A semana começa com todas as atenções voltadas, em Brasília, para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, cujo afastamento pode ser anunciado hoje. O presidente Lula teve uma conversa com o ministro no último fim de semana e marcou uma reunião da coordenação de governo para esta tarde, quando pretende tomar uma decisão sobre o caso.
A única chance de Palocci continuar no cargo seria comprovar imediatamente que não houve participação sua na quebra e no vazamento do sigilo do caseiro Francenildo Santos Costa, algo em que cada vez menos gente acredita. Os fatos investigados pela Polícia Federal mostram que, no mínimo, a assessoria do ministro está diretamente envolvida no vazamento dos dados bancários do caseiro.
As edições do último fim de semana das revistas Veja e Carta Capital e do jornal Correio Braziliense responsabilizam o assessor de imprensa de Palocci, o jornalista Marcelo Netto, pela divulgação dos extratos bancários de Francenildo, cujo sigilo foi quebrado indevidamente pela Caixa Econômica Federal.
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Os cotados
Considerado um dos favoritos para substituir Palocci, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse ontem estar preparado para assumir o Ministério da Fazenda caso seja esse o desejo do presidente Lula. "Continuo líder do partido e pré-candidato ao governo de São Paulo, mas coloquei o meu mandato à disposição e, se o presidente Lula precisar, estou à disposição", disse.
Durante ato no Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, o senador deixou claro que sua prioridade é disputar a prévia do PT para a escolha do candidato do partido ao governo paulista e defendeu a manutenção de Palocci. "O presidente Lula reitera toda a confiança no ministro Palocci. Com ele o país teve a sua economia estabilizada e essa qualidade deveria se repetir nos próximos meses", afirmou.
Outro nome cotado é o do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega. Também estão na lista de Lula os nomes do ex-ministro João Saad, do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal.
O escândalo sobre a violação dos dados bancários do caseiro pode render outra baixa no governo esta semana: o presidente da Caixa, Jorge Mattoso. Ele presta depoimento nesta tarde à Polícia Federal, que já ouviu três funcionários da instituição. A PF apura a responsabilidade da direção do banco na quebra e no vazamento dos extratos do caseiro.
Foro privilegiado
A expectativa é de que Palocci deixe o cargo ainda esta semana, quando vence o prazo para os ocupantes de cargo público que pretendem disputar as eleições de outubro se desincompatibilizarem de suas funções. Para concorrer a uma vaga na Câmara, o ministro precisa deixar o cargo até o dia 1º de abril, como exige a lei.
Longe do ministério, Palocci perderia o foro privilegiado, que lhe garante o direito de responder a processos judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso se eleja deputado em outubro, o petista recuperaria essa prerrogativa já em 2007.
O ministro teme que um juiz de primeira instância acate eventual pedido de prisão, feito por promotores e policiais paulistas que investigam irregularidades do tempo em que ele foi prefeito de Ribeirão Preto (SP).
“Complacência do mercado”
A saída de Palocci já é dada como certa por uma das mais influentes publicações sobre economia do mundo – o diário britânico Financial Times. Segundo o jornal, aparentemente os mercados financeiros não reagirão se Palocci sair. "Ocorreram leves tremores entre os investidores na semana passada, embora nada que possa ser comparado aos ocorridos no início deste mês quando os mercados ficaram receosos que as taxas de juros nos Estados Unidos, Europa e Japão poderiam subir mais do que o esperado", diz a publicação.
De acordo com o Financial Times, pode estar havendo "complacência" nos mercados diante da possibilidade de renúncia do ministro. "Não há ninguém dentro ou perto do governo que combine o compromisso com a ortodoxia de Palocci com sua força e influência sobre o Partido dos Trabalhadores", afirma.
O jornal acrescenta que muitos integrantes do PT defendem uma mudança imediata na direção da economia: "Eles querem que 2006 seja o primeiro ano do segundo mandato de Lula". A própria reportagem ressalta, no entanto, que o presidente não deverá alterar a política econômica antes das eleições. "Mas se ele for reeleito, quem vai chefiar o ministério da Fazenda?", questiona.
O Financial Times faz referência a uma análise da consultoria norte-americana Credit Sights segundo a qual a saída de Palocci vai empurrar o centro do cenário político brasileiro para a esquerda e ameaçar a implementação de novas reformas, independentemente do vencedor das eleições em outubro. "Os investidores deveriam pelo menos prestar atenção", alerta o jornal.
Sucessão de erros
Nos últimos dias, diversos parlamentares davam como certo que a equipe de Palocci vazou os dados para a revista Época – mostrando depósitos no valor de R$ 25 mil na conta de poupança de Francenildo entre janeiro e fevereiro deste ano – com o objetivo de colocar sob suspeita o depoimento do caseiro.
Francenildo havia dito ao jornal O Estado de S. Paulo que viu várias vezes o ministro da Fazenda na mansão usada por ex-assessores de Palocci, no Lago Sul, em Brasília, para promover festas com garotas de programa e articular lobbies. Na CPI dos Bingos, em depoimento suspenso por determinação do Supremo Tribunal Federal, o caseiro afirmou que também viu o ministro participar da partilha de dinheiro. Palocci sempre negou que tivesse ido à mansão.
A estratégia de desqualificar o caseiro revelou-se duplamente desastrosa. Primeiro, porque Francenildo tinha uma boa explicação: os depósitos, contou ele, foram feitos por seu pai biológico, o empresário Eurípedes Soares da Silva, dono de uma empresa de ônibus em Teresina, que confirmou o fato. Em segundo lugar, o episódio recolocou o governo Lula na berlinda, agora sob a acusação de desrespeitar os direitos individuais ao quebrar ilegalmente o sigilo de um trabalhador humilde.
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