João Pedro*
A Bolívia é um país rico e pobre. Rico por suas riquezas naturais, como gás, petróleo e prata. Rico por sua territorialidade, por fazer parte da Pan-Amazônia e por ter a geografia única da Cordilheira dos Andes.
Mesmo assim, um país pobre. Pobre pela concentração de renda restrita a uma pequena par-cela de bolivianos. Pobre por um processo histórico de exploração econômica que assolou suas populações tradicionais durante séculos.
Tive a oportunidade de conhecer a Bolívia ao participar como observador internacional do refe-rendo revogatório que movimentou o país no dia 10 de agosto. Pela primeira vez na história boliviana, os eleitores decidiriam se o presidente e oito governadores, atualmente na metade do mandato, permaneceriam em seus cargos. Às vésperas da viagem, as notícias veiculadas pela imprensa brasileira falavam sobre tumulto e revolta no país. Ao chegar lá, porém, eu – e os quase mil observadores internacionais que cumpriam a mesma tarefa que a minha – tive-mos a surpresa de um referendo tranqüilo.
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Não que essas eleições fossem fáceis, pelo contrário. Prefeitos que fazem oposição ao projeto político de Evo Morales são radicais ao defender a “autonomia” de suas gestões. As distâncias territoriais, somadas aos obstáculos naturais, também representam um desafio a qualquer pro-cesso eleitoral.
Abro um parêntesis para lembrar que a Bolívia é o país que tem a maior faixa de fronteira com o Brasil. Pela água, o território boliviano se une a nós pelo rio Madeira. Por terra, somos liga-dos pelos seringais e castanheiras do Acre, Amazonas e Rondônia. Lá há 10 milhões de habi-tantes, quatro milhões de eleitores e culturas múltiplas, presentes no colorido de mais de 30 etnias.
Voltando ao referendo, a Corte Nacional Eleitoral convocou, no dia anterior ao pleito, observa-dores internacionais e imprensa para expor as regras da votação. “Democrático”, “exemplar” e “legítimo” foram alguns dos adjetivos colocados num debate posterior a essa explanação da Corte, por parlamentares e jornalistas do México, El Salvador, Brasil, Argentina, Venezuela, Peru e Uruguai.
No dia seguinte, às sete da manhã, fui para El Alto, bairro periférico na parte mais alta de La Paz, bem na encosta dos Andes, onde a maioria da população é indígena. Observei o cami-nhar desses povos milenares que, com suas roupas coloridas, seguiam tranqüilamente para as sessões de votação. Nada de boca de urna. Nenhum panfleto pedindo votos. Sem gritos, car-ros de som ou apelos para votar dessa ou daquela forma. Reflexos de uma lei eleitoral dura e respeitada, na qual nem mesmo carros de passeio podem circular no dia do pleito. Para dirigir qualquer veículo é preciso uma autorização formal da Corte Nacional Eleitoral, sem ela, o carro é apreendido imediatamente e liberado apenas no dia seguinte, após o pagamento de multa.
Acompanhamos todo o pleito e, com as projeções dando como certa a vitória de Evo Morales, a comitiva brasileira solicitou ao embaixador do Brasil em La Paz uma audiência com o presi-dente boliviano. Era o dia 11 de agosto e estávamos lá, frente a frente com o líder indígena que se tornou presidente da Bolívia. Dele, ouvimos que seria um desafio unir o próprio país e que era preciso trabalhar arduamente para evitar maiores conflitos. Para falar do presidente Lula e do ministro Marco Aurélio Garcia, Morales usou os termos “companheiros” e “irmãos”.
De minha parte, acredito que é exatamente assim, como nação irmã, que o Brasil deve se rela-cionar com a Bolívia. Esse olhar fraterno deve se estender a todos os países que nos fazem fronteira. Todo intercâmbio é bem vindo para que os países latino-americanos – nós, brasilei-ros, incluídos na lista – solidifiquem sua economia e melhorem sua condição social. Foi com esse espírito que participei do referendo boliviano.
*João Pedro Gonçalves da Costa, 55 anos, é senador da República pelo PT do Amazonas. Foi observador internacional do referendo do último dia 10 na Bolívia.
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