Não é de hoje que a sociedade vem cobrando – muito enfaticamente, até – uma maior responsabilidade de políticos e gestores públicos no trato com os recursos arrecadados dos cidadãos por meio de impostos e taxas. E cobra-se também das instituições de Estado de fiscalização e controle um maior rigor na auditagem da execução de valores que frequentemente alcançam a casa dos bilhões de reais.
Desde o fim do ano passado, um novo capítulo dessa luta foi inaugurado, quando o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Julio Marcelo de Oliveira, solicitou a abertura de uma inspeção nas contas federais, para averiguar se o Tesouro Nacional estava atrasando deliberadamente os repasses de recursos para bancos e autarquias. Esse procedimento, ilegal e imoral, é feito de forma a melhorar artificialmente as contas públicas, dando a aparência de que o governo federal possui mais reservas em caixa do que a realidade. São as famosas “pedaladas fiscais”.
Numa série de entrevistas recentes (aqui e aqui), o procurador defende uma punição rigorosa para os responsáveis por essas ações, de forma a coibir novos casos do tipo. Ele vai além e afirma que tais “pedaladas” foram executadas com objetivo de ganho eleitoral, o que tem implicações dramáticas para o governo da presidente Dilma. Afinal, pela atual Lei de Responsabilidade Fiscal, bancos não podem financiar o poder público, exatamente o que aconteceu. Ao governo federal, foram dados 30 dias para que a situação seja explicada.
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Esse caso é um bom exemplo de que, no que se refere ao poder público, leis e punições somente serão eficientes e realmente preventivas se a questão da moralidade pública estiver bem consolidada. Do contrário, sempre se pode dar uma desculpa legalista qualquer e pronto. “Se é legal, então está ok” não pode mais ser nosso parâmetro de lisura pública.
E é por isso que os cidadãos mais conscientes e atuantes devem cada vez mais se pronunciar e contribuir para o debate público com propostas de políticas públicas objetivas e eficientes, compartilhamento de experiências nas mais variadas áreas e incentivo a que outros façam o mesmo.
No caso das pedaladas fiscais, por exemplo, Gustavo H. B. Franco, respeitado economista, acaba de gravar um videodepoimento revelador aqui para o nosso programa Agentes de Cidadania. Para Gustavo, “a inflação, os juros altos e o endividamento público excessivo são todas expressões de um mesmo problema. Numa democracia madura, esse tipo de problema se resolve no âmbito do orçamento. Fizemos no passado uma lei de responsabilidade fiscal que não tratou deste assunto. Tratou de limites de endividamento para entes da federação, e não para a União. Ficou o trabalho pela metade. A sociedade ainda não discute com transparência quanto gasta, quanto arrecada e de quem. Não é à toa que estamos às voltas com o problema das pedaladas. São formas espúrias de contornar ou burlar as limitações que as leis estabeleceram. É preciso fazer a segunda metade do trabalho: deliberar de forma transparente no Congresso sobre o nascimento do gasto para quem, por quem, que imposto, quanto e como“.
Cabe aos cidadãos não só apoiar ações de procuradores como Julio Marcelo, mas também fazer a sua parte, que é a de cobrar dos parlamentares uma agenda realmente voltada aos interesses da sociedade. Uma agenda que deve abarcar temas como instrumentos para maior transparência de execução dos orçamentos públicos, o “recall” político, a independência das instituições de Estado dedicadas à fiscalização e controle, e tantos outros que sequer chegam às manchetes dos noticiários. E não ficar apenas andando em círculos com pautas como maioridade penal, isenção de taxas para idosos, ampliação de recursos para estados e municípios, registro de defensivos agrícolas ou prazo para fim de lixões.
Não podemos nunca nos esquecer de que o poder público tem batido recorde após recorde na arrecadação de impostos. Valores que chegaram a um trilhão e meio de reais em 2014. Não é pouco. Vamos mesmo continuar deixando as raposas tomando conta do galinheiro?
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