Conduzida por alguém que se julgou encarregado de uma missão divina de consertar o mundo, a Operação Satiagraha errou, precipitou-se e cometeu abusos. Mas é verdade também que ninguém nunca enfiara o dedo tão perto do centro do vespeiro. Agora, abusos à parte, as vespas voaram e estão dando as suas ferroadas
Rudolfo Lago*
Primeiro, o que há de absolutamente condenável nessa história. É de uma imensa gravidade que o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, tenha sido alvo de um grampo ilegal, esteja no centro de uma investigação feita sem autorização e sem que se saiba o propósito. Que da mesma forma tenham sido grampeados o chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Igualmente grave que se saiba ao mesmo tempo que a Polícia Federal evitou grampear um secretário nacional da direção do PT, Romênio Pereira, alegando razões técnicas. A explicação de que não se poderia grampear um ramal porque se escutaria as conversas das demais pessoas que usam troncos do mesmo PABX não vale para os telefones do STF e do Palácio do Planalto? O que parece mais provável nessa história toda? Alguém teve receio de grampear o PT (não Romênio, mas o partido), pelas implicações políticas que poderiam vir do gesto. Mas, na mesma instituição (ou em instituições que trabalhavam em conjunto, se o grampo foi feito pela Abin), alguém não viu nada de errado em se bisbilhotar a vida do presidente do STF.
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É um sinal claro de que os instrumentos de investigação de que dispõe o país estão fora de controle. Que os agentes e delegados atuam de acordo com as suas convicções e interesses pessoais. Não pode haver nada de institucional ou orientado na decisão de se preservar Romênio – um personagem menor na hierarquia política do país – e se centrar fogo
Isso tudo está posto aí acima para que não se diga que este blog compactua com essa anarquia policial (anarquia, porque não se pode falar de Estado policial se isso tudo parece acontecer sem muito controle de quem quer que seja). Porque, na verdade, há outro aspecto nisso tudo que me impressiona particularmente. Terminada a Operação Satiagraha, o país assistiu à prisão de um poderoso banqueiro, um dos mais polêmicos personagens surgidos no mundo da economia e da política brasileiras depois da redemocratização. Na mesma semana, um outro banqueiro que se encontrava fugido na Europa deu entrada numa prisão brasileira. Prendeu-se ainda um ex-prefeito de São Paulo e houve ações de busca e apreensão nos escritórios de um empresário de sucesso que ascendera à condição de homem mais rico do país. Do primeiro banqueiro, Daniel Dantas, sabe-se da imensa rede de relações que ele foi construindo ao longo da vida: políticos de vários partidos, advogados de renome, gente no Poder Judiciário.
A Operação Satiagraha foi recheada de equívocos e precipitações. Aparentemente, foi conduzida por alguém que se julgou encarregado de uma missão divina de consertar o mundo com as suas ações. E que, assim, acabou mesmo deixando de lado maiores preocupações com os meios desde que conseguisse atingir seus fins. Mas a verdade também é que nunca antes havia se enfiado o dedo tão próximo do centro do vespeiro. Dos papéis da operação, emanam suspeitas que atingem poderosos em todos os três Poderes. Os abusos cometidos são inaceitáveis. Mas com a licença de deixá-los à parte apenas por um momento, a verdade é que as vespas, incomodadas, voaram e estão dando as suas ferroadas.
A Operação Satiagraha tem uma segunda fase. Crimes financeiros estão sendo investigados. Se crimes aconteceram – e há indícios de que aconteceram –, os responsáveis precisam vir a ser punidos. Se o episódio do grampo no telefone de Gilmar Mendes servir para que se estabeleçam mecanismos de controle sobre a atividade policial e para evitar que ela se oriente por interesses velados e particulares, será ótimo. Mas se servir para tolher e embaraçar as investigações, numa ação conduzida por uma “certa elite” que, nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, “monopoliza a agenda do Supremo”, a anarquia acabará substituída pelo retrocesso.
*Jornalista há 20 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ e produz o site http://www.rudolfolago.blogspot.com.
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