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O julgamento da história
Na tarde de quarta-feira, no primeiro dia do julgamento do mensalão, um advogado reclamava da tribuna que a denúncia contra o seu cliente alinhava penas que, somadas, chegavam a 1.152 anos de prisão. O ministro Marco Aurélio Mello, um dos mais antigos membros do Supremo Tribunal Federal, bocejava profundamente. Na manhã do segundo dia de julgamento, outro advogado alegava que seu cliente era vítima de uma acusação tão arbitrária, mas tão arbitrária, que só poderia ser feita sob um regime de exceção. A ministra Ellen Gracie, presidente do STF, conferia o estado das unhas de sua mão esquerda. Antes, quando discursava o advogado do ex-deputado Roberto Jefferson, o barítono amador que denunciou o mensalão, os ministros Carlos Britto e Gilmar Mendes, sentados lado a lado, entretinham-se em um cochicho delicioso, entremeado de contidas gargalhadas. Em três dias de julgamento na semana passada, os magistrados passaram as sessões conferindo e-mails em seus inseparáveis laptops, entrando em sites noticiosos para saber das novidades da hora ou segredando confidências com uma gota de veneno (veja reportagem).
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Confidências virtuais
Enquanto o procurador-geral da República sustentava suas acusações contra os mensaleiros, no primeiro dia do julgamento, dois dos dez ministros do STF não tiravam os olhos e os dedos do teclado de seus computadores portáteis. A distração, incomum em meio ao formalismo da mais alta corte do país, chamou a atenção dos fotógrafos. Um deles, do jornal O Globo, apontou sua lente para os monitores da dupla. Com a ajuda da lente, descobriu e acompanhou a distância a causa de tanta distração. O resultado foi um constrangimento geral. Os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, os dois mais jovens juízes do STF, passaram boa parte do julgamento trocando e-mails pela intranet, a rede interna de computadores do tribunal. Pela tela, eles dividiram impressões sobre a atuação do procurador, revelaram parte dos próprios votos, discutiram questões internas e fizeram futricas sobre colegas da corte. A conversa lateral ganhou alguma seriedade quando os magistrados comentaram o voto de um colega e insinuaram que o ministro Eros Grau, apelidado de "Cupido", poderia rejeitar a denúncia em troca da indicação de um amigo para a vaga do ministro Sepúlveda Pertence, que se aposentou há duas semanas.
Grampos na mira
Os grampos telefônicos, uma das principais ferramentas de investigação policial da atualidade, vão passar por uma devassa. Na semana passada, a Câmara dos Deputados recolheu 191 assinaturas para criar a CPI dos Grampos, que pretende investigar a suspeita de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram seus telefones interceptados ilegalmente, conforme VEJA noticiou em sua edição passada. Cinco dos onze ministros do STF admitiram publicamente a suspeita de que suas conversas telefônicas podem estar sendo bisbilhotadas clandestinamente. A CPI, que terá prazo de 120 dias para concluir a investigação, deverá ser instalada já no início do próximo mês. "Quando a mais alta corte do país se sente ameaçada e intimidada, isso é uma coisa muita séria, que precisa de uma resposta urgente", diz o deputado Marcelo Itagiba, do PMDB do Rio de Janeiro, delegado licenciado da Polícia Federal e autor do requerimento de criação da CPI.
Só fazendo figa
Ao lançar, na semana passada, um plano de segurança pública para combate ao crime, o presidente Lula pediu aos presentes à solenidade que fizessem uma "corrente positiva" para ajudar o programa a dar certo. A julgar pelas medidas anunciadas, a força do pensamento terá de ser mesmo muito grande: o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, ou Pronasci, como foi batizado, reúne todos os vícios dos pacotes do gênero que o governo costuma apresentar: traz projetos antigos embalados em papel novo, substitui soluções por curativos improvisados e atira em múltiplas direções sem se preocupar com o foco. "Quem tem 94 propostas para a área de segurança não tem nenhuma", avalia Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, para quem o Pronasci é uma "colcha de retalhos". Além do fato de as iniciativas anunciadas pelo governo incluírem medidas já em andamento ou na órbita de outros órgãos – como ações de infra-estrutura e projetos de alfabetização –, o pacote é repleto de medidas-tampão, como a que trata do problema dos baixos salários dos policiais.
O pouso forçado da charuteira
Uma das personagens mais sombrias da crise aérea, a advogada Denise Abreu saiu do ar na sexta-feira passada. Em março de 2006, ela havia assumido um cargo-chave na então recém-criada Agência Nacional de Aviação Civil (Anac): a diretoria de serviços aéreos. Conhecia pouco de aviação, mas, com um estilo impositivo, mandava mais na agência do que o diretor presidente, Milton Zuanazzi. As investigações do acidente com o Airbus da TAM, que matou 199 pessoas em Congonhas, revelaram que Denise se mantinha perigosamente próxima das empresas que deveria fiscalizar – e ela foi obrigada a pedir demissão. Já se sabia que seu irmão, o advogado Olten Abreu Júnior, prestava serviços à TAM. Na semana passada, descobriu-se que a diretora da Anac chegou a ludibriar a Justiça para favorecer as companhias aéreas. Em fevereiro, a desembargadora paulista Cecília Marcondes julgava uma ação que restringia o pouso de aviões em Congonhas nos dias de chuva – medida que desagradava às empresas. Ao receber de Denise um documento da Anac regulando essa mesma matéria, deu uma sentença que favoreceu as companhias. O papelório da Anac chegou à mesa da desembargadora como se fosse uma norma, mas era só um estudo técnico.
A farsa na reta final
O Conselho de Ética deve concluir nesta semana o relatório que vai pedir a cassação do mandato do senador Renan Calheiros. O processo investiga se o senador quebrou o decoro parlamentar ao ter as despesas pessoais pagas por um lobista da empreiteira Mendes Júnior. Renan tentou durante três meses convencer seus pares de que ele é homem rico, que o lobista apenas lhe prestou um favor como amigo e que o dinheiro da pensão saiu de suas contas. A Polícia Federal implodiu essa versão. Ao examinarem os extratos bancários do senador, os peritos não encontraram nenhum registro de que os recursos usados pelo lobista pertenciam a Renan. A perícia na contabilidade do presidente do Congresso revelou ainda que quase nada do que o senador apresentou para justificar a origem de sua fortuna tem explicação documental. Renan ficou rico vendendo bois que não se sabe se existiram mesmo, e seu patrimônio declarado, estimado em 10 milhões de reais, é incompatível com sua renda. Se não bastasse, o laudo da polícia ainda listou uma nova e suspeitíssima operação com as digitais de Renan Calheiros.
O ataque da corrupção
O senador Renan Calheiros é um político desesperado que faz coisas desesperadas. Acuado pelas revelações de VEJA sobre suas condutas impróprias, que devem tirá-lo da presidência do Senado, partiu para a vendeta ao melhor estilo mafioso. Renan e seus sequazes patrocinam a abertura de uma CPI na Câmara dos Deputados para "investigar" a associação entre a TVA, empresa de televisão por assinatura do Grupo Abril, que edita VEJA, e o Grupo Telefônica, de origem espanhola. A alegação é absurda. O negócio, aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) depois de minuciosa análise, não fere a lei e é igual a outros fechados recentemente no país (veja o quadro). Para tentar forçar a abertura da CPI, Renan arregimentou uma tropa de choque especializada em surrar a ética. Abrilhantam-na Jader Barbalho e Orestes Quércia, que dispensam apresentações, os mensaleiros José Genoíno, João Paulo Cunha, Paulo Rocha e Valdemar Costa Neto e os sanguessugas Wellington Fagundes e Wellington Roberto. Todos eles denunciados por VEJA em algum momento de suas tristes biografias.
Ocupar e arruinar
Invasões de terras, de repartições públicas, de universidades – num país que garante impunidade à violência política, é natural o surgimento de um grupo de lunáticos ansiosos por pavimentar o caminho da revolução com a tomada de fábricas. Desde 2002, militantes da Esquerda Marxista, facção radical do PT, tomaram posse de cinco indústrias em São Paulo e Santa Catarina e formaram o Movimento das Fábricas Ocupadas. Na empresa em que a ocupação foi mais prolongada, a Cipla, tradicional fabricante de produtos plásticos em Joinville, isso significou quatro anos e sete meses de irregularidades administrativas, desvio de fundos e violência política.
Três meses atrás, a Cipla sofreu intervenção judicial, ordenada porque os patrões socialistas descontavam o INSS do salário dos empregados, mas não o repassavam à Previdência Social. Recibos de compras, comprovantes de transferências bancárias, cópias de e-mail e outros papéis encontrados pelo interventor revelam uma administração perniciosa, que sistematicamente desviou recursos para atender a objetivos políticos e particulares. No interior das fábricas, funcionários eram coagidos a freqüentar aulas sobre a ideologia comunista, a ler a respeito da Revolução Russa de 1917 ou a contribuir com ações políticas de outros sindicatos ou com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sob ameaça de perder o emprego.
Istoé
O julgamento dos 40
Em meio a suspeitas de manobras políticas no Supremo Tribunal Federal, é aberto o processo contra os 40 políticos e empresários ligados ao PT acusados de formar uma "quadrilha" para aprovar projetos do governo no Congresso, o chamado "mensalão". O veredicto final levará anos e ninguém garante que os culpados serão punidos
Dois anos, dois meses e 16 dias depois da denúncia do deputado Roberto Jefferson de que um grupo de petistas usou recursos públicos e privados para subornar parlamentares e partidos com o objetivo de aprovar medidas de interesse do governo Lula no Congresso, o chamado Escândalo do Mensalão, o Supremo Tribunal Federal começou, às 10h15 da quarta-feira 22 de agosto, a dar o primeiro passo para uma eventual punição das 40 pessoas envolvidas no caso.
No silêncio da sala quadrada, rodeada pelas gélidas paredes de mármore carrara bege, o ministro Joaquim Barbosa, encarregado de relatar o inquérito, iniciou a leitura das 400 páginas nas quais resumiu a volumosa peça jurídica de 52 volumes e 140 anexos. Barbosa padecia de fortíssimas dores nas costas – e foi por isso que, mesmo em momentos em que o protocolo lhe permitia sentar, permaneceu de pé. Dores nas costas são uma constante para o ministro, mas a agudeza dessa crise parecia lembrar que seus ombros carregavam o peso histórico do que está sendo chamado de "julgamento do século".
"O Carlismo não morreu"
A diferença de idade é de 51 anos, quase todo o tempo de vida política do exsenador Antônio Carlos Magalhães, que morreu há um mês. Com 28 anos e carregando o mesmo nome e a sigla ACM de seu avô, o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto tem a tarefa de tentar manter viva a chama do "carlismo", o movimento político que se aglutinou em torno da pessoa de ACM. Para ACM Neto, apesar das divergências e disputas internas que hoje ameaçam o grupo, o carlismo sobreviverá. Antes de tudo, até por uma razão pragmática: é melhor para os carlistas permanecerem juntos. Nos últimos dias, o deputado vem se dedicando a convencer seu grupo dessa necessidade e se sobressai na disputa para se tornar, de fato, o herdeiro político do avô. No caso, ele se espelha no governador mineiro Aécio Neves.
Quando seu avô, Tancredo, morreu, Aécio nem sequer era deputado e hoje é précandidato à Presidência. No momento em que a discussão sobre o escândalo do mensalão é retomada, ACM Neto – que integrou a CPI dos Correios, responsável pela descoberta de boa parte do esquema – avalia que a oposição cometeu um erro estratégico grave quando lidou com a possibilidade de impeachment de Lula.
Caso de polícia
Desde que assumiu o Ministério da Saúde, o sanitarista português José Gomes Temporão levanta temas polêmicos, como a realização de abortos na rede pública de saúde. Nos últimos dias, porém, o ministro foi colocado diante do caos que efetivamente impera em sua área e até agora não conseguiu respostas satisfatórias. As greves de médicos que paralisaram hospitais e ambulatórios em Alagoas, Pernambuco e Paraíba evidenciaram aquilo que os brasileiros mais humildes já sabem há algum tempo. A saúde do Brasil entrou em colapso absoluto. Os salários são baixos, os equipamentos precários, os repasses financeiros aos Estados e municípios cada vez mais reduzidos. Irritados, os médicos param de trabalhar e contribuintes acabam morrendo na porta dos hospitais. Em vez de encontrar uma saída, o governo federal e os Estados protagonizam um jogo de empurra sobre quem são os responsáveis.
Foi nesse cenário que no domingo 19, Elizângela Souza, 28 anos, morreu com uma válvula mitral entupida no coração, três dias depois de tentar pela televisão comover os cardiologistas que estavam paralisados a realizarem sua cirurgia. “Não sei se estarei aqui amanhã”, implorava ela, com voz fraca. Na segunda- feira 13, o ajudante de estiva José Cesário da Silva, 28 anos, viu morrer nos braços o filho Wedson Carlos, um ano e quatro meses, após tentativa de internação em Maceió. “Meu filho morreu por falta de atendimento”, lamentou José. “O Estado não pode tratar a saúde desse jeito.”
O trem da integracão
Os governadores de São Paulo, José Serra, e do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, marcaram para quinta-feira 30, às 10h, um encontro no Palácio dos Bandeirantes. Lá, eles assinarão um termo de compromisso para os estudos de viabilidade do trem-bala que irá interligar as duas maiores metrópoles do País. Segundo o secretário estadual de Transportes do Rio, Júlio Lopes, se tudo correr bem, a licitação para escolher a empresa ou o consórcio responsável pela execução do projeto deverá sair até janeiro do próximo ano.
Empresas de diversos países manifestaram interesse no assunto, com propostas variadas para a construção do trem, cuja velocidade deverá atingir cerca de 300 quilômetros por hora. O modelo proposto pelos alemães prevê uma linha com quatro paradas entre as duas cidades, o que faria o percurso durar pouco mais de duas horas. Já os italianos propõem apenas uma linha direta, sem paradas, com tempo estimado em 85 minutos para percorrer 403 quilômetros. Empresas da Coréia do Sul, segundo o secretário, também “estão interessadas em conhecer detalhes do projeto”. Ele afirmou, em reunião recente com o governador Sérgio Cabral, que o presidente da União Européia, José Manuel Durão Barroso, havia manifestado o interesse que o Banco da UE tem em estudar o financiamento do projeto.
Época
Deputados mineiros instalam CPI do Sistema Carcerário
Ainda na quinta-feira 23, logo depois da tragédia em Ponte Nova, foi instalada na Assembléia Legislativa a CPI do Sistema Carcerário. No dia seguinte, um grupo de deputados estaduais visitou o local do massacre e foi recebido pelo secretário de Defesa Social de Minas Gerais, Maurício Campos. Ele afirmou ter convicção de que não se trata de presos ligados a facções criminosas. E aproveitou para mostrar os investimentos do Governo Aécio Neves em segurnaça. De acordo com o secretário, o número de unidades prisionais do Estado saltou de 5 em 2003 para 45 este ano, ampliando o número total de vagas para 18 mil. Onze novas penitenciárias e 12 presídios foram construídos.
Além disso, pela primeira vez na história de Minas, há mais detentos sob responsabilidade da Secretaria de Defesa Social do que da Polícia Civil e a meta é assumir completamente esta tarefa até o final do mandato em 2008. Ainda segundo Campos, o governador Aécio Neves defende que a Polícia Civil não deva se envolver com o sistema prisional, concentrando seus esforços em investigações detalhadas. A CPI deverá, a partir de agora, acompanhar o projeto de revisão das arquiteturas das cadeias mais antigas, para torná-las mais seguras.
O inimigo do trem da alegria
Há duas semanas, o procurador do trabalho Fábio Leal está irrequieto. O motivo é a entrada na pauta da Câmara dos Deputados de uma proposta de emenda constitucional que efetiva mais de 200 mil funcionários temporários no serviço público. Coordenador do combate a irregularidades trabalhistas na administração, Leal é um defensor obstinado dos concursos – segundo ele, o mais democrático e legítimo modo de ingresso no serviço público. Leal enfrenta brigas freqüentes com órgãos e empresas estatais que aparelham suas estruturas, o que, afirma, custa caro para a população.
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