Após uma semana recluso, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reapareceu ontem em público, em São Paulo. Ao ressaltar várias vezes que a economia não será afetada pela crise política, ele atribuiu o que chamou de inferno pessoal às eleições. O ministro admitiu ter cometido erros e disse que, enquanto a economia está “no céu”, ele está vivendo “no terceiro ou quarto círculo do inferno de Dante”.
Na clássica obra A divina comédia, de Dante Alighieri, o quarto círculo é aquele no qual desfilam os avarentos, que empurram pesos enormes. O círculo anterior diz respeito à gula.
Palocci falou que tem evitado a imprensa porque não pode debater “todo tipo de acusação baixa e ofensa que aparecem no jogo político”. “Para certas pessoas, não há limite entre investigar e perseguir”, afirmou o ministro.
“Não posso como ministro da Fazenda participar da discussão de baixarias. É por isso que nessas horas eu me recolho”, justificou. “A política não pode atingir a vida pessoal de ninguém.” Palocci não disse diretamente se fica ou não no governo.
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Sumido desde que o caseiro Francenildo Santos Costa declarou que ele freqüentava uma casa alugada em Brasília para realização de festas com garotas de programa e distribuição de dinheiro de origem desconhecida, Palocci almoçou com empresários na Câmara Americana de Comércio (Amcham), na posse do conselho de administração da entidade. Em depoimento à CPI dos Bingos, o ministro disse que jamais visitara a mansão do Lago Sul.
Segundo Palocci, apesar de todas as especulações em torno de seu nome e do “recrudescimento do conflito político”, a economia dá sinais de solidez, já que os indicadores econômicos seguem favoráveis. “A política cobra seu preço. Não penso que ela vai abalar os fundamentos da economia. Mas é fundamental que as instituições do país funcionem bem.”
Veja os principais trechos do discurso do ministro:
Inferno dantesco
“Como é possível uma economia que está no céu e um ministro da Fazenda que está no inferno, no terceiro ou quarto círculo do inferno de Dante (Alighieri, autor de A divina domédia? Isso é possível porque a economia brasileira começa a ganhar maturidade (…) e isso não é só do meu período, foram vários esforços que permitiram ao Brasil atingir um grau de profundidade que suas políticas se tornam mais permanentes do que as pessoas”.
Crise e economia
“É verdade que a política está cobrando o seu preço, a política está recrudescendo. Não penso que isso vá prejudicar a economia. Mesmo nos momentos de mais tensão política, como no ano passado, não tivemos desarranjos do processo econômico. Mas, de qualquer forma, o bom funcionamento das instituições é fundamental para que o país caminhe bem.”
Entre a investigação e a perseguição
“Sou político, (…) não me recuso a falar sobre as coisas que me envolvem, mas, às vezes, o que faz parte da política chega a um nível de exacerbação exagerada. Algumas pessoas não têm limites entre investigar o que é justo e o que é perseguir. Essa é uma questão que está presente no atual momento de conflito no Brasil e nós precisamos de serenidade. Caso contrário, corremos o risco de ter uma eleição muito agressiva, que vai acabar agredindo o eleitor em vez de oferecer a oportunidade de debater democraticamente diferentes programas para o Brasil.”
Acusações baixas
“Disseram nesta semana que eu me afastei da imprensa. Quero que vocês compreendam que não posso, como ministro da Fazenda, debater todo tipo de acusação baixa e ofe1nsas. Não posso. Sempre que essas coisas acontecem, eu me silencio um pouco, mas não deixo de fazer os meus compromissos. Não posso fazer do Ministério da Fazenda um debate desses temas.”
Mea culpa
“Neste período de crise, houve erros de todas as partes. Eu não sou daqueles que acham que só a oposição está errada. O governo cometeu erros, o partido cometeu erros, eu certamente cometi erros, e todos nós temos de pagar pelos erros que cometemos, mas não se pode transformar o debate político numa crise sem fim, em agressões a vidas pessoais. Não se pode permitir que a política atinja esse nível. Mas, quando chega a isso, me afasto.”
Imprensa
“A imprensa brasileira é dinâmica, é aberta, é democrática, faz bem ao Brasil, mesmo quando ela briga conosco. (…) Porém, alguns colegas de imprensa precisam prestar atenção no que dizem porque ofendem pessoas, agridem famílias.”
Empresários aprovam discurso de Palocci
O primeiro discurso em 11 dias do ministro Antonio Palocci agradou aos empresários que foram ontem à sede da Câmara Americana do Comércio (Amcham), em São Paulo.
Na avaliação do presidente da American Express e do Conselho de Administração da Amcham, Hélio Magalhães, Palocci acertou ao destacar que a economia do país não vai ser contaminada pela crise política. “Foi a mensagem mais importante e o que queríamos ouvir: a economia não vai sofrer com a crise política”, declarou.
Mais importante do que a permanência de Palocci no governo, segundo Magalhães, é a continuidade do crescimento econômico e da geração de empregos. “Não quero falar em hipóteses sobre a saída de Palocci. O importante é que parece que a economia está no rumo certo”, afirmou.
O vice-presidente da Sherwin Williams, Mark Pitt, destacou que o discurso do ministro era “previsível”, ao indicar que o país manteria a rota de crescimento econômico em qualquer circunstância. Pitt acrescentou que não viu o discurso como uma despedida. “Entendemos que qualquer troca de ministro seria muito ruim num período eleitoral”, ponderou.
O empresário Sérgio Haberfeld, ex-presidente Dixie Toga, pensou o contrário. “Para mim, o discurso de Palocci soou como uma despedida”. Haberfeld, no entanto, foi enfático ao defender o ministro. Mas disse que uma eventual mudança no ministério não deve trazer grandes impactos à economia. “Felizmente, graças a Deus, podemos hoje ter a saída de um ministro e isso não fará diferença, não mudará nada.”
“Palocci foi brilhante e é triste termos uma tentativa de envolver a política com a economia. O ministro Palocci reconheceu que o trabalho de estabilização da economia foi iniciado pelo ex-ministro Pedro Malan, e, além disso, indicou estar pensando no Brasil e não em partido”, avaliou.
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