Mariana Monteiro *
Que o Oscar nunca foi uma premiação a ser levada muito a sério todo mundo que entende um pouco do universo do cinema já sabe há tempos: tem a tradição de premiar filmes grandiloquentes, nacionalistas ao extremo ou dramas humanos individuais supervalorizados. A maioria dos quase 6 mil votantes não gosta de ver críticas ao seu querido país.
De vez em quando, porém, os votantes parecem querer dar um ar de novidade à tradicional noite do Oscar. Em 2010, premiaram Guerra ao terror, que criticava a guerra em si, ao mostrar os problemas sociais/emocionais enfrentados pelos veteranos dos embates recentes, deixando a aventura grandiosa Avatar de fora. Em 1999, haviam dado a estatueta principal a um filme sobre um desajustado de meia idade, em Beleza americana, filme visto por muitos como uma crítica à própria sociedade americana.
Neste ano, a Academia fez questão de mostrar que não está realmente preparada para dar visibilidade às feridas abertas de seu país. Desde que foi lançado, o segundo longa de Kathryn Bigelow – que ganhou o Oscar três anos antes –, A hora mais escura, estava fadado a ser ignorado pela academia, ao fazer um retrato realista das práticas do governo George W. Bush. Um filme que mostra a tortura com todas as suas pesadas cores, um verdadeiro documento de um regime republicano ultrapassado, caiu em desgraça ao fazer a ponte entre a tortura e a captura de Osama Bin Laden, ocorrida já na gestão democrata de Barack Obama. Kathryn Bigelow, desta vez, tinha ido longe demais.
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Ufanismo
Mais uma vez, os acadêmicos (atores, diretores, produtores e executivos da indústria cinematográfica) fizeram o que sabem fazer melhor: voltaram suas canetas para os filmes ufanistas: seu presidente mais famoso, Abraham Lincoln, e sua luta contra a escravidão; e uma derrota imputada ao regime do aiatolá Khomeíni no Irã de 1979, em Argo. Como se já não fosse suficiente dar uma rasteira no islamismo radical, isso ainda foi feito por meio de um estúdio de cinema, ou seja, com a ajuda da própria Hollywood. Hollywood adora uma metalinguagem, ama filmes que falem dela própria, como mostrou a festa do ano passado em que dois dos concorrentes (O artista e Hugo Cabret) falavam sobre cinema. Para coroar o nacionalismo exacerbado, colocaram Michelle Obama para entregar o Oscar de melhor filme aos produtores de Argo, entre eles o democrata declarado George Clooney. Duvido que a primeira-dama dos EUA entregasse o prêmio se o ganhador fosse A hora mais escura.
É verdade que, inicialmente, os acadêmicos não queriam ver Argo vencedor. A razão atende pelo nome de Ben Affleck. Tão grande é o conservadorismo desta academia – reflexo das características do norte-americano médio – que tenho pra mim que o fato de Affleck lutar há anos contra o vício em álcool e drogas foi determinante na decisão de ignorá-lo nas indicações para o prêmio de melhor diretor. E apenas duas outras vezes na história do Oscar uma produção foi escolhida como a melhor sem que seu diretor também o fosse. A última havia sido 23 anos atrás, quando Conduzindo Miss Daisy ganhou sem que seu diretor tivesse sequer sido indicado.
Sindicatos
A lógica de que os prêmios dos sindicatos são o principal indicador das escolhas do Oscar, porém, terminou vencendo nas últimas semanas. Argo levou pra casa os prêmios dos sindicatos dos atores (SAG), dos diretores, dos roteiristas e diversos outros, além do Globo de Ouro de drama. Foi ficando impossível ignorá-lo e o filme de Ben Affleck terminou derrubando o favorito Lincoln.
Este, por sua vez, contribuiu para sua própria derrocada. Era um filme sobre a escravidão em que os escravos praticamente não apareciam. Claustrofóbico. Com muitos diálogos complicados e pouquíssima ação. Neste sentido, pouco hollywoodiano.
Fazendo história
Apesar da apresentação chatinha do estreante Seth McFarlane e da homenagem tímida demais aos 50 anos de 007, deu gosto de ver Adele e Shirley Bassey cantando os temas do agente secreto da rainha; Barbra Streisand cantando “The way we were”; e duas premiações fazerem história: Argo, ao ganhar melhor filme mesmo com o seu diretor sendo ignorado e Daniel Day-Lewis se tornar o primeiro a levar três prêmios de melhor ator na história do Oscar.
Minha conclusão é a de que, em mais este quesito, somos bem mais avançados do que nossos colegas do norte. Nossos modestos festivais de cinema costumam premiar justamente os filmes que mostram nossas mazelas, sejam as sociais, sejam as políticas. Quantos e quantos filmes sobre a pobreza e o regime militar não ganharam prêmios importantes no festival de Brasília e nos outros que só aumentam em número e se fortalecem país afora? Disso, podemos nos orgulhar.
* Jornalista, mantém o blog Escritos do ócio.
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