A crise política, as medidas provisórias, o calendário eleitoral e a denúncia contra 69 deputados de envolvimento com a máfia dos sanguessugas levaram a Câmara a bater um recorde negativo de sessões sem votações em 2006.
Nunca os deputados se reuniram tanto em vão. Das 140 sessões deliberativas realizadas pela Casa no ano passado, os parlamentares só conseguiram votar em 24 (17,14%). Em 92 sessões (65,72%), a pauta estava trancada por medidas provisórias (MP). Não houve quorum, ou seja, a presença de pelo menos 257 parlamentares, em outras 24.
As sessões deliberativas são aquelas destinadas a votação. Em geral, são realizadas de terça a quinta-feira. Na segunda e na sexta, salvo casos de emergência, não é exigida a presença dos parlamentares em Brasília, já que as sessões são classificadas como não deliberativas, reservadas apenas a discursos.
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Além de toda a tensão política desencadeada pela sucessão presidencial, também a disposição dos oposicionistas em obstruir a pauta e aprofundar a discussão de projetos polêmicos, como a tímida proposta do governo para o reajuste dos aposentados, fez com que a lentidão do Legislativo alcançasse níveis extraordinários.
Salvando a própria pele
“Nós vivemos um ano de disputa política e crise no Congresso”, resumiu o vice-líder do PT na Câmara Fernando Ferro (PE). Na avaliação do deputado, os parlamentares denunciados pela CPI dos Sanguessugas acabaram se aproveitando do trancamento da pauta para que as investigações não seguissem adiante.
“Líderes dos partidos foram atingidos por denúncias e não tinham clima para se envolver com votação”, argumentou. “O Legislativo já é mais lento do que o Executivo, mas a lentidão agravou-se pela crise política. A Câmara ficou muito acuada. Os envolvidos no esquema dos sanguessugas não queriam votar, queriam salvar a própria pele.” A estratégia parece ter dado certo, pelo menos em parte. Afinal, ninguém foi cassado. Por outro lado, só cinco conseguiram renovar os seus mandatos (leia mais).
Em 2006, o desentendimento entre a base governista e a oposição intensificou-se devido ao calor da disputa eleitoral. Nem sempre o governo, autor da maioria das proposições em análise, teve força suficiente para fazer valer suas decisões. “O problema é que houve uma desarticulação muito grande na Casa”, admitiu o vice-líder petista.
“Mas a oposição teve papel importante na obstrução da pauta aproveitando-se da fragilidade da base. Foram feitas reuniões, acordos foram ensaiados e chegava na hora da votação os acordos eram descumpridos”, acrescentou.
A culpa, no entanto, não foi só da oposição, reconhece o vice-líder do PSB na Câmara Renato Casagrande (ES). Um dos mais fiéis aliados do Planalto no Congresso, o senador eleito debita boa parte da paralisia no plenário à própria base aliada. “A Casa ficou com muita confusão interna e o governo não conseguiu articular bem para que tivesse votação”, destacou Casagrande.
Medida provisória, problema permanente
O elevado número de medidas provisórias enviadas pelo presidente Lula para o Congresso foi outro problema enfrentado pelos parlamentares. Ao longo do primeiro mandato, ele editou 234 medidas provisórias, o que dá uma média de 4,8 MPs por mês. Como mostrou o Congresso em Foco na semana passada, das 178 leis ordinárias sancionadas pelo petista no ano passado, 59 nasceram como medidas provisórias (leia mais).
Com isso, entre 2003 e 2006, seis em cada dez sessões da Câmara ficaram trancadas por MPs. Como elas têm preferência regimental, os parlamentares só podem examinar outras proposições legislativas depois de analisá-las.
“Se houvesse votação em 17% das sessões, mas nas outras estivesse ocorrendo debate, seria positivo. Há uma visão errada de que há necessidade de mudança constante da legislação”, disse o líder do PFL na Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ). “Mas no caso do Brasil não é esse o motivo. Não há votação porque o excesso de medidas provisórias acabou trancando a pauta e faltava acordo para destrancar”, ressaltou.
Apesar das dificuldades para fazer a articulação e para destrancar a pauta, o governo conseguiu votar proposições importantes que estavam paradas na Casa, como a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, a recriação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e a criação do fundo constitucional para a educação básica (Fundeb).
Um 2007 diferente
Para a próxima Legislatura, que terá início no próximo dia 1º, a expectativa dos governistas é otimista. “Acho que já passou essa fase e que há muito espaço para caminhar agora. Sou muito otimista quanto a isso”, afirmou Fernando Ferro. Renato Casagrande tem uma visão semelhante: “Não acho que este ano será igual. Teremos menos tensionamento entre base aliada e governo. O governo deve ter um comando maior sobre a base. Além disso, o Executivo prometeu dar mais atenção à Casa”.
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