A reação contra Marco Feliciano se deve a algumas declarações polêmicas dadas pelo deputado nos últimos anos. No Twitter, em 2011, ele chamou negros de “descendentes amaldiçoados de Noé”. Contra homossexuais, chegou a dizer que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam (sic) ao ódio, ao crime, à rejeição. Amamos os homossexuais, mas abominamos suas práticas promíscuas”. Em discurso na Câmara, ele defendeu a limitação de divórcios a um por pessoa, pois, na avaliação dele, “uma família destruída hoje projeta sequelas por toda uma geração”. O deputado diz que a resistência ao seu nome é fruto de perseguição religiosa e de “cristofobia“.
A bancada do PSC na Câmara se reúne amanhã para decidir se confirma a indicação de Marco Feliciano. O simples fato de a comissão ter ficado com um partido que, historicamente, não tem ligação com a área desperta desconfiança e preocupação em deputados com atuação na defesa dos direitos humanos. A bancada do PSC é composta, em sua maioria, por parlamentares evangélicos e pouco afeitos a discussões de temas de gênero, sexualidade e minorias sociais, geralmente tratados na comissão. Desde 1995, quando foi criada, a Comissão de Direitos Humanos foi tradicionalmente comandada por legendas do campo da esquerda, como PT, PSB e PCdoB. Nilmário Miranda (PT-MG) foi o seu primeiro presidente. Nos últimos três anos, os deputados Luiz Couto (PT-PB), Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) e Domingos Dutra (PT-MA) comandaram a CDH.
Desta vez, porém, PT e PCdoB voltaram suas atenções para outras comissões. Quando os deputados ainda discutiam a criação de dois novos colegiados, os petistas decidiram que, das quatro escolhas a que o partido teria direito, a CDH seria a última. As comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Relações Exteriores e Defesa Nacional e a de Saúde, uma das novas, seriam as três primeiras escolhas. A ideia era manter a CCJ, assumir a Comissão de Relações Exteriores no lugar do PCdoB e abrigar o grupo ligado ao ex-presidente da Casa Marco Maia (PT-RS) na Saúde.
Com a dificuldade de desmembrar as comissões de Turismo e Desporto (CTD) e Seguridade Social e Família (CSSF), a solução encontrada pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), foi dividir a de Educação e Cultura (CEC). A nova Comissão de Educação ficou com o PMDB, enquanto a recém-criada Comissão de Cultura, com o PCdoB. Esta é a principal área de atuação da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), ex-secretária municipal de Cultura do Rio de Janeiro. O PT, porém, não voltou a se reunir para discutir uma nova divisão dos colegiados, já que o partido perderia uma escolha com a divisão apenas da CEC.
Bancada ruralista
Por causa disso, o PT acabou sendo apontado como um dos culpados pela possibilidade de Marco Feliciano assumir a CDH. No Twitter, o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ), principal nome na Câmara na defesa da causa LGBT, atribuiu a mudança de comando da comissão aos petistas. Na visão dele, ocorreu um acordo para garantir a governabilidade. “O que mostra o quanto o PT está comprometido mais em se manter no poder do que com a defesa dos direitos humanos de minorias”, disparou.
“O PT não tem culpa pela escolha dos outros partidos nas suas comissões”, discordou a deputada Erika Kokay (PT-DF), atual vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos. Para a petista, a possível indicação de Feliciano para presidir a CDH deve ser imputada somente ao PSC. Ela acredita, no entanto, que haverá um “bom senso” da liderança do partido que resulte na indicação de um deputado “mais flexível”.
Aliança com ruralistas
Deputados ligados aos movimentos de direitos humanos do PT acreditam em um outro motivo para o PSC escolher a CDH: uma suposta articulação da bancada evangélica com os ruralistas para evitar debates em questões como reforma agrária e concessão de terras para descendentes de quilombolas e índios. “Lamento profundamente este desfecho”, disse o atual presidente da CDH, Domingos Dutra (PT-MA). Para ele, ruralistas e evangélicos se uniram para esvaziar a comissão. No ano passado, explicou, o colegiado teve audiências públicas sobre terras indígenas e de quilombolas, contrariando interesses de agricultores e pecuaristas interessados em mais espaços para produção.
O PSC, na divisão pela proporcionalidade das bancadas, ficou com a 20ª escolha das comissões. Quando chegou a vez do partido, apenas duas estavam disponíveis: a CDH e a Comissão de Legislação Participativa (CPL), porta de entrada de sugestões legislativas feitas pela sociedade civil. De pouca expressão, a CPL normalmente é a última a ser escolhida. “A minha opção pela Comissão de Direitos Humanos ocorreu porque não tínhamos muitas escolhas disponíveis”, disse o líder do PSC na Câmara, André Moura (SE).
Ele acredita que a reação contrária à possibilidade de o partido assumir a CDH se deve pelo debate feito pela legenda a respeito de determinados assuntos que causam polêmica no Congresso, como questões ligadas à sexualidade e à religiosidade. “Isso faz parte do processo democrático. Você não pode ter apenas um lado. Se todos pensassem e comungassem da mesma opinião, não existiria debate”, disse o deputado sergipano.
Contraponto
Segundo ele, o partido espera ter maior visibilidade ao oferecer um contraponto ao atual modelo da comissão. “Vai trazer essa contribuição que até então não tinha. O pastor era praticamente uma voz sozinha nos debates”, disse Moura, referindo-se à atual composição do colegiado.
De acordo com o o líder do PSC, o partido não fez qualquer articulação com a bancada ruralista para escolher a comissão. “Esse tipo de declaração é precipitada e irresponsável. Exijo respeito com o nosso partido”, retrucou. Ele disse que o PSC está preocupado com “os temas que estão sendo debatidos” e que a ideia é indicar alguém que “milite na área e que tenha responsabilidade no tema”.
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