Em mais um dia de turbulência política para o governo no Congresso, a oposição anunciou ter conseguido número de assinaturas suficiente para instalar uma comissão parlamentar mista de inquérito destinada a investigar denúncias de corrupção nos Correios. Segundo os oposicionistas, 38 senadores e 183 deputados assinaram o pedido de investigação, que deve ser protocolado hoje. Líderes governistas vão trabalhar para convencer alguns dos parlamentares a retirarem suas assinaturas do requerimento.
Reportagem da revista Veja denunciou a existência de um esquema de cobrança de propina na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, supostamente operado por funcionários indicados pelo presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ). Lideranças do governo tentaram, ao longo do dia, em vão, convencer os aliados a não assinarem o requerimento, sob o argumento de que a denúncia se referia a um caso isolado de corrupção e que a exploração do episódio pela oposição traria prejuízos ao país.
“A mim preocupa que esse fato tome proporções políticas inimagináveis. Por causa de um chefe de setor vamos falar de corrupção em todas as estatais? Em queda de ministro? Devagar com o andor que o santo é de barro”, criticou o líder do PT no Senado, criticou Delcídio Amaral (MS).
“Em todas as questões envolvendo corrupção no governo, o governo age imediatamente, demitindo a pessoa e aprofundando as investigações. A CPI é um instrumento que a oposição usa contra o governo”, acrescentou o líder do PT na Câmara, Paulo Rocha (PA).
Nem mesmo o discurso feito ontem em plenário pelo presidente do PTB amenizou o tom das críticas da oposição ao governo. Deputados da ala mais à esquerda do PT assinaram o pedido de instalação da CPI. O próprio vice-presidente da República, José Alencar, manifestou apoio à criação da comissão parlamentar. “É uma decisão do Congresso, mas, se ainda fosse senador, eu assinaria. Sempre fui a favor de CPIs”, disse, ao ressaltar a necessidade de evitar o prejulgamento de Jefferson.
A oposição acabou recuando da intenção de estender as investigações a outras estatais, além dos Correios. O fato determinante para a instalação da CPI é a gravação em que o ex-chefe do Departamento de Contratação de Materiais da ECT Mauricio Marinho aparece embolsando R$ 3 mil em troca de favorecimento a uma empresa. Na fita, Marinho diz participar de um esquema coordenado pelo presidente do PTB.
"O fato concreto é tentar pegar os Correios. Se, no decorrer das investigações, aparecerem outros fatos, outras quadrilhas, faz-se um aditamento", disse o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP).
Aliado do governo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pediu cautela aos líderes partidários. Segundo ele, só após o encerramento das investigações sobre denúncias de corrupção nos Correios é que o Legislativo pode decidir se o caso requer instalação de CPI.
“Claro que esse assunto tem mobilizado o país, tem repugnado a nação. Mas as investigações precisam mostrar primeiro se é caso de CPI. Precisam dizer também se é uma rede de corrupção ou se é apenas um funcionário corrupto, fanfarrão, que, para tomar mais dinheiro, diz falar em nome de alguém”, disse Renan.
Roberto Jefferson diz ser vítima de extorsão
O presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), defendeu-se ontem no plenário da Câmara das acusações de que participaria de um esquema de corrupção nos Correios. Em 41 minutos de discurso, alegou ter sido vítima de extorsão, fez ameaças veladas a partidos governistas, apresentou uma carta do pivô das denúncias e defendeu uma CPI para o caso. Em seguida, assinou o pedido de instalação da comissão de inquérito.
Além de negar ser padrinho político de Maurício Marinho, o funcionário dos Correios flagrado cobrando propina de empresários, Jefferson criticou jornalistas e procurou envolver o PMDB no episódio ao dizer que, a pedido do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), recebeu um ex-militar que teria tentado extorqui-lo. Segundo ele, as acusações não têm motivação política, fazem parte de uma vingança tramada por empresários que tiveram seus contratos com os Correios cancelados.
Jefferson diz ter sido procurado, em Belém, no início do mês, por um homem que se apresentou como comandante Molina e um coronel chamado Fortuna, que o teriam chantageado. Eles haviam pedido dinheiro, em troca da fita utilizada por Veja na reportagem do último final de semana.
O deputado também disse ser vítima de preconceito. "Há um preconceito contra mim que eu não consegui quebrar, e é culpa minha. Confesso que no passado eu vendia aquela imagem de troglodita mesmo", disse o deputado, que ganhou notoriedade como líder da “tropa de choque” do ex-presidente Fernando Collor de Mello na Câmara.
Assim que terminou o discursou, o presidente do PTB distribuiu a deputados e jornalistas a íntegra da fita com a gravação em que Marinho é flagrado recebendo dinheiro de supostos empresários. Divulgou também uma carta na qual o ex-funcionário dos Correios o isenta de responsabilidade no episódio e diz ter inventado a relação de amizade com Jefferson.
"Esclareço ainda que não sou amigo íntimo do deputado Roberto Jefferson. Tudo mais que eu possa ter dito não passou de vaidade e de uma maneira de me valorizar profissionalmente", diz Marinho.
O Ministério Público Federal instaurou ontem inquérito civil público para apurar "prováveis atos de corrupção e de improbidade administrativa praticadas" por Marinho e o eventual envolvimento de outros participantes em suposto esquema de corrupção no Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios.
Governistas e oposição divergem sobre defesa
A defesa do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), não convenceu a oposição, mas agradou ao presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), ao ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, e ao líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). “Ele revelou fatos novos. Não me cabe acreditar ou não”, disse Aldo, que acompanhou de perto o pronunciamento do petebista.
“O discurso mostra que tem ainda mais coisas para apurar. Jefferson se diz vítima de chantagem de alguém que o governo não está amparando. E pede a CPI que os líderes governistas não querem. Então o governo é que fica sob suspeição”, disse o líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA).
Opinião semelhante foi compartilhada por deputados da ala mais à esquerda do PT. “Não quero saber de discurso. Quero saber é da apuração. A CPI vai mostrar quem é esse Fortuna, e principalmente, onde está a fortuna”, afirmou o deputado Walter Pinheiro (PT-BA). “Para nós, não há transigência na questão ética. Queremos investigar”, acrescentou Chico Alencar (PT-RJ).
O líder do governo na Câmara se disse convencido da inocência do presidente do PTB. “Jefferson se saiu bem. Nem os opositores mais duros do governo questionam a ética do deputado”, disse Arlindo Chinaglia.
Na avaliação de Severino, o presidente do PTB falou a verdade. “Eu acredito sim (na versão de Jefferson), porque ele falou com tanta alma, com tanta vida; quem fala daquela maneira que ele falou só pode estar falando a verdade.”
Lula se solidariza com Jefferson
O presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), recebeu a solidariedade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante encontro com lideranças da base governista ontem, Lula disse ao líder do PTB, José Múcio (PE), que o governo não fará prejulgamento de Jefferson.
“Diga a ele (Jefferson) que o governo não fará prejulgamento. Aprendi com a vida que não devemos prejulgar”, disse, para, em seguida, emendar: “Nós temos que ser parceiros, e parceiro é solidário com seu parceiro”.
Empresa de amigo de Lula é citada em gravação
No vídeo em que é flagrado pedindo propina, o ex-chefe do Departamento de Compras e Administração de Materiais dos Correios, Maurício Marinho, afirma que uma empresa de informática pertencente a um amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria feito “acertos” com servidores de duas áreas dos Correios para conseguir elevar em R$ 5,5 milhões o valor de um contrato e tentar vencer uma licitação.
Marinho se refere à Novadata, pertencente a Mauro Dutra, amigo do presidente Lula. Ele é um dos principais fornecedores de informática para órgãos do governo federal. Nos últimos dois anos e cinco meses, a empresa de Dutra faturou mais de R$ 273 milhões com as vendas feitas para as empresas estatais e órgãos da administração direta. A Novadata já liderava as vendas de equipamento de informática ao governo antes da posse de Lula. A empresa confirmou a renegociação do contrato, mas negou a ocorrência de qualquer irregularidade no caso.
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