A caminho do plenário da Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37/11 virou o novo campo de batalhas na já conturbada relação de policiais civis e federais com os promotores e procuradores do Ministério Público. A proposta, aprovada recentemente em comissão especial, atribui exclusivamente às polícias Federal e Civil a competência para a investigação criminal e determina que o Ministério Público não tem atribuição de conduzir as apurações. Em resumo, a medida proíbe promotores e procuradores de continuarem a realizar investigações criminais sozinhos, sem a participação das polícias. Mas, na interpretação de integrantes do Ministério Público, a mudança favorece a impunidade e ameaça até investigações encerradas e em andamento.
Os argumentos de cada lado:
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Eles alegam que a alteração na Constituição vai favorecer a impunidade de criminosos poderosos, como políticos, grandes empresários e traficantes internacionais. Isso porque a polícia, que não tem independência funcional, estaria sujeita a interferências diretas do Poder Executivo. Já os policiais, favoráveis à aprovação da PEC, entendem que ela melhora o sistema judicial garantindo que o Ministério Público não se envolva com a investigação, muitas vezes secreta até para os acusados, e faça uma denúncia mais imparcial, sem eventualmente imputar crimes àqueles que nada têm a ver com os fatos revelados pelos agentes e delegados. Ou seja, a proposta resultaria na defesa dos direitos da sociedade e dos investigados.
O assunto ainda vai causar muita disputa no Congresso em 2013. No final de novembro, a PEC 37/11 passou pela comissão especial que analisou o seu mérito. Antes, já havia sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Agora, precisa ter o apoio de três quintos dos deputados (ou seja, 308 dos 513), em dois turnos de votação. Caso seja aprovada, seguirá para o Senado.
Problema para quem?
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, questiona qual é o problema que a PEC pretende resolver. “Temos um sistema de compartilhamento de investigação que vem melhorando o país”, analisou ele, em entrevista ao Congresso em Foco. “Isso é um problema para quem?” Camanho afirma que a impunidade de poderosos vai aumentar porque vai ser reduzido o efetivo de pessoas que fazem as investigações. Além disso, afirma que o Ministério Público é parte no processo que consegue conduzir de forma isenta. “A polícia é um setor do Executivo, e o MP é uma magistratura”, exalta Camanho.
Autor do livro Investigação criminal pelo Ministério Público, o procurador da República Bruno Calabrich ainda acredita que a PEC 37 vai impedir promotores de apurarem crimes cometidos por policiais. A Constituição determina que o MP faça o controle externo das polícias.
Do outro lado, o diretor parlamentar da Associação dos Delegados da Polícia Federal, Anderson Gustavo Torres, afirma que há problemas a serem corrigidos. “O sistema judicial é redondinho. O problema é que ninguém faz o seu, e ainda quer fazer o dos outros. Isso é que aumenta a impunidade”, protestou ele, em conversa com o site. Ele lembrou ainda que a impunidade é causada por diversos outros problemas, mas não pelo que entende ser o correto funcionamento do sistema judicial.
Para Anderson Gustavo, a PEC confirma o modelo democrático que garante a separação das tarefas: polícia investiga, promotor denuncia e juiz julga. “Isso dá mais segurança ao cidadão. O procurador não pode estar envolvido emocionalmente com a coleta de provas e depois oferecer a denúncia”, explica o delegado.
Casos “sensíveis”
Calabrich destaca que a investigação pelo Ministério Público é importante em crimes cometidos por autoridades policiais, mas também em “casos sensíveis”. “Existem crimes que podem ser investigados com maior eficiência diretamente pelo Ministério Público, os que envolvem altas autoridades, políticos de alto coturno, empresário com poder de ingerência sobre o Estado”, esclarece. Por isso, Calabrich afirma que o MP não quer substituir a polícia, apurando todos os crimes, até por não ter a capilaridade das delegacias. “É natural que a polícia faça a maior parte das investigações.”
Mas isso é mal visto pelos delegados. Já o vice-presidente parlamentar da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Benito Tiezzi, entende que os procuradores e promotores buscam holofotes em vez de procurarem resolver os problemas de todos os cidadãos, inclusive os mais desfavorecidos. “Quanto custam um promotor e um delegado? Qual a eficácia de um investigador que vai escolher uma investigação que rende mídia e holofotes? Alguém que nunca vai a Ceilândia verificar o furto de um botijão de gás, que, para o pobre que foi furtado, é o bem mais importante da vida?”, provoca.
Sigilo
Tiezzi vê outro problema a ser corrigido. Segundo ele, investigações criminais feitas apenas pelo Ministério Público não são controladas por um juiz, não têm prazo para começar ou terminar e objetivam encontrar o crime em alguém e deixam de apurar fatos que podem inocentar o acusado. Ao lado dele, o ex-desembargador e advogado Edson Smaniotto entende que uma apuração feita exclusivamente por um promotor ou procurador é sigilosa até para o réu. “Ninguém sabe se está sendo investigado; se souber, não tem acesso à investigação”, reclama o ex-magistrado.
Camanho pensa diferente. Ele acredita, inclusive, que as investigações seriam ainda melhores se polícia e Ministério Público dialogassem de forma mais dinâmica, sem a intervenção meramente formal do Judiciário. “Hoje as coisas têm de ser cosmeticamente decididas por um juiz, apenas para deferir as coisas, sem fazer juízo de valor ou avaliar”, explica. “Se houver alguma ilegalidade, o Judiciário está pronto a resolvê-la”, esclarece o procurador.
Armas
Criticados por sua vinculação com o Executivo, os policiais defendem que tenham independência funcional assim como os juízes e os promotores. Hoje, essa garantia legal impede, por exemplo, que um ministro ou governador remova um magistrado ou membro do Ministério Público que, no seu entender, esteja importunando-o com algum processo judicial. Mas a extensão desse direito aos policiais seria “absurda” para Camanho e para Calabrich.
“A polícia é o braço armado do Estado, que detém o monopólio da violência. A independência ao delegado seria um risco para a democracia”, afirmou Calabrich ao Congresso em Foco. Benito Tiezzi, da Adepol, discorda. “Acho hilário. Quem fala isso não entende nada de democracia.”
Torres lembra que os membros do Ministério Público já têm direito a porte de armas, assim como os magistrados. Segundo ele, há projetos no Congresso para estender esse porte até a servidores do Ministério Público.
O site procurou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, mas não conseguiu entrevistá-lo até o fechamento desta reportagem.
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