Tarciso Nascimento
A exemplo do que ocorreu com a CPI dos Bingos, instalada por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a comissão parlamentar de inquérito criada para investigar os processos de privatização, entre 1990 e 2002, pode ter o seu futuro decidido pela Justiça. Autor do requerimento que resultou na criação da CPI das Privatizações, o deputado José Divino (PMR-RJ) ameaça ir ao Supremo para obrigar o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), a determinar o início dos trabalhos. “Vou às últimas conseqüências”, afirma Divino ao Congresso em Foco.
Criada à revelia dos líderes partidários há duas semanas, a comissão se tornou um fantasma incômodo para o governo e a oposição, que, silenciosamente, tramam o arquivamento da CPI. Nenhuma das partes, no entanto, admite arcar com o ônus de ser responsabilizada por abafar as investigações. Até agora, já estão definidos 20 dos 23 titulares da comissão. Apenas o PMDB ainda não indicou os seus representantes.
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Pelo regimento interno, o presidente da Câmara tem poder para indicar os integrantes da CPI caso os líderes partidários o façam em 48 horas. Alegando respeitar a posição dos partidos, Aldo tem dito que vai esperar pelo PMDB. “Há muitos nomes, mas poucas vagas. O PMDB está tendo um racha para a indicação do líder na Câmara. Primeiro, o partido, terá que pacificar as questões internas para, depois, definir os seus membros”, observa Divino.
Filiado ao recém-criado PMR, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, o deputado reivindica uma das três vagas a que o PMDB tem direito na comissão. “Já conversei com as lideranças do PMDB para que eles me dêem uma vaga, já que sou o autor do requerimento e fiquei mais de 20 anos naquele partido”, conta Divino, que trocou de legenda após romper politicamente com o ex-governador do Rio Anthony Garotinho.
CPI do Setor Elétrico II
Mas, mesmo que o STF repita a decisão que tomou em relação à CPI dos Bingos – quando obrigou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a concluir o preenchimento das vagas da comissão que os governistas se recusavam a ocupar para abafar as investigações –, o mais provável é que a CPI das Privatizações tenha o mesmo destino da CPI do Setor Elétrico. Criada para investigar a venda de estatais do setor, a comissão acabou boicotada por governistas e oposicionistas e encerrou os seus trabalhos sem realizar uma reunião sequer.
Espera eterna
Depois de ficar dois anos e sete meses na fila, a CPI enfrenta dificuldades para navegar pelo mar de indefinições que encobre a política nacional. Proposta para investigar todas as privatizações ocorridas no país entre 1990 e 2002, a CPI das Privatizações tem o foco voltado para os governos Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Ninguém quer
A opinião predominante entre os líderes da oposição e da base aliada é de que a CPI é inoportuna e pode acirrar ainda mais o clima político, inviabilizando de uma vez por todas o ano legislativo, já comprimido pela disputa eleitoral.
À oposição não interessa investigar o ainda nebuloso processo de privatização ocorrido, sobretudo, na gestão tucana. O governo Lula, por outro lado, teme a fuga de investidores internacionais e o risco de criar mais um foco de atrito com os seus adversários políticos no momento em que a crise dá sinais de arrefecimento. "Temos que ter muito cuidado agora para não darmos a impressão de que se trata de dar o troco. Birra não vai levar a gente a lugar nenhum", observa Walter Pinheiro (PT-BA), um dos principais críticos do processo de privatização.
“A conveniência de iniciar uma CPI tão complexa é bastante questionável”, avalia o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). “Eu não participei de nenhuma conversa para instalar ou não essa CPI. Quanto tempo ela vai demorar, se será instalada ou não, não interessa”, diz o ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner.
Para o autor do requerimento de criação da CPI, a oposição é o principal obstáculo às investigações. “O pessoal que leiloou o país não tem interesse em que ela funcione. É um absurdo, porque essa CPI tem mais conteúdo investigativo que qualquer uma dessas que estão funcionando. Vendeu-se 70% do patrimônio público brasileiro e ninguém fez nada”, afirma José Divino. O líder do PSDB, deputado Alberto Goldman (SP), nega que a oposição tenha receio das investigações e desafia o governo a levar a CPI adiante. “Eu duvido que o governo tenha interesse de levar essa CPI para frente”, declara.
Na quarta-feira passada, em reunião com os líderes partidários, o presidente da Câmara cobrou a indicação de nomes não só para a CPI das Privatizações, como para mais outras três comissões de inquérito – uma para investigar os contratos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), outra para apurar as ações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e uma terceira para examinar irregularidades no registro nacional de veículos.
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