Sônia Mossri e Edson Sardinha
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O líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES), reclama da falta de atenção do presidente Lula com o Congresso. Segundo ele, nos três primeiros meses de 2004 o governo se desestabilizou devido à ausência de articulação política. “O time não treinava. E time que não treina não ganha jogo”, observou. Casagrande defende a abertura do gabinete presidencial, no terceiro andar do Palácio do Planalto, para os parlamentares. “O presidente Lula não tem tempo para receber os deputados individualmente. Os outros presidentes recebiam alguns. Ele deveria receber as bancadas dos partidos e os líderes para discutir alguns assuntos, até para fazer a relação com o Congresso, mas ele não faz isso. É um defeito da agenda do presidente”, afirma o ex-vice-governador do Espírito Santo. Leia também No seu primeiro mandato como deputado federal, Casagrande é uma estrela em ascensão na Câmara. Em pouco mais de dois meses como líder do PSB, o novato se mostrou um hábil articulador. Por isso mesmo, seu cartaz está em alta no Palácio do Planalto. Segundo ele, a crise política ensinou ao governo que é preciso ouvir mais a base aliada e a própria oposição. “Nós estamos conversando com os ministros, mostrando a eles que é preciso atender todos os deputados, independente de serem oposição ou situação. Essa relação é uma característica da democracia, que exige parceria do Executivo com o Legislativo”, diz o deputado. Passados quase dois meses desde o surgimento do caso Waldomiro, só agora a base governista começa a acertar o passo, segundo o líder do PSB. Antes do deputado Professor Luizinho (PT-SP) ser escolhido oficialmente líder do governo na Câmara, Casagrande se mostrava confiante na recuperação da capacidade de articulação do Palácio do Planalto. Congresso em Foco – Já temos quase 50 dias desde o início da crise política e a articulação do governo no Congresso continua confusa. Como o senhor vê isso? Renato Casagrande – Começamos um entrosamento melhor desde a reunião promovida na casa do presidente João Paulo (em 24 de março) entre os líderes dos partidos com alguns ministros. Todos foram claros ao constatar a falta de articulação, a necessidade de a base aliada se reunir e discutir em conjunto suas ações e ao criticar a ausência do governo na articulação política com os seus aliados. De lá pra cá, o avião começou a embicar. Os três primeiros meses foram um período em que o governo se fragilizou, o que foi motivado principalmente pela deficiência na articulação. O time não treinava. E time que não treina não ganha jogo. "Os três primeiros meses foram um período em que O que melhorou nesse quadro? O sinal da melhora já foi dado. Votamos a MP dos Bingos e matérias nem tão polêmicas, como o segundo turno da Cide, a medida provisória da Agência Nacional de Águas e o Plano Plurianual na Comissão Mista de Orçamento. A base aliada já se posicionou muito mais articulada no plenário, respondendo à oposição, colocando os feitos do governo. O governo também se movimentou, lançou a política industrial, tecnológica e de comércio exterior, e está anunciando verbas para a reforma agrária. Está começando a execução orçamentária, mobilizando-se para sair da inércia em que ficou nesses dois meses e meio. Por que houve essa inércia? A população compreendeu que 2003 foi o ano que Lula teve para ajustar os indicadores econômicos e dar credibilidade ao país. A população esperava um início de 2004 com sinais de melhoria na economia e no combate ao desemprego. A crise do Waldomiro frustrou essa expectativa e interrompeu o fluxo de otimismo, deixando transparente aos olhos das pessoas aquilo que estava camuflado pela expectativa positiva: o desemprego, que é o maior problema da população. "A crise do Waldomiro interrompeu o fluxo de otimismo, deixando transparente aos olhos das pessoas aquilo que estava camuflado: o desemprego"
Isso ainda não dá para avaliar. Nós estamos conversando com os ministros, mostrando a eles que é preciso atender todos os deputados, independente de serem oposição ou situação. Essa relação é uma característica da democracia, que exige parceria do Executivo com o Legislativo. O governo Lula ficou insensível na relação com o parlamento. É uma crítica que a gente faz a boa parte dos componentes do governo. Há uma orientação do presidente Lula e dos ministros Aldo Rabelo e José Dirceu para que os ministros estejam abertos a essa relação política com os 513 deputados federais. Se ainda não mudou, vai mudar a partir de agora, com certeza. "Nós estamos conversando com os ministros, mostrando a eles que é preciso atender todos os deputados, independente de serem oposição ou situação" Liberação de verbas, que não sejam transferências constitucionais para estados e municípios, neste ano eleitoral, têm de ser feitas até 2 de julho. Os parlamentares apresentaram emendas e têm um prazo pequeno para a liberação. Não havia um acordo para implementar isso? Há um acordo de execução orçamentária. O governo publicou na quinta-feira (1º de abril) um decreto da execução financeira do orçamento. A coisa está andando e começam a ser executados os restos a pagar de 2003 para os projetos que estiverem regularizados. Muitas vezes, porém, o problema não é do governo federal, mas do município, que não apresenta documento para o projeto. A partir do compromisso reafirmado para a execução orçamentária, o governo começou a liberar o financeiro, não só para atender as emendas parlamentares, mas para fazer os investimentos de R$ 11,5 bilhões previstos no orçamento. Todos os ministérios já estão autorizados a executar o orçamento. O Ministério da Saúde, por exemplo, já estava executando antes. Esse processo já está em andamento, em velocidade razoável. "Muitas vezes, o problema (do bloqueio de verbas) O que pode ser votado ainda em 2004, um ano comprimido pelas eleições? Vamos concluir a reforma previdenciária e votar, em abril, a Medida Provisória (MP) do Salário Mínimo, que ainda não foi discutida com o Congresso. Vamos discutir as reformas sindical e judiciária, a regulamentação das agências reguladoras e o projeto de inovação tecnológica. Não creio que iremos debater a reforma política em 2004, mas temos uma pauta consistente com mérito elevado para debater, fora as matérias do dia-a-dia. Líderes de partidos da base aliada têm reclamado que não são recebidos pelo presidente Lula, diferentemente do que ocorria com os presidentes Sarney, Collor e Fernando Henrique. Ele passará a receber parlamentares? O presidente Lula não tem tempo para receber os deputados individualmente. Os outros presidentes recebiam alguns. Ele deveria receber as bancadas dos partidos e os líderes para discutir alguns assuntos, até para fazer a relação com o Congresso, mas ele não faz isso. É um defeito da agenda do presidente. "(Lula) deveria receber as bancadas dos partidos e os
Mesmo que não seja sensível a isso, ele tem de cumprir essa função de presidente da República. Em 2003 ele não fez isso, apesar de ter vindo muito ao Congresso, três ou quatro vezes. Concordo que uma agenda com as bancadas dos partidos e com os líderes da base colabora na relação do Executivo com o Legislativo. Faz bem à democracia e não subjuga nenhuma bancada a qualquer posição do governo. Alguns parlamentares estão reclamando que não têm acesso a informações sobre as ações e os projetos sociais do governo federal. Há um problema de comunicação? Esse não é um problema relevante. Existem outros mais importantes. Em qualquer governo, a área de comunicação é sensível. Acho que a comunicação que falta não é a institucional, mas a dos componentes dos membros do governo para com a base aliada, com o parlamento de modo geral. "A comunicação que falta não é a institucional, O senhor acredita que a série de incidentes criados recentemente pelo próprio governo irá influenciar o resultado das eleições municipais? Ainda é cedo para fazer avaliações. Se o governo, a partir de agora, ajustar-se e apontar ações positivas que dêem resultado para as pessoas, os episódios de hoje ficarão num plano inferior durante o processo eleitoral. Caso o governo, no pior dos mundos, não consiga dar o retorno – acredito que isso não ocorrerá –, esse episódio será levado até as eleições. Não só pelo episódio, mas pela falta de realização do governo. Mas os adversários vão usar isso na campanha, não? Já erramos tudo o que poderíamos nos primeiros meses, porque é a imagem do governo que vai ajudar a eleger e reeleger aliados ou atrapalhar. A partir 2005 começa o processo de discussão da sucessão do presidente Lula. A impressão que se tem é de que, a cada crise, o PMDB se valoriza mais, principalmente nas figuras do presidente do Senado, José Sarney, e do líder do partido, Renan Calheiros. Ainda há espaço maior para o PMDB no governo? O PMDB já tem um papel importante no governo. Não há nenhum acordo, que eu saiba, para o PMDB sair com um candidato apoiado pelo PT ou outro partido de esquerda nas eleições de 2006. Por enquanto, não podemos misturar o apoio do PMDB com o processo eleitoral. O PMDB se tornou um partido muito importante para toda ação do governo, especialmente no Senado, onde o governo não tem a tranqüilidade que tem na Câmara. Lá o presidente da Casa tornou-se muito importante para o governo. É bom lembrar que o governo também apoiou a candidatura de Sarney para a presidência do Senado. A política tem uma via de mão-dupla. O Renan está ajudando o governo, porque a correlação de forças no Senado é muito igual. É por ela e por todos os equívocos dos nossos aliados na Casa que o papel do PMDB acaba se valorizando no Senado. "Não podemos misturar o apoio do PMDB Pessoalmente, o senhor se coloca a favor ou contra a proposta de se modificar a Constituição para abrir caminho para a reeleição dos presidentes João Paulo Cunha e José Sarney? Esse é um assunto polêmico dentro do PSB. Temos uma discussão que vem da época do presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa situação de mudar a regra do jogo no meio dele não é consenso dentro do partido. Não vou manifestar minha opinião pessoal porque sou líder da bancada. Teria de dirigir a posição da bancada nas votações em plenário. Posso dizer que vamos tratá-lo com cautela e isenção para preservar a renovação das lideranças na Casa. Ao mesmo tempo, o partido olha a sua responsabilidade como integrante da base de governo. Temos que mediar essas questões. Temos dificuldades na nossa base na Câmara, mas elas serão muito maiores no Senado, porque aqui o presidente também é do PT. "Essa situação de mudar a regra do jogo no meio O PSB foi o partido da base aliada que perdeu o maior número de parlamentares na Câmara. Não há espaço para que ele cresça? O PSB elegeu 22 deputados. Com a ação de Garotinho, trouxemos mais seis parlamentares na posse. Hoje estamos com 20. Perdemos, portanto, apenas dois deputados até o presente momento. Poderíamos ter uma bancada maior se quiséssemos, mas o partido tem critérios e um elevado nível interno de discussão. Avaliamos muito as posições políticas das lideranças, o que dificulta a vinda de outros parlamentares para o PSB. Agora, na sucessão municipal, teremos 20 candidatos a prefeito nas capitais. O partido tem um componente ideológico firme que ajuda a dar uma coloração político-ideológica ao governo e, ao mesmo tempo, tem perspectivas de crescimento. |
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