Dilma Rousseff ou José Serra? Qualquer que seja o presidente eleito no próximo domingo, o grande perdedor destas eleições não será a petista nem o tucano: será o eleitor brasileiro. A avaliação é do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante Junior. Para ele, o marketing eleitoral encobriu a falta de propostas das duas candidaturas, intensificou a troca de acusações pessoais e tratou o cidadão como “consumidor” de uma “democracia de consumo”.
“Não se viram programas consistentes, que tivessem até parâmetros do próprio orçamento do Estado. Na tentativa de conseguir votos, a campanha sai com um saldo negativo no que diz respeito a propostas factíveis. A maioria das propostas é para tentar ter votos”, considera o advogado. “Saímos perdendo todos nós, eleitores, a sociedade de modo geral. O debate se tornou apequenado pela postura que os candidatos adotaram, de confronto direto, pessoal, e não pelo confronto de planos, ideias e programas de governo feitos com critérios”, acrescenta.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o presidente da OAB diz que o alento desta eleição foi a Lei Complementar 135/10, a chamada Lei da Ficha Limpa, que restringiu a candidatura de políticos com condenação em órgão colegiado ou que renunciaram a mandato para escapar da cassação. Segundo Ophir, a Ficha Limpa despertou um sentimento que parecia adormecido na sociedade – o de que, por meio da mobilização popular, é possível transformar a realidade e exigir posicionamentos dos seus representantes.
“A gente viu cidadãos de todas as classes discutindo a importância da ética na política. Esta foi a grande revolução que a Ficha Limpa proporcionou a todos nós: uma mudança de olhar, um olhar mais direcionado à ética, à importância da política e da seleção dos candidatos que vão nos representar”, afirma o advogado. A OAB é uma das 48 entidades que fazem parte do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), responsável pela coleta das assinaturas para apresentação do projeto de lei.
Pressão sobre o Congresso
Para Ophir, essa mesma mobilização popular que tornou possível a Ficha Limpa precisa ser canalizada no início da próxima legislatura para a aprovação de uma reforma política e eleitoral. A Ordem vai promover um seminário com diversas entidades da sociedade civil, entre os dias 16 e 18 de novembro, para construir uma proposta de reforma política a ser entregue ao novo presidente da República e ao novo Congresso. O presidente da OAB diz ter ciência de que a proposição só irá adiante se houver pressão permanente da sociedade sobre os parlamentares.
Enquanto a reforma política não vem, o eleitor brasileiro precisa intensificar a fiscalização sobre os parlamentares e romper com o discurso de descrédito generalizado, pelo qual todos os políticos são iguais, defende Ophir Cavalcante. Essa ideia, segundo ele, é contemplada por iniciativas como o Prêmio Congresso em Foco, evento que tem o apoio institucional da OAB.
“O Congresso em Foco tem sido referência para a avaliação dos parlamentares brasileiros. É muito importante continuar prestigiando esse tipo de iniciativa, para que os congressistas, a partir de uma legítima e saudável competição interna, façam o melhor para a sociedade brasileira. Façam mais e melhor para a sociedade”, diz o presidente da OAB. “O prêmio quebra o discurso de que todos são iguais, demonstra que é importante que haja diferenças, sobretudo, quando elas criam uma cultura para melhorar a condição de vida da população brasileira”, acrescenta.
Na entrevista a seguir, Ophir afirma que o Judiciário brasileiro avançou nos últimos anos, mas corre o risco de dar um passo atrás com a ameaça do Supremo Tribunal Federal de esvaziar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com o advogado, o CNJ, órgão de controle externo do Judiciário, precisa prevalecer sobre as quase sempre corporativas corregedorias dos tribunais. “Precisamos mudar a cultura do Judiciário e fazer com que a lei seja aplicada da forma mais efetiva, como a sociedade exige”, defende o advogado paraense, de 49 anos.
Leia a íntegra da entrevista do presidente da OAB:
Congresso em Foco – Como o senhor avalia o nível da campanha para presidente da República?
Ophir Cavalcante – Com muita preocupação. Infelizmente, as campanhas de um modo geral se preocuparam muito mais em vender a imagem dos candidatos do que propriamente em discutir propostas, como se o eleitor fosse um consumidor e estivesse participando de uma democracia de consumo. Isso nos traz preocupação e nos faz continuar na fiscalização, direcionando um olhar crítico em relação ao próximo governo para que sejam cumpridas as propostas, principalmente as políticas sociais.
Faltou grandeza aos candidatos para se sobreporem ao marketing eleitoral?
A partir do momento em que o marketing passou a ter uma preponderância sobre a política de um modo geral – a política concebida dentro de uma grandeza maior –, muito menos se deu ênfase à discussão de programas. Deu-se ênfase muito mais a ataques pessoais. Evidente que uma campanha dessas é tensionada, é sempre nervosa, sempre implica embates, mas embates que não deveriam ser travados no campo pessoal, mas no campo das ideias, das propostas, dos programas. Não se viram programas consistentes, que tivessem até parâmetros do próprio orçamento do Estado. Na tentativa de conseguir votos, a campanha sai com um saldo negativo no que diz respeito a propostas factíveis. A maioria das propostas é para tentar ter votos.
Quem sai perdendo mais?
Saímos perdendo todos nós, eleitores, a sociedade de modo geral. O debate se tornou apequenado pela postura que os candidatos adotaram, de confronto direto, pessoal, e não pelo confronto de planos, ideias e programas de governo feitos com critérios.
Isso reforça o descrédito da sociedade em relação aos políticos brasileiros?
Ajuda a aumentar o descrédito. Creio que, eleito o próximo presidente da República, no próximo domingo, ele deverá ter uma postura republicana, de grandeza, no sentido de resgatar essa imagem e fazer um governo para todos os brasileiros.
Que mérito a Lei da Ficha Limpa teve nesta eleição?
Não tenho dúvida de que a ficha limpa teve o grande mérito de trazer para a sociedade uma discussão que estava restrita a determinados segmentos da sociedade. A gente viu cidadãos de todas as classes discutindo a importância da ética na política. Esta foi a grande revolução que a Ficha Limpa proporcionou a todos nós: uma mudança de olhar, um olhar mais direcionado à ética, à importância da política e da seleção dos candidatos que vão nos representar.
Houve uma pressão popular muito grande em torno dessa lei, seja na coleta das assinaturas, seja na aprovação no Congresso, seja sobre a Justiça depois. É sinal de que a sociedade precisa acordar para outros temas também?
Não há dúvida que sim. A ficha limpa ajudou a sociedade a despertar para o seu poder, o poder de transformar, de cobrar, de exigir daquelas pessoas às quais ela delega poder que cumpram as promessas e os anseios da sociedade brasileira.
Depois da ficha limpa, qual deve ser o próximo alvo da sociedade civil?
A reforma eleitoral. Para nós, é importante que a sociedade discuta o sistema eleitoral, o sistema partidário. A sociedade precisa participar disso, discutir a validade da reeleição ou não, se o voto deve ser obrigatório ou facultativo. A partir da ficha limpa, temos um campo aberto para maior participação popular. Com essa participação popular, haverá pressão muito forte em relação ao próximo presidente da República, ao próximo Congresso, a respeito da importância de se modificarem os atos políticos a partir de uma reforma eleitoral.
Como a OAB pretende se mobilizar nesse sentido?
Já está trabalhando. Entre os dias 16 e 18 de novembro, vamos realizar um seminário em que vamos debater com toda a sociedade civil uma proposta de reforma política para entregar aos próximos presidentes da República e do Congresso, para que essa matéria continue pautada institucionalmente no país, a fim de que possamos enfrentá-la já no primeiro ano de governo. Acreditamos que ela só sairá se for objeto de pressão popular neste primeiro ano. Uma das prioridades da Ordem, em 2011, será exigir do próximo governo a reforma política, juntamente com outras demandas que acontecerão.
Essa reforma política da OAB vai partir de algum modelo específico? Quais são suas bases?
A intenção da Ordem é envolver maior participação popular. Mas isso nós iremos discutir de forma mais aprofundada neste seminário de novembro.
A OAB apoia tradicionalmente o Prêmio Congresso em Foco, que premia os parlamentares que mais bem exerceram o mandato ao longo do ano? Que importância tem esse tipo de iniciativa?
Todas as iniciativas que estimularem o mérito devem ser incentivadas. O Congresso em Foco tem sido referência para a avaliação dos parlamentares brasileiros. É muito importante continuar prestigiando esse tipo de iniciativa, para que os congressistas, a partir de uma legítima e saudável competição interna, façam o melhor para a sociedade brasileira. Façam mais e melhor para a sociedade. O prêmio quebra o discurso de que todos são iguais, demonstra que é importante que haja diferenças, sobretudo, quando elas criam uma cultura para melhorar a condição de vida da população brasileira.
O senhor disse que a reforma política é uma das prioridades da OAB em 2011. No Judiciário, o combate à morosidade é o grande desafio a ser enfrentado?
É preciso fortalecer o Poder Judiciário, buscando cada vez mais a autonomia e a independência do Judiciário. Isso passa também pela autonomia e pelo fortalecimento do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem sido muito importante para a Justiça brasileira nestes últimos cinco anos.
A imagem da Justiça está melhorando no país?
O CNJ tem ajudado a melhorar essa imagem por ter introduzido um item muito importante, que é a transparência do Judiciário. O Judiciário sempre se fechou nele próprio. Era um poder sempre para dentro, e não para fora, para a sociedade. Isso o desacreditava e o afastava cada vez mais do cidadão. A partir do CNJ, houve melhoras significativas. Mas, lamentavelmente, o Supremo Tribunal Federal tem retirado, na questão disciplinar, o poder constitucional do CNJ de analisar diretamente, e não esperar pelas corregedorias, os casos disciplinares mais gritantes envolvendo direções dos tribunais de Justiça.
Em que casos isso ocorreu, por exemplo?
O caso mais emblemático foi em Mato Grosso, onde foram afastados o presidente do tribunal, alguns desembargadores e vários juízes. E o Supremo, sob o argumento de que essa questão ainda não havia sido analisada pela corregedoria interna do TJMT, mandou todo mundo voltar. Ou seja, quem o CNJ já havia punido, com a aposentadoria compulsória. É uma coisa que nos preocupa, porque o Conselho Nacional de Justiça tem constitucionalmente o poder de fazer a avocação de processos em curso. Se ele pode avocar, também pode iniciar processos, que não precisam ser analisados primeiro pelas corregedorias.
Qual o problema de as corregedorias abrirem as investigações?
Porque as corregedorias dentro dos tribunais têm sido extremamente corporativas, não têm cumprido seu papel. Por isso, criou-se o CNJ como controle externo da sociedade. As corregedorias internas dos tribunais falharam e estão falidas. É preciso resgatar a imagem do Judiciário brasileiro no que diz respeito à disciplina e à inexistência de corrupção.
O senhor avalia que o CNJ corre risco?
Se continuarem a retirar esse poder de analisar casos e punir juízes que incorrem em faltas, vão esvaziar o CNJ e tirar sua eficácia constitucional. A sociedade não pode concordar com isso.
O combate à impunidade no Brasil está avançando? É possível dizer que o Judiciário está mais eficiente?
A impunidade é o fermento da corrupção. Enquanto não houver um posicionamento firme do Judiciário no combate à impunidade, seja internamente, seja em relação a outros poderes, nós vamos, infelizmente, continuar com essa descrença da sociedade em relação à Justiça. É fundamental que haja total alinhamento entre o Judiciário e esse reclame da sociedade a fim de que a impunidade deixe de ser um fato para ser alguma coisa que, se cometida alguma falta, a pessoa saiba que vai ser efetivamente punida.
Esse problema pode ser resolvido com mudanças na legislação?
Precisamos discutir a atualização das leis processuais, isso pode ajudar. Mas não será o bastante. O que precisamos é mudar a cultura do Judiciário e fazer com que a lei seja aplicada da forma mais efetiva, como a sociedade exige.
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