O Congresso Nacional finalmente aprovou, no final da noite de ontem, o projeto da lei orçamentária para 2006. A matéria foi aprovada pelo chamado voto de liderança. Ele ocorre quando os líderes partidários votam em nome de suas bancadas, mediante o compromisso comum de que ninguém pedirá verificação de votação (que obriga os parlamentares a votarem individualmente) ou de quorum.
Para aprovar o projeto, o PFL exigiu a liberação de recursos federais para a construção de uma ponte em Aracaju (SE). O governador sergipano, João Alves, convenceu os correligionários de que seu estado tem sido discriminado na distribuição de verbas orçamentárias da União. O governo cedeu. Garantiu o repasse de R$ 80 milhões, em negociação na qual o novo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, exerceu pela primeira vez o papel de interlocutor do governo com o Congresso.
Não foi uma tarefa fácil. O Ministério da Fazenda fez restrições, alegando que Sergipe está em falta com a Lei de Responsabilidade Fiscal: gasta mais do que poderia com o funcionalismo. A solução foi dar um prazo de oito meses para o estado fazer as adaptações necessárias e se reenquadrar na lei. Assim, atingirá seu objetivo: contratar financiamento com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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Concessões garantiram acordo
A sessão do Congresso, encerrada pouco depois das 23h, foi antecedida de vasta troca de acusações entre oposição e governo. Este acusando aquela de inviabilizar a administração federal, por dificultar a aprovação do orçamento. A oposição, anunciando que acionará judicialmente o Executivo por autorizar a realização de despesas orçamentárias por meio de medidas provisórias.
O presidente Lula já editou nove MPs na área orçamentária desde o início do ano. E só desistiu de publicar a décima, liberando R$ 24 bilhões (mais de R$ 20 bi para as estatais), por causa da ameaça dos líderes oposicionistas de dificultar a votação do orçamento.
Mas tudo terminou em acordo. Não foi só o estado de Sergipe que saiu ganhando. A aprovação da matéria exigiu outras três concessões. Duas delas patrocinadas pela oposição: a liberação de recursos para os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, e R$ 181 milhões em investimentos nas áreas de educação e saúde na Bahia (cidade e estado administrados pelo PFL). O governo baiano, apoiado pelo partido, pedia inicialmente R$ 400 milhões para um projeto de irrigação, mas não foi atendido.
A terceira concessão foi uma reivindicação de toda a bancada do Amazonas: dinheiro para a construção do gasoduto de Coari-Manaus. Serão liberados R$ 100 milhões da Petrobras. O valor está reservado no orçamento da estatal, mas só será liberado após as empreiteiras reestimarem os valores cobrados para a construção do gasoduto, que estariam superfaturados.
Antes, o governo fechou um entendimento com os governadores, aumentando em R$ 1,8 bilhão os recursos destinados à compensação das perdas sofridas com a isenção do ICMS (principal tributo estadual) às exportações. Também aí houve burburinho. Semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou suspenso o acordo porque, mais uma vez, a votação do orçamento havia sido adiada. Os governadores ensairam uma rebelião, e Lula determinou a Mantega que voltasse atrás, honrando o que fora acordado.
Poucos investimentos
Agora, o projeto de orçamento será encaminhado à sanção presidencial. Ao sancioná-lo, o presidente pode fazer vetos.
O orçamento prevê uma receita líquida federal de R$ 455,6 bilhões. Os gastos com pessoal, incluindo encargos sociais, estão previstos em R$ 104 bilhões. Outros R$ 162 bilhões se destinam aos benefícios pagos pela Previdência Social. As transferências obrigatórias aos estados consumirão mais R$ 90 bilhões.
A previsão de investimentos para a administração direta federal é de apenas R$ 21,2 bilhões. Mesmo assim, o valor é 48% maior do que o previsto no projeto original do governo. A maior parte dos recursos será direcionada para infra-estrutura urbana, turismo e saúde.
Para elevar o valor dos investimentos, o Congresso reestimou em R$ 15,6 bilhões as receitas em relação ao projeto original enviado pelo Executivo. Esse reforço também tornou possível o aumento do salário mínimo de R$ 300 para R$ 350, o reajuste do funcionalismo público – para que todos tenham no mínimo 29% de aumento – e a correção da tabela do Imposto de Renda.
O governo se colocou contrário à reestimativa e já antecipou que deve contingenciar de R$ 10 a R$ 15 bilhões do orçamento.
Lances decisivos
Um dos personagens centrais do epílogo dessa longa novela que foi a análise legislativa do orçamento federal de 2006 foi o governador João Alves (PFL). Ele vinha tentando negociar com o Tesouro uma solução para liberar a operação de crédito há tempo, mas a área técnica do governo se mantinha irredutível.
“Sou vítima de uma armadilha montada para nos destruir”, reclamou João Alves nesta terça-feira, ao chegar de jatinho em Brasília. Antes de conseguir o que queria, ele se reuniu com vários parlamentares e com Tarso Genro.
“O orçamento está parado por causa de uma ponte”, espantou-se o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), durante as horas de negociação.
Com o acordo fechado, a oposição retirou a obstrução e permitiu a aprovação do texto. “Por mais que (o orçamento) tenha defeitos, fizemos o que era necessário. Hoje o país tem o seu orçamento”, afirmou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM).
O governo culpa a oposição pelo atraso na votação da proposta orçamentária, o maior desde 1994. Mas ele se deveu em grande parte à desarticulação da base governista no Congresso. Embora contasse com maioria na Comissão Mista de Orçamento, o governo teve que negociar com a própria base aliada para garantir a aprovação do texto ainda na comissão.
As discussões no colegiado se arrastaram por três meses. É de praxe que o orçamento seja aprovado na última semana de dezembro, mas o texto só foi votado na comissão em 30 de março.
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