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Na última terça-feira (20), Geddel defendeu, em entrevista ao jornal O Globo, que o assunto seja discutido “sem preconceito e sem histeria” no Congresso. Para ele, se uma das propostas do Ministério Público Federal é tornar crime o caixa dois eleitoral, é porque essa prática não é criminosa atualmente.
“Se pede isso, é lícito supor que caixa dois não é crime. Se não é crime, é importante estabelecer penalidades aos que infringirem a lei. Agora, quem foi beneficiado no passado, quando não era crime, não pode ser penalizado”, avaliou o ministro.
A polêmica ganhou força, na esteira das declarações de Geddel, quando um grupo de líderes patrocinou na Câmara uma espécie de anistia para políticos que se beneficiaram da prática, salvando-os dos rigores da Operação Lava Jato – com a revolta de alguns deputados e a repercussão negativa da iniciativa, no entanto, a tentativa fracassou e causou constrangimento em Brasília.
Precisão
Ex-juiz e um dos criadores da Lei da Ficha Limpa, Márlon Reis tem outra visão sobre o assunto. O jurista explicou à reportagem que o Ministério Público quer definir, com mais precisão, as circunstâncias do ato ilícito cometido quando realizado o caixa dois. Ele destacou o artigo 350 do Código Eleitoral (leia abaixo), que enfatiza que a omissão de dados verídicos à Justiça Eleitoral são atitudes ilegais.
“Revela completo desconhecimento do tema ou, então, torcida pela impunidade do caixa dois”, rebateu Márlon Reis. “O que está acontecendo agora é que o tema passou a ter importância. Por causa da mudança de padrão de financiamento e da transparência, já que agora as pessoas precisam declarar quase que em tempo real o que arrecadam, esse assunto virou relevante. Sempre ouvimos falar, mas não tinha essa magnitude”, acrescentou o ex-juiz.
Mesmo ponto defendido pelo advogado especializado em direito constitucional, Yure Gagarin. Para ele, a questão do caixa dois é “completamente irregular”. Porém, o especialista explica que, para ser crime, é necessária a tipificação no Código Penal.
“Não está escrito no Código Penal ‘caixa dois’. Mas a conduta de quem pratica o caixa dois se assemelha a um estelionato, a uma falsidade ideológica. Você está escondendo dados, informações que não são passadas ao Fisco, ao setor tributário, e você responde por isso, por passar informações falsas”, disse.
Jairo Lopes é advogado criminalista e destacou que a discussão que cerceia o tema tem sido “mais política que técnica”. Ele descreve que, a princípio, o caixa dois “configuraria uma infração eleitoral e não caracterizaria crime em uma análise preliminar”.“A não ser que, durante a investigação do caixa dois se descobrisse origem ilícita do dinheiro ou algum desvio, doação irregular de empresa proveniente de propina. Mas, por enquanto, há a necessidade de alterar a legislação para dizer que o caixa dois, ou seja, dinheiro não declarado para campanha, seja tipificado como crime”, salientou.
“Qualquer tipo de fato irregular que não tenha uma definição clara e expressa pode virar margem para manobras jurídicas. Por exemplo, se consegue a absolvição ou se consegue a não criminalização justamente por não haver elementos para você definir, de fato, se houve ou não cometimento ou não de ato ilícito. Há a necessidade desse ‘aclaro’”, acrescentou Jairo Lopes.
O especialista em Direito Eleitoral Flávio Britto destacou também que em qualquer tipo de caixa dois, seja eleitoral ou empresarial, além de incidir nas penalidades tributárias, existe o crime contra o Sistema Financeiro Nacional, a lavagem de dinheiro e a ocultação de bens.
“A atividade já é criminalizada. Mas há um problema. Determinados agentes públicos querem sempre buscar meios para que aquela conduta hoje, tida como ilegal, não seja considerada ilegal. Você tem que fazer uma previsão bem específica para a conduta”, disse ao avaliar que, caso o caixa dois não tipificasse ato ilícito, operações como a Lava Jato, por exemplo, seriam prejudicadas. De acordo com o especialista, é preciso uma “análise harmônica” entre os vários dispositivos que vigoram no país.
Retroatividade
O advogado Jairo Lopes esclareceu que a lei só retroage para beneficiar o réu. Nesse caso, ainda segundo o especialista, ao tornar a conduta criminalizada, “não haveria sentido” a retroatividade acontecer.
“Por enquanto [a conduta] é um ilícito eleitoral. Se ela retroagisse, iria estar criminalizando fatos anteriores à lei. Elas foram responsabilidades dos tribunais eleitorais no sentido de cassação de mandato e não aprovação de contas, não há repercussão criminal. Entretanto, mesmo que haja criminalização, as penas postas mesmo sem caráter penal, permanecem. Não há como se beneficiar dessa alteração legislativa”, ressaltou.
Yure Gagarin alertou ao fato de que a retroatividade da impunidade, defendida pelo ministro, vai depender da forma como a lei será redigida, quando aprovada. De acordo com o jurista, o que decidirá se a proposta vai beneficiar àqueles condenados pela legislação, será o texto levado à Constituição.“Se vai beneficiar o réu, retroage. Se ela for prejudicar, não vai retroagir. Isso vai depender muito da criação da lei, do sistema de alternamento, de como ela será redigida”, avaliou.
Flávio Britto também enfatiza que vai depender da “fundamentação que amparou o processo condenatório” para que a retroatividade seja validada, ou não.
Entenda
Em denúncia feita por senadores e deputados na segunda-feira (19) nos plenários do Senado e da Câmara, parlamentares fizeram críticas ao que classificaram como manobra para promover uma espécie de anistia a candidatos que praticaram caixa dois em campanhas eleitorais, em gestões anteriores. De acordo com as reclamações, o acerto promoveria alterações no Projeto de Lei 1210/2007, que altera o Código Eleitoral para definir regras sobre “pesquisas eleitorais, o voto de legenda em listas partidárias preordenadas, a instituição de federações partidárias, o funcionamento parlamentar, a propaganda eleitoral, o financiamento de campanha e as coligações partidárias”.
Hoje (quarta, 21), o presidente Michel Temer disse ter ficado surpreso ao saber da inclusão do projeto de lei na pauta de votações da Casa. Ele está em Nova York para um encontro com empresários norte-americanos. Para Temer, declaração de Geddel é “personalíssima”.
O projeto fixa na legislação eleitoral punição específica e direcionada para o uso de dinheiro em campanhas sem a devida declaração à Justiça, dando margem a todo tipo de jogo de interesses entre parlamentares e empreiteiros – que, não raro, financiam pleitos e depois pedem a aprovação de projetos que beneficiem interesses particulares, como “fatura” a ser paga pelo apoio financeiro dado.Segundo a redação pretendida pelo defensores do projeto, dois objetivos principais estão em jogo: a concessão de anistia por prática de caixa dois até então, valendo-se do princípio de que lei não pode retroagir para prejudicar o réu; e impor uma espécie de freio na Operação Lava Jato, cuja tendência crescente é tipificar como corrupção, sem desvio de conceito, a receptação de recursos não contabilizados legalmente, na Justiça Eleitoral.
“Sem preconceito”
O responsável pela articulação política do governo Temer, durante o pronunciamento feito ontem (terça, 20), ressaltou que não falava em nome do governo, mas que expressava apenas sua opinião pessoal.
“Esse debate tem que ser feito sem medo, sem preconceito, sem patrulha e sem histeria. Não sou jurista e posso estar falando uma blasfêmia do ponto de vista jurídico. Estou analisando a situação pela lógica. Não trataria como anistia porque anistia serve a quem cometeu um crime. No caso do caixa dois, se não tem crime, não tem anistia”, alegou o peemedebista.
Ainda de acordo com o ministro, o Planalto não participou da manobra frustrada na Câmara para aprovar uma emenda que pretendia anistiar políticos acusados de caixa dois. Após protesto de um grupo de parlamentares, o projeto foi retirado de pauta. Ninguém assumiu a articulação para votar a medida. Críticos da medida acusam lideranças dos grandes partidos, como o PT, o PSDB e o PMDB, de estarem por trás da articulação.
Em 2012, durante o julgamento que condenou o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, a ministra Cármen Lúcia, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi veemente ao rebater a tese da defesa de que caixa dois era um “deslize típico da democracia brasileiro”. “Acho estranho e muito, muito grave, que alguém diga com toda tranquilidade que ‘ora, houve caixa dois’. Caixa dois é crime. Caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira. Dizer isso perante o Supremo Tribunal Federal me parece realmente grave porque fica parecendo que isso pode ser praticado e confessado e tudo bem”, afirmou a ministra na ocasião.
“Cabide de emprego”
Esta não é a primeira vez que Geddel faz uma declaração polêmica. Em 11 de junho deste ano, o ministro disse que a proposta de extinção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), feita por ele, estaria ganhando adeptos no governo de Michel Temer, e que o presidente já teria discutido a proposta. Segundo Geddel, a EBC se transformou num “cabide de emprego” com “foco de militância”.
Para ele, o governo não precisa de uma empresa para “autopromoção” e que basta o presidente ter uma estrutura para os registros históricos, por exemplo. Geddel acredita que só deve existir uma estrutura para dar informação e não fazer autopromoção. O ministro ressaltou, mais uma vez, que era uma “opinião pessoal”. Mas também afirmou que a proposta estaria ganhando corpo no governo.
Leia, abaixo, detalhes da Lei nº 4.737 de 15 de Julho de 1965:
Institui o Código Eleitoral
Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:
Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.
Parágrafo único.
Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.
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