Rudolfo Lago*
Num jogo que se tornou meramente tático – e que visa unicamente à conquista do poder – os partidos expuseram a sua divisão na disputa pela presidência da Câmara. É de 2010 e da sucessão de Lula que já estamos falando.
Há quem reaja ao espaço que os jornais dão à disputa pela presidência da Câmara. Consideram que se trata de um assunto menor, mesquinho, de uma briga de vaidades entre políticos que não tem a menor importância fora da Esplanada dos Ministérios.
"Esse não é o Brasil real", alguns enchem o peito para dizer. Um aviso a esses navegantes. O jogo como é jogado é mesmo mesquinho e menor. Agora, está longe de não ter a menor importância fora da Esplanada. Ao contrário, é importantíssimo. E, principalmente, é esse sim o "Brasil real".
A disputa pelo comando da Câmara é importantíssima porque é a primeira preliminar das eleições de 2010. O comportamento dos partidos da base governista e da oposição em torno das candidaturas de Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Gustavo Fruet (PSDB-PR) sinaliza de que forma eles se apresentarão para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Leia também
Finalmente, o dado de "Brasil real": as armas e os cálculos políticos que estão sendo feitos demonstram que o jogo continuará sendo praticado com as velhas armas do fisiologismo. E que o jogo passou a ser meramente tático. As peças passaram a ser movidas com um único propósito: chegar ao poder.
É como se o poder tivesse virado algo como uma Copa do Mundo. Ele, o poder, virou o objetivo em si. Corre-se atrás dele. Ao conquistá-lo, os políticos comportam-se como atletas campeões: vão a alguma churrascaria comemorar, depois vão dormir e, no dia seguinte, começam a se preparar para a disputa seguinte.
Nesse jogo meramente tático, passou a ser pouco importante o que cada força política pretende fazer quando chegar ao poder. Que projetos têm para o país. O que, de fato, os diferencia dos demais. Afinal, o que aproxima o liberalismo do PFL do comunismo do PCdoB para ter tornado o partido um dos patrocinadores da candidatura de Aldo Rebelo?
Por que a parcela do PMDB que apoiava o governo Fernando Henrique Cardoso quer agora Arlindo Chinaglia como presidente da Câmara? E por que José Serra, o nome que Lula derrotou em 2002, agora torce e trabalhar pela vitória de Chinaglia? Simplesmente porque isso é um passo que eles julgam necessário para concretizar seus planos de poder. Mais nada.
A julgar por esse comportamento dos atores políticos neste início de ano, não é de se estranhar que quase um mês depois de tomar posse Lula ainda não tenha dito o que concretamente pretende fazer com o país. Se estiver agindo como seus colegas, é provável que não tenha parado ainda para pensar muito nisso.
Tornada, assim, a disputa pelo poder mero jogo tático, é por conta disso que a briga pela presidência da Câmara vem retalhando os partidos. Sem nada mais forte que os ligue, esses partidos estão explicitando a diferença dos projetos pessoais daqueles que se julgam em condições de ficar com a cadeira de Lula em 2010, um presidente que não tem um sucessor natural. É aí que o jogo jogado agora vira preliminar da Copa de outubro de 2010.
Abaixo, vamos tentar explicar os principais projetos em jogo:
O PT – O projeto Arlindo Chinaglia é a demonstração mais clara de uma reação petista a movimentos feitos por Lula com o objetivo de alijar o seu próprio partido do centro do poder. Desde o escândalo do mensalão, o presidente conseguiu ser muito bem-sucedido na sua estratégia de se descolar do centro da crise. Ele próprio nada sabia. Ele próprio fora vítima de atitudes do PT. De "aloprados" vinculados à direção do partido. Seja mera estratégia ou verdadeiramente o que aconteceu, o fato é que Lula, objetivamente, sentia-se tutelado demais pelo comando petista no início do seu governo, quando José Dirceu agia com desenvoltura nos corredores do poder. Ao se descolar da crise, Lula imaginou ter criado as condições para fugir dessa tutela. Projetou para si um governo menos petista e mais lulista, no qual ele estaria mais próximo de outros atores, como os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Sarney (PMDB-AP). Clareado o jogo de Lula, o PT reagiu. As várias tendências do partido uniram-se para disputar cada palmo do terreno do poder neste primeiro momento. É aí que nasce a candidatura de Chinaglia. Ela é uma espécie de trégua momentânea entre as tendências para garantir agora a força do partido. Vencida a batalha, elas adiam a disputa interna para um segundo momento.
O PSB e o PCdoB – Se o projeto de Lula era diminuir os espaços petistas, estava aberto aí o caminho para que seus aliados mais próximos ampliassem os seus. Lula não tem um sucessor natural. O PT, muito menos. Com o chamado Campo Majoritário, que domina o comando petista, desgastado pelos escândalos, o partido não tem um nome sequer com viabilidade neste momento para disputar a sucessão de Lula. Já o PSB tem um nome testado em duas campanhas presidenciais, que quase chegou lá pelo pequeno PPS. Para viabilizar Ciro Gomes como o candidato governista, precisa que tenha sucesso mesmo o projeto de diminuir o poder do PT. Por isso, o PSB patrocina a candidatura de Aldo.
O PMDB – Na verdade, o PMDB que se aliou a Arlindo Chinaglia é, na sua maioria, a parcela que não estava com Lula desde o seu primeiro momento. É a turma que esteve no auge no governo Fernando Henrique, que levou o partido a apoiar a candidatura de José Serra e que, assim, ficou marginalizada nos primeiros quatro anos de mandato do presidente petista. A aproximação nas eleições do ano passado, com alianças importantes como a de Geddel Vieira Lima com Jaques Wagner na Bahia, trouxe essa turma de volta ao jogo agora. Caso emplaque Chinaglia, num acordo para assumir o comando da Câmara daqui a dois anos, esse grupo volta a ter influência de fato no PMDB, rivalizando com Renan e Sarney na influência junto ao poder central. O deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS) resumiu isso numa frase depois de fechado o acordo com Chinaglia. "Estamos na jogada", disse ele.
O PSDB – Nunca foi segredo para ninguém que a candidatura de Geraldo Alckmin dividiu o ninho tucano. Ele se articulou internamente para atropelar as pretensões de José Serra. Aécio Neves, no seu paciente estilo mineiro, nunca julgou que a sua vez seria em 2006: jovem, preferia apostar no provável desgaste de Lula no seu segundo mandato e na falta de um sucessor claro na sua base para 2010. Assim, nem Serra nem Aécio moveram grandes palhas para tentar eleger Alckmin. No episódio em que o líder do PSDB na Câmara precipitou-se em anunciar apoio a Chinaglia, nos bastidores moviam-se Serra – de forma mais explícita – e Aécio. Ambos querem deixar pontes estabelecidas com o PT e com Lula, na aposta de que podem se beneficiar da falta do sucessor natural no campo governista. Esbarraram feio naqueles que julgam que o PSDB não tem qualquer chance de vitória se não continuar marcando espaço de forma clara na oposição, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à frente.
O PFL – Calculou que o esvaziamento petista ajuda a embolar o jogo em 2010. O partido saiu machucado das eleições do ano passado. Elegeu apenas um governador (José Roberto Arruda, no Distrito Federal). Praticamente limita assim o seu campo de jogo ao Congresso, onde ainda tem força. Ao patrocinar a candidatura de Aldo, estabelecerá com ele compromissos diferentes daqueles que o presidente da Câmara tinha quando se elegeu pela primeira vez. Com o PFL, se continuar comandando a Câmara, Aldo será um presidente menos comprometido com o Palácio do Planalto. Mais independente. É essa brecha que o PFL tentará ampliar.
* Jornalista há 20 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ e produz o site http://www.rudolfolago.com.br/.
Deixe um comentário