ou queremos escolas? Queremos estradas e portos, ou queremos escolas? E deixar que o setor privado assuma as estradas, os portos, a energia, e nos deixe fazer saneamento, colocar dinheiro em saúde”, defendeu Cristovam.
Constitucionalidade
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), ressaltou que, caso a PEC seja aprovada, vai protocolar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade. De acordo com ele, por impor limites de gastos em áreas essenciais, como saúde, educação e segurança pública, a PEC contraria direitos previstos na Constituição, fato que vai fundamentar a ação.
Humberto Costa avaliou a PEC como uma “tragédia social” que vai trazer prejuízos aos trabalhadores. Ainda de acordo com o líder do PT, a proposta do governo Temer “nada mais é do que a conta do empresariado pelo apoio dado ao impeachment de Dilma Rousseff”.
“E paga por você, cidadã, por você, cidadão, que vai vivenciar um estrangulamento dos serviços públicos e de infraestrutura essenciais pelas próximas décadas”, afirmou.
“É lamentável ouvir aqui as pessoas dizerem que vai crescer o percentual de recursos para saúde ou para educação. O povo não é bobo. Vamos ver o sofrimento em áreas como habitação, assistência social e segurança pública. Mas o que há de mais perverso nessa PEC é que nós sabemos que o Brasil vai ter que ter um crescimento econômico, e esse recurso poderia ser direcionado para ser gasto nas áreas sociais, mantendo e preservando o mesmo teto. Mas ao invés de ir para dentro do orçamento, ela vai continuar sendo colocada para abater o pagamento do juros da dívida”, criticou Humberto Costa.
O senador também lamentou que Temer esteja tentando passar uma sensação de normalidade que não existe. Para ele, o atual contexto de crise política foi evidenciada pela sexta demissão de ministros da sua equipe em seis meses, culminada após denúncia do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero contra o ex-ministro da Secretaria Geral do Governo Geddel Vieira Lima e do próprio presidente da República.
“A história fará o julgamento do voto de cada um de nós no dia de hoje. E se cada um votar da forma que imaginamos, em defesa dessa PEC, a maioria, vamos ser, sim, os coveiros do futuro da sociedade brasileira”, acrescentou o líder do PT.
Manifestações
Enquanto os parlamentares analisavam a matéria, manifestações contrárias à medida apresentada no dia 15 de junho pela equipe econômica de Michel Temer aconteciam em todo o Brasil. Na capital federal, milhares de estudantes e trabalhadores, além de mais de 300 ônibus, se reuniram em frente ao Congresso Nacional para fazer críticas às propostas.Por volta das 16h, o Museu Nacional foi pichado com frases como “Fora Temer!” e “PEC da morte”. Já às 17h30, um carro da TV Record, que passava em frente ao gramado utilizado para mobilização dos manifestantes foi virado (assista ao vídeo). Em seguida, um carro particular preto também foi virado na Espalanada, estacionado em uma rua em frente ao Ministério da Justiça.
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Manifestantes capotam dois carros em frente ao Congresso
Líder do PT, o senador Lindbergh Farias (RJ) pediu ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que liberasse a entrada de visitantes nas galerias da Casa para que pudessem acompanhar as discussões da proposta. Mas, devido ao cenário de caos estabelecido no gramado do Congresso, o pedido foi negado pelo peemedebista. De acordo com Renan, a decisão foi para “garantir a deliberação” da PEC entre os senadores. Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) também solicitou que as galerias fossem abertas.
“A situação aqui fora está descontrolada. A quantidade de bomba de gás lacrimogênio, uma violência enorme. E ao mesmo tempo o símbolo, as galerias vazias aqui. Esse Senado sempre foi a Casa do diálogo. Isso é a cara do golpe. Todo golpe é violento. O diálogo do golpe é esse? Bomba de gás lacrimogênio, cassetetes? Essa Casa é a Casa do povo. Não é dessa forma que se tratam estudantes do Brasil inteiro”, exaltou Lindbergh.
Durante o ato, sete ministérios foram depredados pelos manifestantes e dois carros que estavam estacionados na área central da cidade foram queimados. Não só Temer e a classe política como um todo foi alvo dos protestos, mas também a própria Polícia Militar, convocada para ajudar as força de segurança no cinturão de segurança ao Congresso. Ao chegar correndo à linha de frente dos policiais, enfileirados em frente ao espelho d´água, os populares entoavam palavras de ordem como “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”.Além de estudantes de diversos cantos do país, representados por entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a manifestação contou com militantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e outras entidades sindicais.
Novo regime
A proposta vai além da simples mudança no regime fiscal da União. Também impõe uma das mais importantes alterações no modelo de Estado desenhado pela Constituição de 1988, obrigando modificações em diversos artigos constitucionais e leis ordinárias que regem programas de governo e suas metas. As mudanças nas leis nacionais, estaduais e municipais serão obrigatórias para enquadrar na nova regra os orçamentos de todas as instâncias de poder.
Uma das primeiras modificações terá de ser feita nas leis que regem a política salarial dos servidores públicos. Todas as regras que vierem a prever aumento real, com reposição acima da inflação, não poderão sequer ser negociadas ou prometidas, sob pena de descumprimento do limite de gastos. Também haverá mudança nos critérios para o cadastramento e pagamento do Benefício de Prestação continuada (BPC), com previsão de salário mínimo para quem tem pelo menos 65 anos e nunca contribuiu para a Previdência. O dinheiro sai do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e estará sujeito aos limites da PEC, mesmo que aumente o número de dependentes ou o valor do benefício.
A emenda também implicará mudanças nas regras de reajuste do próprio salário mínimo. Por lei, o piso remuneratório deve ser reajustado pela inflação do ano anterior, acrescido da variação do PIB de dois anos antes. Para não descumprir a regra constitucional do limite de gastos, a lei que reajusta o mínimo terá de ser modificada para evitar que as despesas da União, estados e municípios ultrapassem o limite de gastos impostas pela emenda.
A equipe econômica do governo e a base de sustentação parlamentar de Temer no Congresso – formada por PMDB, DEM, PSDB, PP, PSD e outras bancadas menores – dizem considerar o remédio do limite de gastos “amargo”, mas necessário.
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