“Os primeiros dados disponíveis para o último ano já indicam a diminuição de mais de 20% do desmatamento [na Amazônia].”
O presidente Michel Temer (PMDB) comemorou dados preliminares sobre o desmatamento da Amazônia, em discurso de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, na terça-feira (19). Segundo ele, números disponíveis para o ano passado mostram uma diminuição de mais de 20% na derrubada da floresta. Ao analisar a informação, o Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública – descobriu que a o indicador é verdadeiro, mas Temer omitiu detalhes que permitem compreender o que de fato ocorreu. Por isso, a frase foi classificada como sem contexto.
A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República foi procurada para indicar a fonte do número utilizado pelo presidente, uma vez que isso não é citado no discurso. De acordo com a pasta, Temer referiu-se a um dado extraoficial da organização não-governamental (ONG) Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Este mês, a entidade divulgou o Boletim do Desmatamento, que faz uma avaliação do período entre agosto de 2016 e julho de 2017.
Houve uma redução de 21% no volume de área desmatada medida pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), de acordo com os dados do Imazon. Entre agosto de 2015 e julho de 2016, foi detectada a destruição de 3.579 quilômetros quadrados. No período que vai de agosto de 2016 a julho de 2017, a soma caiu para 2.834 quilômetros quadrados. Logo, o número usado por Temer coincide com o que foi divulgado pelo instituto. O dado, no entanto, não pode ser considerado como um resultado conclusivo de que a devastação realmente diminuiu.
Isso porque o SAD foi criado para emitir alertas mensais sobre o ritmo do desmatamento. O tipo de informação usada e a metodologia adotada pelo Imazon não permitem fazer uma medição exata do total da área desmatada. As imagens analisadas pelo SAD são captadas pelo sensor Modis, do satélite Terra, da Nasa, e têm resolução de 250 metros. De acordo com a ONG, é possível verificar problemas em áreas de até 10 hectares (100 mil metros quadrados).
Comparação mostra diferenças dos sistemas
Um estudo comparativo publicado em 2011 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – responsável pelos sistemas oficiais de medição de desmatamento – concluiu, no entanto, que o SAD é pouco eficiente para enxergar detalhes em áreas com menos de 25 hectares (250 mil metros quadrados). A análise comparou os dados de agosto de 2008 a julho de 2009 do sistema do Imazon com os do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) e do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), ambos mantidos pelo Inpe. O Deter também faz medições em tempo real a partir de imagens do Modis, enquanto o Prodes usa três satélites, com sensores melhores, e uma metodologia diferente e mais demorada de análise – por isso, é bem mais preciso e fornece os índices anuais de desmatamento usados pelo governo.
De acordo com a análise comparativa, o Prodes conseguiu captar um panorama mais realista da devastação. “É importante destacar que, para as faixas de tamanho de polígonos menores que 0,25 quilômetros quadrados, o índice de confirmação de ambos os sistemas [SAD e Deter] é baixo, justamente onde os polígonos do Prodes somam os maiores valores de área desmatada (60,2% em relação ao total)”, concluiu o estudo.
No início do ano passado, o Inpe melhorou a precisão do Deter, que foi transformado no Deter-B. O Imazon conseguiu aprimorar o processamento das imagens do SAD com a ajuda do Google, mas ainda mantém a mesma fonte de dados e a mesma metodologia. Logo, o sistema ainda tem dificuldade para encontrar desmatamentos menores. Como a ONG afirma que seu objetivo é apontar tendências e emitir alertas, isso não afeta esses dois objetivos. Torna inviável, no entanto, comemorar a queda do desmatamento como fez Temer, com base nos dados do SAD.
O presidente Michel Temer discursa na ONU. Foto: Beto Barata/PR
O Prodes, do Inpe, ainda não divulgou os números oficiais válidos para o período de agosto de 2016 a julho de 2017. Isso deve ocorrer em novembro. Os resultados do ano passado indicaram aumento de 29% no desmatamento em relação ao período anterior, variação mais alta desde 2004.
O próprio Imazon achou prematura a comemoração do presidente Temer. Em nota, a ONG afirmou que o volume de desmatamento em julho deste ano (544 quilômetros quadrados) foi muito semelhante ao detectado no mesmo mês no ano passado (539 quilômetros quadrados). “Isso é um ponto de alerta, pois entre julho e outubro é quando ocorre com maior frequência o desmatamento na região devido à menor incidência de chuvas”, explicou a organização.
Outro problema está nos locais que foram mais afetados. “Novamente as áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas) ficaram em segundo lugar entre as categorias fundiárias que mais desmataram no período”, afirmou a ONG. “Não houve aumento quando comparado com o período anterior, mas a persistência do número elevado de alertas de desmatamento em dois anos seguidos é um ponto de atenção.”
Distribuição dos Alertas de Desmatamento por Categoria 2016/2017 | |||
Categorias Fundiárias | 2016 | 2017 | Variação |
Assentamentos | 584 | 457 | -127 |
Unidades de Conservação | 719 | 553 | -166 |
Terras Indígenas | 43 | 55 | 12 |
Privadas, Posse e Devolutas | 2234 | 1769 | -465 |
Total | 3580 | 2834 | -746 |
Fonte: Imazon
Por Maurício Moraes
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