Depois de ler mais as 68 páginas de seu relatório, o deputado Cezar Schirmer (PMDB-RS), recomendou, ontem, a cassação do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (veja o voto do relator na íntegra). A votação do texto, porém, foi adiada depois que a petista Angela Guadagnin (SP), tradicional defensora de seus correligionários no Conselho, pediu duas sessões plenárias de prazo para analisar o parecer.
O relator lista dez fatos que incriminariam o petista e comprovariam seu envolvimento no esquema de financiamento ilícito montado pelo publicitário Marcos Valério de Souza. Os parlamentares consideraram consistente o texto de Schirmer, que sustentou o pedido de cassação em dois pontos: tráfico de influência e falta com a verdade. João Paulo é um dos 11 deputados acusados pelas CPIs dos Correios e do Mensalão de receber R$ 50 mil das contas do empresário mineiro.
O relatório menciona que em 3 de setembro de 2003, João Paulo recebeu Valério na residência oficial da presidência da Câmara. No dia seguinte, a mulher do parlamentar foi ao Banco Rural em Brasília e retirou R$ 50 mil da conta do empresário.
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Duas semanas depois, a SMP&B, uma das agências de Valério venceu licitação para prestar serviços de publicidade à Câmara. O relator também citou o intenso relacionamento entre os dois e a participação do petista em “várias subcontratações indevidas das empresas de Marcos Valério pela Casa”.
Outro agravante, segundo Schirmer, foi o fato de João Paulo, assim que teve o seu nome relacionado ao valerioduto, dizer que sua esposa havia ido ao Banco Rural apenas para reclamar de erros na conta de tevê a cabo. Dias depois, ele mudou a versão. Admitiu ter recebido recursos das contas de Valério. Porém, ressaltou que o dinheiro fora utilizado para pagar pesquisas durante as eleições municipais de 2004 em Osasco, na Grande São Paulo.
O relator afirmou que João Paulo "mentiu" ao explicar o motivo do saque e que recebeu os recursos "na mais absoluta clandestinidade" e para uso próprio: "O representado colocou seu interesse à frente do interesse público". O peemedebista apontou conflito de interesse no fato de Valério ter feito a campanha do petista a presidente da Câmara no início de 2003 e, no final do mesmo ano, ter ganhado a conta da Casa. Ele presenteou o petista com uma caneta Mont Blanc e sua secretária com uma viagem.
Schirmer disse que, de todos os processos analisados até agora pelo Conselho de Ética, o caso do petista é o que tem mais fatos materiais contra o acusado. De acordo com o relator, não é crível que a contratação da SMP&B para auxiliar na campanha para a presidência da Câmara e o café da manhã realizado na residência oficial de João Paulo na véspera do saque dos R$ 50 mil não tenham nenhuma relação.
João Paulo argumentou que sacou o dinheiro por orientação do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e, por isso, não tinha como saber que os recursos teriam saído do valerioduto. O ex-presidente da Câmara disse que há mais de um mês sente-se condenado e que vai levar a cicatriz do processo pelo resto de sua vida. “Nunca passei tamanho constrangimento. Não desejo isso para ninguém, nem para quem mereça”, afirmou.
Pouco antes da reunião, a deputada Angela Guadagnin disse que não encaminharia pedido de vistas ao relatório de João Paulo. Após a leitura do parecer, ela foi a primeira a tomar a palavra reafirmou sua intenção de não adiar a votação, para atender um pedido do próprio colega petista. “O João Paulo pediu que não solicitasse vistas. Então, contrariando a minha vontade, não vou pedir vistas”, afirmou.
Porém no final, ao encerrar seu aparte, a deputada mudou de idéia e solicitou o adiamento da votação. O pedido gerou protestos dentro do Conselho. O deputado Edmar Moreira (PL-MG) criticou a parlamentar por ter mudado de idéia. “É extemporâneo (o pedido de vistas)”, declarou. Angela afirmou, no entanto, que havia pedido vistas no começo de sua fala, mas nenhum parlamentar percebeu.
Mais tarde, em nota, João Paulo criticou o texto de Schirmer. Disse que o relator elaborou um parecer “parcial e partidário”, e reafirmou desconhecer a origem do dinheiro sacado.
“As três partes essenciais do relatório, objeto efetivo da apuração, foram apresentadas com parcialidade e, em alguns momentos, partidarizadas. O saque no Banco Rural, a sua justificativa e o contrato entre a Câmara dos Deputados e a empresa SMP&B não contém nem contradições, nem irregularidades, muito menos mentiras ou ilicitudes”, afirmou o deputado.
Schirmer rebateu as críticas do colega. “Queria (que João Paulo mostrasse) apenas uma linha do meu relatório que pudesse parecer partidária”, afirmou o relator. “Ele tem que responder a atos, fatos e documentos”, continuou.
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