Rodolfo Torres
Entidades e parlamentares envolvidos com a defesa do meio ambiente consideram temerária a abertura da exploração da energia nuclear para o setor privado. A proposta também é vista com desconfiança pela Eletronuclear, subsidiária da Eletrobrás responsável pela construção e operação das usinas nucleares do país.
Em entrevista ao Congresso em Foco, o chefe de gabinete da presidência da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, classificou a PEC como “prematura” e com “poucas chances de ter sucesso”.
Na avaliação dele, é necessário, em primeiro lugar, que a iniciativa privada tenha certa experiência no setor, que poderia se dar por meio da participação acionária (minoritária) em usinas nucleares.
“Na legislação atual não existe nada que impeça a participação privada na administração das usinas”, ressaltou. Leonam apontou riscos, que não dizem respeito à segurança, para a iniciativa privada assumir, caso venha a entrar nesse mercado. “São riscos regulatórios. A obtenção de licença pode demorar muito”, explicou.
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Já a coordenadora da campanha antinuclear da organização ambiental Greenpeace no Brasil, Beatriz Carvalho, acredita que a mudança na legislação pode implicar riscos para a segurança dos brasileiros. “Somos totalmente contra”, adiantou.
Outras fontes
Ela ressalta que “o Brasil tem grande capacidade de gerar outros tipos de energia”, notadamente a eólica (proveniente dos ventos) e a solar. “Não é viável para um país como o Brasil, que tem fontes de energia limpas e seguras, produzir material nuclear e armazená-lo por milhares e milhares de anos”, afirmou.
Beatriz também critica os altos custos para a produção desse tipo de energia, além do método de isolamento dos resíduos nucleares. “O armazenamento do lixo nuclear é absolutamente inseguro”, destacou.
Falta fiscalização
Para o deputado Edson Duarte (BA), vice-líder do PV na Câmara, a proposta apresentada por Alfredo Kaefer (PSDB-PR) é uma “temeridade”. “Do ponto de vista da segurança e da fiscalização nuclear, as falhas são gritantes”, afirmou. Como exemplo, o congressista cita a ameaça do terrorismo, que pode se valer de material nuclear para fabricar armas.
“Oficialmente não existem fiscais nucleares. A segurança e a fiscalização funcionam na base do improviso”, destacou.
O parlamentar colaborou na elaboração de um relatório intitulado “Fiscalização e Energia Nuclear”, produzido pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
O documento concluiu que “a estrutura atual da área de radioproteção e segurança nuclear no Brasil apresenta riscos inerentes para a população e o meio ambiente em função da segregação das funções de regulação, definição de política nuclear e condução das atividades operacionais”.
“Inexiste um grupo de servidores públicos com atribuição de auditoria e fiscalização na área nuclear claramente enunciado em lei como ‘fiscais de fato’. Hoje há um completo desvio de função, sendo enquadrados na carreira de Ciência e Tecnologia. Isto é, a atividade de fiscalização da radioproteção e segurança nuclear não é reconhecida formalmente pelo governo brasileiro. Legalmente, a fiscalização é realizada sem fiscais”, complementa o relatório.
“Entregar essa atividade ao setor privado é algo que consideramos de alto risco”, afirmou o vice-líder do PV.
Representando a prefeitura de Angra dos Reis em audiência pública no ano de 2005, organizada pelo grupo de trabalho que organizou o relatório, o secretário municipal de Meio Ambiente, Mário Márcio, afirmou: “Se pudéssemos voltar tempos atrás, certamente não permitiríamos a colocação das usinas nucelares aqui. O fato é que elas estão aqui, resta apenas tentar conviver da melhor maneira possível e a mais segura possível”.
Sem risco de sucesso
Para o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que também é especialista na questão energética, a proposta do deputado tucano não será aprovada. O petista argumenta que existe uma posição bastante clara do governo federal em relação ao uso "inerente" da energia nuclear por parte do Estado. "Como diz um amigo meu: ‘Não há o menor risco de sucesso’", brincou Delcídio.
Energia inevitável
Professor de física nuclear do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB), Oyanarte Portilho não vê problema em abrir o setor para iniciativa privada, uma vez que usinas hidroelétricas já deixaram de ser monopólio governamental.
“Se a iniciativa privada não pegar dinheiro do governo depois, é saudável”, afirmou o especialista. Questionado sobre a segurança da atividade, tendo em vista que o contato com material nuclear é altamente nocivo à saúde, Portilho afirmou: “Perigo existe em tudo o que o homem faz”.
Ele explica que, com o crescimento do consumo energético, aliado às grandes dificuldades para a construção de novas hidrelétricas, o aumento da utilização da energia nuclear será inevitável. Caso contrário, haverá racionalização. “Vai chegar a um ponto em que não vai ter mais opção”, afirma.
Portilho ressaltou que a participação privada no setor nuclear já ocorre em países como França e Estados Unidos. De acordo com o físico, caso o Brasil venha a abolir o monopólio estatal da energia nuclear, apenas a parte civil e administrativa será feita no país. “Não existe tecnologia no Brasil para construir reatores”.
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