Com a grave crise na segurança pública deflagrada com os protestos de mulheres de PMs do Espírito Santo, a disparidade na questão salarial entre os policiais militares do país veio novamente à tona. Entre os 26 estados e o Distrito Federal, o piso salarial dos policiais capixabas em início de carreira, de acordo com a Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares (Anermb), é o mais baixo da categoria. Atualmente, um policial militar entra na corporação, no ES, recebendo o valor de R$ 2.646,12. Um pouco mais acima, em penúltimo lugar, está a Paraíba, com remuneração de R$ 2.823,00 mil.
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A disparidade nos salários da categoria em todo o país revela uma diferença de cerca de 145% se comparado a remuneração inicial de um policial militar capixaba e de um que atua no Distrito Federal. Os policiais que atuam na capital do país são os mais bem pagos. O soldo de um policial em início de carreira é de R$ 6,5 mil. De acordo com o presidente da Anermb, sargento Leonel, o valor recebido em cada estado não inclui acréscimos de gratificações que, de acordo com ele, variam de estado para estado.
Logo abaixo do Distrito Federal estão os policiais de Roraima, Goiás, Santa Catarina, Tocantins, Rondônia, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e Acre. Estes estão entre os 10 estados que melhor remuneram a categoria, respectivamente, com salários iniciais entre R$ 4 a R$ 5 mil.
Já entre os 10 últimos, Espírito Santo, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul, respectivamente, em ordem decrescente, estão entre os mais mal remunerados, conforme tabela da Anermb logo abaixo.
Na última semana, o governador Paulo Hartung disse que o salário dos PMs capixabas é o 10º na escala das remunerações mais altas. A declaração foi dada em entrevista de Hartung à jornalista Miriam Leitão. Segundo o governo, o piso seria uma tabela baseada em dados da Pnad de 2015. Até o fechamento da reportagem, o governo do Espírito Santo ainda não havia respondido aos questionamentos sobre o assunto.
De acordo com a Secretaria de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo (Seger-ES), os militares entram na PM recebendo uma remuneração de R$ 2.646,12; no entanto, a esse valor é acrescida de R$ 405,91 da escala extra. Com a gratificação, o valor final é de R$ 3.052,06.
Por meio de nota, a pasta informou que o governo do Espírito Santo, “nos últimos sete anos (2010 a 2016), concedeu reajuste e reestruturação das carreiras de 38,85%, abrangendo todos os militares. Além disso, nos últimos cinco anos, em decorrência desses reajustes, bem como de promoções, progressões e do aumento de efetivos na corporação, a folha de pagamento dos militares teve um acréscimo de 46%”.
Sobre a impossibilidade do aumento no atual momento, a Seger informou que as contas do estado “já ultrapassou o limite de alerta de despesas com pessoal (44,1% da Receita Corrente Líquida) estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e que, com 45,09%, se aproxima do limite prudencial (45,46%), que já implica vedações como proibições de contratações, criação de cargos e pagamento de horas extras. Um reajuste neste momento seria uma irresponsabilidade e um risco para a economia capixaba. O limite máximo da LRF é de 49%”, informou.
Soluções para as disparidades
Ao Congresso em Foco, o sargento, que atua no Rio Grande do Sul – estado que está na 18ª colocação –, defendeu a federalização do salário dos militares. “Isso [federalização] acaba com essa disparidade de um ganhar R$2 mil e o outro R$ 7 mil. Isso é inaceitável, se todo mundo faz a mesma coisa. O que o PM do Rio Grande do Sul ganha tem que ganhar também o PM do Amazonas”.
De acordo com ele, diante dos salários pagos aos policiais em Brasília, que é o maior da categoria, há uma desvalorização dos PMs que atuam nos demais estados. “Os caras dizem que a PM de Brasília é melhor remunerada e justificam com os impostos que são diferentes um do outro. Mas aí tu vens aqui no Rio Grande do Sul passear, vens a Gramado, e quem dá a segurança pública aqui? É a polícia de Brasília ou é a Polícia do Rio Grande do Sul? ”, questionou o militar defendendo que todos fazem o mesmo trabalho e são pagos com dinheiro público.
Para o sargento Astronadc Pereira, da polícia militar da Paraíba, a penúltima no ranking da Anermb, além da disparidade salarial da categoria, uma das maiores lutas da corporação é pela incorporação das gratificações ao salário. Ele explicou que o militar precisa trabalhar durante a folga para garantir o adicional de gratificação e, quando vai para reserva, perde 46% do salário, já que as gratificações não entram na aposentadoria. “Se ele parar de trabalhar na sua folga, ele perde uma parte do salário”, afirmou.
Uma das saídas, segundo Pereira, é a criação de uma política nacional de segurança. “Não adianta só aumentar salario hoje, pois logo ele estará defasado. O Espirito Santo fez essa manifestação e o que ganhou? Nada. Queremos a modernização das polícias”. Dentro da política nacional de segurança, ele defende que haja questões voltadas para o salário, moradia e formação dos policiais. De acordo com ele, uma política voltada para categoria trará maior profissionalização, segurança à população e valorização da categoria.
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O sistema político fracassou rotundamente, e brinca com a tragédia, ao desconsiderar a relevância da questão salarial para a moral e a vida das pessoas e das famílias. A pobreza compulsória que se expressa em baixa renda, assim como as tristes (naturais?) contingências do mercado de trabalho, não são nada quando comparados com a ultrajante violência das clamorosas diferenças de retribuição impostas pelo Estado ao arrepio de similares ou análogas condições fáticas perante a cidadania, o contribuinte e a razão (que dita o primado da equidade). Os privilégios salariais são hediondos, e custa crer que a indiferença da sociedade (e o silêncio dos meios) chegue à indecência de negar ou reprimir o problema. Não é só o problema dos PM’s, que os ‘aparelhos ideológicos do Estado’ se apressaram em censurar em nome da “segurança social”, mas outros nichos da Administração Federal, cujos clamorosos e extravagantes privilégios salariais ofendem qualquer senso mínimo de equidade e justiça. Francamente, se não fosse trágico e tão perigoso, caberia especular sobre que ‘milagre’ ainda permite funcionar um sistema administrativo tão dilacerado. Clamoroso e ominoso.