William Pitt, 1º Conde de Chatham, entrou para a história como um estadista inglês. Nascido aos 15 de novembro de 1708 e falecido aos 11 de maio de 1778, legou-nos uma longa série de reflexões, tão profundas como ainda atuais.
Cativa-me o espírito uma, em especial, que ecoou no Parlamento Britânico nos idos de março de 1763: “O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar”.
Está aí, nestas palavras, o preciso valor do lar de um cidadão: ser seu derradeiro refúgio – seu asilo inviolável, nos termos de nossa Carta Magna, não por acaso denominada “Constituição Cidadã”.
É assim que este “asilo inviolável” somente pode ser alvo da ação do Estado quando verificados requisitos absolutamente concretos, devidamente enumerados pelo Poder Judiciário em uma decisão claramente motivada.
A propósito dos limites de tais decisões, insuperável a advertência norte-americana: “Não podem ser utilizadas como uma licença para buscar qualquer coisa e todas as coisas”.
Pois bem: dia desses li, em um jornal do Nordeste brasileiro, levantamento sobre operações policiais realizadas em alguns bairros pobres daquela região, nos não tão distantes idos de 2014: “Na primeira operação, com 488 policiais, foram revistadas 233 casas, resultando quatro prisões. Seguiram-se outras duas operações, em que 320 casas foram inspecionadas, com a apreensão de uma submetralhadora de fabricação artesanal (?) e a descoberta de uma rinha de galos”.
Fico a imaginar os termos de uma notícia narrando operação similar, porém em regiões nobres. Seria algo assim: “502 policiais cercaram um elegante bairro, buscando combater os crimes de tráfico de drogas, sonegação e corrupção. Após inspecionarem 203 mansões e 314 apartamentos, situados em condomínios de luxo, apreenderam pastilhas de ‘ecstasy’, cocaína, dólares norte-americanos sem origem comprovada e veículos de luxo incompatíveis com a renda declarada de seus proprietários”.
E é quando, uns 250 anos depois das sábias palavras de Lord Chatham, nunca tão próprias outras, não menos graves, de Bernard Shaw: “O maior dos males e o pior dos crimes é a pobreza”.
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