Renata Camargo
Pecuarista e advogado, o deputado Moreira Mendes (PPS-RO) é o novo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária – grupo que defende os interesses do setor rural produtivo brasileiro no Congresso. Membro da bancada ruralista, o parlamentar afirma que a prioridade número um de sua gestão será modificar a legislação ambiental, afim de regularizar a situação no campo e resgatar a imagem do produtor rural. Para ele, avanços já foram obtidos com a aprovação, na Comissão Especial, do relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para o novo Código Florestal. Mas Moreira Mendes quer mais. O desafio que ele se impõe é conseguir incluir, na tramitação até o Código chegar ao plenário, outros dispositivos que ficaram fora do relatório de Aldo.
Certamente, o trabalho de Moreira Mendes provocará polêmica. O deputado assume a frente num contexto em que agricultores e pecuaristas têm sido vistos como os grandes “vilões” ambientais no Brasil. O desmatamento é responsável por 75% da emissão de gases poluentes no país. Mas Moreira Mendes afirma que o produtor não deve ser visto sob esse “conceito errado” e, por isso, defende uma mudança profunda no Código Florestal.
Entre outras alterações, ele defende que seja repassada aos estados a prerrogativa de legislar a respeito dos limites da reserva legal e de áreas de preservação permanente (APPs). Isso, na prática, deve permitir que estados e municípios reduzam as áreas obrigatórias de preservação. Hoje, em Rondônia, por exemplo, um produtor rural deve preservar 80% de sua propriedade. Ele propõe ainda que as áreas agrícolas já consolidadas – mesmo as que hoje estejam em situação ilegal, segundo a legislação ambiental – sejam regularizadas.
“Não tem sentido gastar dinheiro e energia para recuperar alguma coisa que já está explorada. O que você vai fazer com a uva produzida no Rio Grande Sul? Com o café em Minas Gerais? Ambos estão em topo de morro. Essas decisões ambientais precisam ser tomadas sempre embasadas em critérios técnico-científicos. Tem que se acabar com esses aloprados que ficam achando isso e aquilo”, considerou.
Nascido em São Paulo, Moreira Mendes foi para Rondônia em fevereiro de 1971 em busca de oportunidades. No estado, na floresta Amazônica, o paulista pôde se dedicar à produção agropecuária e hoje ao turismo no meio rural. Além de deputado federal, Moreira Mendes já foi procurador da Assembleia Legislativa do estado, secretário de estado da Administração do governo rondoniense de 1991 a 1993 e senador por Rondônia de 1999 a 2002, quando assumiu como suplente de José Bianco, que na época foi eleito governador do estado.
O deputado começou a carreira política filiado à extinto Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido criado para dar sustentação ao governo militar a partir durante a ditadura. Passou também pelo PDT e pelo antigo PFL (hoje DEM), antes de se filiar ao PPS. Em relação a temas polêmicos como reforma agrária, Moreira Mendes tem pensamento afinado com os que defendem maior controle sobre os movimentos sociais. Ele se diz a favor da reforma agrária, mas condena a invasão de terras e afirma que os movimentos sociais “querem inviabilizar a propriedade privada”.
“Movimento social nenhum está acima das leis. Não é possível a gente compactuar com a anarquia, com a baderna, com a invasão, com o quebra-quebra, com o dano. Acho legítimo qualquer movimento fazer as suas reivindicações, desde que seja nos limites da lei. Na verdade, o que esses movimentos querem é inviabilizar a propriedade privada, inviabilizar a produção rural”, diz.
Na entrevista concedida ao Congresso em Foco, Moreira Mendes defende ainda que não há diferença entre o pequeno e o grande produtor rural. O novo presidente da Frente Agropecuária critica a existência de dois ministérios para tratar dos interesses do setor agrícola – Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério da Agricultura.
Leia abaixo a entrevista:
Congresso em Foco – Quais serão as prioridades de sua gestão como presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária?
Moreira Mendes – A primeira delas é continuar o trabalho da gestão anterior no sentido de promover a mudança na legislação ambiental, de forma a compatibilizar os interesses da preservação e conservação do meio ambiente com os interesses da produção. Esse é o principal desafio da frente parlamentar. Outro desafio – proposta minha que julgo extremamente importante – é a gente desmistificar um pouco esse conceito errado que se faz do produtor rural. Ele tem sido visto como vilão de todo esse passivo ambiental, que é debitado quase que exclusivamente ao produtor rural. Quando a sociedade, sobretudo nas grandes cidades, se refere ao produtor rural, ao fazendeiro, ao agronegócio, fazem até com um tom debochado, em tom pejorativo. O Brasil precisa entender a importância desse setor. Quase 37% de todos os empregos do país vêm do campo. O Brasil saiu quase ileso da crise econômica mundial muito por conta da produção rural, do agronegócio brasileiro.
Quais outros aspectos o senhor pretende trabalhar com a frente?
Um ponto muito importante é sensibilizar o governo federal da responsabilidade que ele tem com a questão da infraestrutura do país. O problema das estradas, dos portos, dos sistemas de transporte, de infraestrutura, enfim, é um grande gargalo hoje da produção. Esse problema é sério. E nós entendemos que o governo não tem investido o que deveria investir. Para se ter uma ideia, do preço total da soja hoje no Mato Grosso, 50% é do frete que vai do centro de produção para os portos. Isso é uma coisa absurda. O custo com frete aumenta em muito os preços. E isso minimizaria com a construção de boas estradas, de ferrovias e melhorias, até mesmo nos aeroportos. Outro ponto, que é uma vigilância constante da frente, é estar atento a essas questões de política agrícola, como a questão do crédito e do seguro da produção, que já avançamos, mas precisamos avançar mais.
Em relação às mudanças na legislação ambiental, o que é preciso alterar?
Primeiro, precisamos separar o que compete à União, aos estados e aos municípios. Hoje há uma confusão generalizada. Não se sabe o que é competência de um e de outro e acaba que a União monopoliza tudo com o Conama, legislando no lugar do Legislativo. Acho que tem que haver uma divisão clara de poder, pois isso gera uma insegurança jurídica no campo muito grande. É preciso transferir para os estados uma parte dessa responsabilidade. Deixar que a União legisle as regras básicas e os estados partam para o detalhamento. Por que a União tem que dizer qual é a largura de área de preservação nas margens dos rios? Por que um rio em Rondônia e um rio em São Paulo têm que ter a mesma margem? Um segundo ponto é a consolidação das áreas. Essa tal de reserva legal é uma coisa muito complicada, na minha visão é uma expropriação. Ela devia acabar. Não tem sentido gastar dinheiro e energia para recuperar alguma coisa que já está explorada. O que você vai fazer com a uva produzida no Rio Grande Sul? Com o café em Minas Gerais? Ambos estão em topo de morro. Essas decisões ambientais precisam ser tomadas sempre embasadas em critérios técnico-científicos. Tem que se acabar com esses aloprados que ficam achando isso e aquilo.
A agricultura hoje é dividida em familiar e patronal. O senhor avalia que pequenos e grandes devem ter a mesma pauta de reivindicação, ou se trata de dois segmentos diferentes?
Não são diferentes, absolutamente. Um é complementar ao outro. Acho que, inclusive, houve um erro no passado ao se dividir a pequena e a grande agricultura. Acho que o Brasil deve ser o único lugar do mundo com dois ministérios cuidando da mesma coisa, o Ministério da Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Quer falar de reforma agrária? Então vamos falar só da reforma agrária. Mas deixa o problema da agricultura e da pecuária, seja da grande empresa ou da agricultura familiar, tudo no mesmo barco. O atual governo acentuou ainda mais essa separação. É como se um fosse o rico e o outro o pobre, ou um tivesse mais e outro menos. Nós temos que acabar com essa discriminação. Tem que haver apenas um ministério, com políticas diferentes incentivando mais quem precisa mais, mas apenas um ministério. Dois ministérios é só para criar a cizânia. Aliás, esse governo primou muito por essa defesa exacerbada dos movimentos sociais. A frente vai tratar tanto da agricultura familiar quanto da outra agricultura da mesma forma.
O que o senhor pensa em relação à reforma agrária e a criminalização de movimentos sociais como o Movimento dos Sem-Terra (MST)?
Acho absolutamente correto criminalizar quem invade terra produtiva, quem faz baderna. Até porque neste país ninguém está acima da lei. Todos têm que estar subjugados à Constituição e às leis. Movimento social nenhum está acima das leis. Não é possível a gente compactuar com a anarquia, com a baderna, com a invasão, com o quebra-quebra, com o dano. Não sou contra a reforma agrária. O Brasil precisa enfrentar a reforma agrária. Acho legítimo qualquer movimento, de qualquer bandeira, de qualquer posicionamento político, fazer as suas reivindicações, desde que seja nos limites da lei. Mas, na verdade, o que esses movimentos querem é inviabilizar a propriedade privada, inviabilizar a produção rural. No fundo, eles querem gerar essa instabilidade. São absurdos que não podem continuar acontecendo. O governo tem sido absolutamente omisso nessa questão. Ou pior, financia por vias transversas, dando dinheiro a organizações não-governamentais que estimulam esses movimentos. Todas as tentativas do Congresso Nacional de apurar as responsabilidades por meio de CPI têm sempre o pano quente do governo por cima, usando sua bancada para não permitir que as investigações sejam feitas. Isso é absurdo.
O senhor falou que o produtor rural tem sido visto como vilão. O que pode ser feito para recuperar a imagem da categoria?
Todo dia, a grande mídia se refere ao produtor rural como vilão. Há um maniqueísmo nessa história, como se a gente fosse do mal e os outros do bem. As coisas não são assim. A gente tem que entender a importância histórica do setor. A frente pode recuperar a imagem do produtor rural mostrando a realidade, assim como tem feito com brilhantismo a senadora Kátia Abreu e tantos outros parlamentares.
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