Mário Coelho
Duas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) reacenderam o debate entre duas instituições sobre o poder de investigar crimes. De um lado, o Ministério Público, que quer aumentar suas prerrogativas na condução das investigações. De outro, as polícias judiciárias, que não aceitam perder espaço para promotores e procuradores nas apurações.
Os promotores querem reconhecida a prerrogativa de poder investigar alguns tipos de crimes. Entre eles, delitos que envolvam policiais e pessoas com foro privilegiado, como parlamentares e chefes de Executivo. Esta semana o STF reconheceu novamente o poder de investigação do Ministério Público quando julgou três casos sobre o assunto. Os ministros confirmaram o entendimento de que o MP tem competência para fazer investigação criminal, por iniciativa e condução próprias.
“Se nós podemos requisitar diligências, também podemos fazê-las. Nós não queremos todos os casos, só alguns mais delicados”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo.
É justamente esse o ponto questionado por entidades de classe que representam os policiais. Para o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Sandro Avelar, os membros do MP não deveriam escolher os tipos de crime a serem investigados. “Ou se investiga todos, sem distinção, ou não se investiga nenhum”, disse Avelar ao Congresso em Foco. O delegado federal reconhece que existem casos de exceção à regra, como os que envolvem policiais. Mas ele avalia que essas exceções não devem ser formalizadas nem ampliadas.
Divergências
Para o presidente da ADPF, a Constituição é muito clara ao estabelecer a função de cada um no processo criminal. “O MP até pode fazer isso isoladamente. E ele já tem muitas funções, como requisitar oitivas e produção de provas”, afirmou Avelar. “O STF decidiu sobre um caso concreto, uma situação emergencial. Mas não é possível envolver todas as investigações.”
Cosenzo acredita que a discussão motivada pelos policiais é classista. “Eles têm receio que, com a consolidação do Ministério Público podendo investigar, perderiam espaço nas discussões salariais e de condições de salário”, opinou o presidente da Conamp. Para o membro do MP, as direções das polícias não têm essa preocupação.
Pelas regras estabelecidas na legislação, quem comanda uma investigação é a polícia judiciária, seja ela a Civil ou a Federal. No caso de um assassinato, por exemplo, quem procura pistas, ouve testemunhas e busca suspeitos são os policiais. Porém, para requisitar a quebra de um sigilo bancário ou um mandado de prisão, os investigadores precisam do Ministério Público. Eles, então, solicitam ao promotor que faça o pedido a um juiz.
A partir do momento em que o delegado responsável pelo caso considerar o caso resolvido, ele apresenta o inquérito a um promotor do Ministério Público. É ele que tem a função de apresentar a denúncia à Justiça e cuidar do processo. Toda a discussão, alimentada por diferentes interpretações da Constituição, vai até esse ponto.
Operações
Para sustentar seu ponto de vista, Cosenzo exemplifica casos onde o MP continuou as investigações iniciadas pela polícia. Ele citou o mensalão, que resultou no indiciamento pelo Ministério Público Federal (MPF) de 40 pessoas, entre elas o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o presidente do PTB, Roberto Jefferson. Também citou a Operação Navalha, realizada em 2007, junto com a PF.
A Navalha buscava desmontar uma quadrilha que fraudava licitações de obras públicas. As investigações começaram em novembro de 2006. A operação ocorreu em nove estados e no Distrito Federal. Como saldo, 46 pessoas foram presas na época. Entre elas, empresários, prefeitos, um deputado distrital, um ex-governador e um ex-deputado federal. Eles eram acusados de fraude de licitações, corrupção, tráfico de influência, superfaturamento de obras e desvio de dinheiro.
A partir de 2003, a PF foi reequipada e seus funcionários receberam sucessivos aumentos salariais. Na gestão do delegado Paulo Lacerda, passou a ter os holofotes da mídia para si por conta das mais variadas operações. Veja aqui todas as operações realizadas pela instituição desde 2003.
Supremo
Na terça-feira (27), a Segunda Turma do Supremo reconheceu que o Ministério Público tem competência para realizar uma investigação criminal sozinho em casos específicos. A decisão do ministro Celso de Mello veio após a análise de três habeas corpus. Um movido por dois policiais militares catarinenses acusados de tráfico de drogas, peculato, concussão, prevaricação e falsidade ideológica.
O segundo envolve um delegado e policiais civis de Araçatuba (SP), denunciados e condenados por crime de tortura. A denúncia também abrange a prática de peculato. Os três processos foram negados, por unanimidade, pela Segunda Turma. Celso de Mello apontou que a investigação criminal pelo Ministério Público é legitima e constitucional. Para ele, o trabalho possui caráter concorrente e subsidiário.
“[O trabalho justifica-se] principalmente em hipóteses delicadas, nas quais pode se tornar questionável a atuação da polícia, notadamente em crimes praticados por policiais, como a prática de tortura, por exemplo”, votou Celso de Mello. A posição do ministro, que reafirmou decisão dada na semana passada pela mesma corte, consagra a exceção da regra, algo que os representantes do MP querem que se consolide.
Deixe um comentário