Diego Moraes
O procurador da República no Distrito Federal, Gustavo Pessanha Veloso, denunciou nessa segunda-feira, à Justiça Federal, 33 pessoas por envolvimento na chamada máfia dos vampiros, deflagrada em 2004. Entre elas estão o ex-ministro da Saúde Humberto Costa e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
A denúncia foi encaminhada ao juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília. Agora, ele vai decidir se rejeita ou acolhe a denúncia. Costa, que está em campanha para o governo do Pernambuco pelo PT, foi indiciado por corrupção passiva e formação de quadrilha. Já Delúbio é acusado de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
José Janene
Além deles, o deputado e ex-líder do PP na Câmara José Janene (PP-PR) também será investigado por envolvimento com a quadrilha. Mas, devido à prerrogativa do foro privilegiado concedida aos parlamentares, ele responderá no Supremo Tribunal Federal (STF) e não na Justiça Federal.
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Segundo Pessanha, responsável pelo caso, Janene recebia propina para recrutar outros parlamentares para participar da fraude, num sistema que, segundo o procurador, seria uma espécie de embrião do mensalão – pagamento de mesadas pelo PT para deputados que apoiassem o governo, segundo acusou o ex-deputado Roberto Jefferson. "(Era) algo muito parecido com o mensalão", disse. Ele não detalhou, todavia, como era a atuação desses congressistas na máfia dos vampiros.
Escutas telefônicas
O MP chegou aos dois petistas por escutas telefônicas gravadas pela Polícia Federal com autorização da Justiça. Durante a divulgação da lista, Pessanha criticou duramente a PF porque, segundo ele, a corporação não mencionou que havia feito as gravações quando a denúncia chegou aos procuradores, em 2004.
"Foi uma falha extremamente grave. Apareceram diálogos não revelados pela PF e provas documentais que mudaram bastante o panorama, que incluem novos personagens que apareceram como protagonistas da denúncia de 2004", numa referência ao ex-ministro da Saúde Humberto Costa, que revelou o esquema aos procuradores naquele ano.
Gustavo Pessanha disse que não faria juízo de valor quanto à atitude da PF. Ele afirmou que houve uma "falha grave", mas que pode ter sido involuntária. O procurador fez questão também de exaltar o trabalho da corporação de um ano pra cá, quando o Ministério Público assumiu em conjunto com a PF as investigações sobre a máfia dos vampiros. O juiz Ricardo Leite não tem prazo para dizer se acolhe ou rejeita a denúncia. Se aberto, o processo deve se estender por mais de um ano.
De FHC a Lula
O esquema dos vampiros, de acordo com o procurador, começou em 1998, ainda na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e se estendeu até o governo Lula. Ele disse, no entanto, que não há indícios que vinculem o ex-ministro da Saúde José Serra com a fraude. Segundo ele, o envolvimento de Humberto Costa foi identificado nas escutas telefônicas, que só foram usadas a partir de 2003.
Candidato a governador em Pernambuco, o ex-ministro disse ontem que a decisão do Ministério Público de denunciá-lo reforça a tese de que há um complô contra sua candidatura e a de Lula. Ele afirmou "estranhar" que a denúncia tenha sido feita na semana da eleição e que provará na Justiça não ter "nada a ver com o caso".
Na lista dos indiciados pelo MP está Frederico Netto, o Lilico. Segundo o procurador, escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal o identificam como uma espécie de lobista entre as empresas especializadas na venda de hemoderivados e o Ministério da Saúde. Lilico, ligado ao PT, negociava licitações em troca de propina, assim como outros servidores denunciados à Justiça.
Outro lobista ligado aos petistas era Luiz Cláudio Gomes da Silva, pessoa de confiança de Costa, segundo Pessanha. O assessor, que chegava a quebrar a hierarquia para despachar diretamente com o ex-ministro, era responsável pela gestão estratégica das licitações.
Na lista de indiciados, pelo menos seis são investigados por envolvimento na máfia ainda na era tucana: Jaisler Jabour de Alvarenga, Lourenço Rommel Peixoto, Platão Fischer, Edilamar Martins, Elias Espiridião Abbodalla e Marcelo Pupkin Pitta. Segundo as investigações do Ministério Público, Platão atuava de maneira semelhante à de Luiz Cláudio. Ele foi demitido quando os petistas chegaram ao governo.
Os procuradores suspeitam ainda do envolvimento do ex-ministro José Dirceu e do publicitário Duda Mendonça no esquema a partir de fevereiro de 2004, mas ainda não há prova contra eles.
Na época do governo Lula, período em que as investigações foram conduzidas, os recursos levantados com a venda superfaturada de hemoderivados eram divididos entre pessoas ligadas a Humberto Costa, repassados ao ex-tesoureiro do PT e a outros lobistas do esquema. O procurador relatou que em vários momentos as empresa brigavam para ganhar um contrato.
Conivência ministerial
De acordo com o procurador, Humberto Costa tinha conhecimento do esquema e dava respaldo à atuação dos servidores envolvidos com a máfia no Ministério. O ex-ministro alega em sua defesa que não faz sentido cogitar sua participação na fraude, já que foi ele o autor da denúncia no MP. Mas, segundo Pessanha, a tese de Costa é fraca. "Há indícios de que ele fez (a denúncia) quando pressionado. Se não fizesse (a denúncia), teria problemas", afirmou.
Após a divulgação do pedido de indiciamento, Costa afirmou, por nota, estranhar a apresentação do documento pelo Ministério Público a uma semana das eleições. Pessanha refutou a hipótese de atitude eleitoreira e afirmou que ontem era o último dia de prazo para a apresentação do inquérito à Justiça Federal.
Delúbio Soares
Em relação a Delúbio Soares, o procurador afirmou que ele era um dos receptadores da propina paga no esquema. "Ele era um dos destinatários do dinheiro. As provas mostram isso", disse Veloso. O procurador não falou em valores, mas afirmou que as interceptações telefônicas flagraram Laerte de Arruda Correa Júnior, um dos indiciados, afirmando ter recebido R$ 15 milhões do esquema.
Por fazerem parte do inquérito, o conteúdo das gravações está sob segredo de justiça. Por isso não é possível revelar o conteúdo das conversas. No entanto, o procurador afirmou que as provas apontam que Delúbio teria recebido mais de R$ 1 milhão no esquema.
Gustavo Pessanha não soube dizer se o dinheiro era utilizado em campanhas do PT. Ele informou que os recursos eram transportados em dinheiro vivo e em malas. O Ministério Público conseguiu interceptar umas das remessas, de R$ 723 mil, que chegaria às mãos de Delúbio. Outra remessa, de R$ 350 mil, não foi interceptada e seguiu para outros destinatários.
O procurador afirmou que as investigações levantam a possibilidade do envolvimento do ex-ministro José Dirceu e do publicitário Duda Mendonça, mas ainda não há provas concretas quanto a isso. Pessanha reforçou que o Ministério Público ainda investiga também a formação de cartéis na máfia dos vampiros, mas ele afirmou que esse tipo de apuração depende de fatores técnicos, como conhecimento do mercado hemoderivados.
Entenda o caso
O relatório da Polícia Federal sobre a Operação Vampiro foi entregue ao Ministério Público em 15 de agosto. O procurador poderia fazer denúncia à Justiça, para que a ação penal fosse aberta, pedir novas investigações ou propor que o processo fosse arquivado. A Operação Vampiro investigou o envolvimento de empresários e funcionários do Ministério da Saúde na compra superfaturada de derivados do sangue, os chamados hemoderivados.
O relatório da PF indicia 42 pessoas sob acusação de prática de fraude em licitações, crimes contra a ordem tributária, corrupção ativa e passiva, violação do sigilo funcional, tráfico de influência e formação de quadrilha, entre outros delitos, na pasta da Saúde. Entretanto, o procurador afirmou que não há provas que comprovem o envolvimento de todos na fraude.
R$ 2 bilhões em 12 anos
De acordo com matéria publica na revista Época, estima-se que R$ 2 bilhões tenham sido desviados pela quadrilha que atuava no Ministério da Saúde entre 1990 e 2002. A Polícia Federal já apreendeu nove lanchas, R$ 1,5 milhão, carros e jóias e confiscou 20 imóveis. Os bens teriam sido comprados com dinheiro desviado.
Cinco servidores do Ministério da Saúde, uma funcionária da Anvisa e 11 empresários e lobistas já foram presos. O Ministério da Saúde já exonerou 25 funcionários suspeitos de envolvimento no superfaturamento na compra de hemoderivados.
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