Edson Sardinha
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Alçado ao cargo mais importante ocupado pelo PT na Câmara, o novo presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), Antônio Carlos Biscaia (RJ), pretende fazer do colegiado mais do que a porta de entrada para todas as proposições que passam pela Casa: a saída para boa parte dos problemas do governo Lula. Membro do Ministério Público há mais de 30 anos, Biscaia assume agora a missão de ser o “procurador do governo” na mais importante das comissões permanentes, posto que passou a ter maior relevância após a derrota do partido na disputa pela presidência da Câmara. Como presidente do colegiado, o deputado fluminense tem poder para definir a pauta, designar relatores e determinar quais proposições irão para frente e quais seguirão para a gaveta. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Biscaia sai em defesa da política econômica do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reconhece que as ações sociais do governo ainda são tímidas e define a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como prioridade. “Esse é um projeto de nossas vidas, sempre pensei dessa maneira. Não é o momento de, principalmente nós que somos do PT, adotarmos uma postura de oposição”, diz. Leia também Às vésperas do anúncio da reforma ministerial que deve consolidar a participação do PP e do PMDB no governo, o deputado defende a política de alianças, mas cobra a adoção de critérios rígidos na escolha dos novos ministros. “Não concordo que seja feito nenhum tipo de indicação, embora partidária de uma base, dentro de uma negociação política que não atenda a princípios que o PT sempre defendeu. A gente confia nos critérios do presidente”, afirma. O presidente da CCJC anunciou que pretende pôr em votação o quanto antes duas propostas de reforma: a política e a judiciária. A tarefa, no primeiro caso, é das mais delicadas, admite Biscaia: “O que falta é haver maior entendimento com os partidos da base. O PCdoB e o PSB têm posição favorável. Resta buscar entendimento com o PTB, o PL e o PP”. Quanto à reforma do Judiciário, adianta, a dificuldade está na complexidade das alterações a serem feitas nos códigos de processo civil e penal. Ex-procurador-geral da Justiça no Rio, o deputado considera limitado o alcance das mudanças constitucionais feitas no final do ano passado. Crítico da chamada súmula vinculante – mecanismo por meio do qual os juízes das instâncias inferiores serão obrigados a seguir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre temas que já tenham jurisprudência consolidada –, Biscaia acredita que a verdadeira reforma será feita agora, na análise da legislação infraconstitucional. “Quais são os objetivos da reforma do Judiciário? Tornar mais ágil e democrático o acesso à Justiça. A emenda constitucional, por si só, não avançou”, diz. Congresso em Foco – O senhor ocupa hoje o cargo mais importante do PT na Câmara. Quais serão as prioridades da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para este ano? Antonio Carlos Biscaia – Estou verificando qual a real situação da comissão. O volume de trabalho é imenso, porque nela tramitam todos os projetos e as propostas de emenda constitucional. Já existem mais de mil e quinhentas proposições prontas para inclusão na pauta. Precisamos adotar um critério para levá-las a votação. Outras mil e cem aguardam designação de relator. Além disso, temos de definir politicamente se é possível votar a reforma política de imediato. Ela está pronta para votação, já que os debates se encerraram. Não vai entrar na pauta desta semana, mas temos de preparar para que ela entre logo em seguida. Temos de cuidar da legislação complementar da reforma do Judiciário e da parte da reforma constitucional que voltou para a Câmara. Em termos de procedimentos, o que muda no trabalho da CCJC? Vamos agir democraticamente. Já estou pedindo aos partidos que indiquem um representante na comissão. Vamos procurar realizar, semanalmente, uma reunião para discutir os critérios na definição da pauta. Sei que é atribuição exclusiva do presidente designar relatores e elaborar pauta, mas quero fazer isso buscando o consenso na comissão. Com apoio não só da base aliada, mas de todos os partidos. Os membros do colegiado são de alto nível, ex-ministros, ex-presidentes da comissão, pessoas com sólidos conhecimentos jurídicos. Temos de levar em conta tudo isso. No final do ano passado, o presidente do PT, José Genoino, declarou que a reforma política seria a prioridade do partido em 2005. A derrota do partido na disputa pela presidência da Câmara mudou esse cenário? Ela continua sendo prioridade para o nosso partido e a nossa bancada. Ao tomar posse, o presidente da Câmara (Severino Cavalcanti) fez referência à reforma política. O presidente do Congresso (Renan Calheiros) foi ainda mais enfático quando recebeu, no início da sessão legislativa, as prioridades do governo federal. Não creio que isso seja apenas discurso. Na prática, a reforma tem de ser executada. Esse projeto veio do Senado e está mais do que maduro para votação. É uma matéria que não pode ser incluída na pauta na primeira semana de trabalho da comissão. Mas a intenção é incluí-la logo em seguida. A reforma política divide muitos partidos da base governista. O PL, o PTB e o PP, por exemplo, resistem às mudanças. No momento em que o governo está com sua base fragilizada, essa proposta não perde força? Essa proposta conta com a aceitação dos maiores partidos, inclusive os da oposição. O que falta é haver maior entendimento com os partidos da base. O PCdoB e o PSB têm posição favorável. Resta buscar entendimento com o PTB, o PL e o PP. Essa é uma questão que, para ser aprovada como a sociedade exige, depende de entendimento e consenso. Não adianta querer aprovar a toque de caixa, sem discussões e reuniões. A tendência é aprovar as mudanças de forma fatiada? É possível. O problema é que uma coisa puxa a outra. Fidelidade partidária e proibição de coligações nas eleições proporcionais, financiamento público de campanha e listas fechadas são questões interligadas. É importante ouvir qual é a posição de todos os partidos sobre isso. Em relação ao voto em lista, há espaço para negociar a adoção de um modelo misto, em que o eleitor possa interferir de algum modo na ordem dos candidatos relacionados pelo partido? Acho que só é possível caminhar para isso dentro da proposta infraconstitucional. Aquilo que seja a criação de um modelo distrital, que exija reforma constitucional, não pode ser cogitado neste momento. O processo já está maduro para votação. Reforma constitucional nessa área é complicada. Embora seja um ano não eleitoral, há aspectos polêmicos exatamente naquilo que significa a representação proporcional, que afeta os mandatos. O parlamentar visa muito à questão pessoal. Grande parte dos parlamentares reclama que a lista fechada vai fortalecer as cúpulas partidárias. Essa crítica é procedente? Defendo o financiamento público de campanha. Não pode haver esse tipo de financiamento a não ser com lista partidária. Se for possível chegar a uma posição que admita ainda a votação no candidato, tudo bem. Isso virá, mas não na próxima eleição. Na próxima eleição tem uma disposição que assegura que a classificação do último pleito de 2002 indicará a ordem na lista de 2006. A proposta atende bem aos interesses dos parlamentares. Outra proposta que deve passar pela comissão este ano é a reforma sindical, que também divide muito a base governista. Nossa atribuição será apenas examinar a admissibilidade – isso poderá ser feito sem maiores problemas. O debate de mérito será na comissão especial. Em relação à reforma processual, o que há de mais importante entre as duas dezenas de projeto em tramitação na comissão? O encaminhamento está sendo feito como deve ser, já que as alterações serão isoladas e pontuais. A reforma de Código tem uma tramitação mais demorada. O novo Código Civil, por exemplo, tramitou durante 27 anos. Atuei como relator do livro de Famílias e vi a dificuldade que isso representa. Vamos atacar, neste ano, a parte processual civil e penal que o governo já encaminhou. Na penal há diversos projetos enviados anteriormente que ainda não foram votados. Uma parte diz respeito ao tribunal de júri e outra está relacionada à investigação. No processo civil também são questões que estão divididas entre várias proposições. Vamos ter de tomar uma posição da Secretaria da Reforma do Poder Judiciário (do Ministério da Justiça). Também concordo que a legislação infraconstitucional é fundamental para complementar o trabalho. Aquela reforma constitucional (promulgada em dezembro do ano passado), por si só, não vai provocar o milagre que se imagina. “Aquela reforma constitucional (do Judiciário, promulgada em dezembro do ano passado), por si só, não vai provocar o milagre que se imagina” A reforma processual é a verdadeira reforma do Judiciário? Sim. Quais são os objetivos da reforma do Judiciário? Tornar mais ágil e democrático o acesso à Justiça. A emenda constitucional, por si só, não avançou. No aspecto do Conselho Nacional de Justiça (órgão de controle externo do Judiciário) ficou muito restrita a representação da sociedade civil. Apesar disso, a composição do Conselho ainda está sofrendo questionamentos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) no Supremo Tribunal Federal (STF). Dos 15 membros do colegiado, seis não são do Judiciário. “Quais são os objetivos da reforma do Judiciário? Tornar mais ágil e democrático o acesso à Justiça. A emenda constitucional, por si só, não avançou” Há possibilidade de esse conselho não sair? Não. Eles não estão atacando o Conselho em si, mas apenas a sua composição. Outro ponto bastante polêmico da reforma é a instituição da súmula vinculante, que tem como objetivo reduzir o volume de recursos. O governo não corre o risco de sair perdendo, já que está envolvido na maioria dos recursos? Não sei se vai sair perdendo. A nossa posição sempre foi contrária à súmula vinculante. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e um grupo de parlamentares fizeram todo um trabalho no sentido de derrubar a proposta quando a emenda constitucional ainda estava no Senado. Nós pedíamos a rejeição desse dispositivo e tudo o que ouvíamos dos senadores é que o ministro Nelson Jobim (presidente do STF) havia dito a cada um deles que aquela era uma postulação do Judiciário, no seu mais alto órgão de jurisdição, o STF. As dificuldades foram intensas, tanto que a súmula vinculante prevaleceu. Se vai criar dificuldades para o governo, não sei. Quem limita na área sabe que as demandas, em sua maioria, envolvem União e Estado. Se a súmula vinculante vai prejudicar, é muito cedo pra avaliar. O STF é um órgão do Judiciário que tem decisões, muitas vezes, com contorno político. A nossa posição é contrária na medida em que ela vai impedir o aprimoramento de certas decisões pelos órgãos de primeiro grau, que, a meu ver, representam o Judiciário em sua plenitude. Em que sentido, por exemplo? Um exemplo recorrente diz respeito ao julgamento das medidas adotadas pelo governo Collor, respaldadas pelo STF, mas que tiveram sua inconstitucionalidade admitida a partir de decisões do Judiciário país afora. Se há um entendimento engessado que impede outros órgãos de apreciarem uma matéria, o exercício pleno da função jurisdicional será afetado. Entrando numa questão mais política: o presidente Lula deve anunciar esta semana a reforma ministerial. É o momento de o PT e o governo abrirem espaço para participação dos aliados? Como membro da bancada do PT, nossa posição é de que não devemos nem temos atribuição para opinar sobre isso. É competência própria e exclusiva do presidente da República. O presidente Lula tem exercido isso na sua plenitude. Apenas manifestamos opiniões, porque confiamos na decisão final do presidente em nome até da governabilidade. Minha preocupação pessoal, como deputado federal – não como presidente da CCJC –, é de que os critérios básicos que sempre defendemos sejam preservados nessa composição. Não concordo que seja feito nenhum tipo de indicação, embora partidária de uma base, dentro de uma negociação política que não atenda a princípios que o PT sempre defendeu. A gente confia nos critérios do presidente. A questão não é o PT perder um ou outro ministério. É ver o que é mais importante para o país. “(Reforma ministerial) Não concordo que seja feito Partidos da base governista têm reclamado da falta de atenção de alguns ministros aos parlamentares e que o governo tem de dar mais atenção aos aliados. É pertinente esse tipo de crítica? A reclamação dos deputados de oposição é feita no sentido de confrontar o governo. Já os da base – e nós mesmos do PT também reclamamos – fazem isso no sentido construtivo. Queremos que o ministério, de maneira ampla, tenha consciência de seu papel político, além de seu papel na estrutura do governo, naquilo que representa a respectiva área. Todos nós temos dificuldade para marcar audiência neste ou naquele ministério. Essa relação, sem dúvida alguma, tem de ser aprimorada. Há espaço no governo Lula para abrigar mais um partido conservador, como o próprio PP? Cabe ao presidente da República examinar isso. Temos de enfrentar essa realidade, já que até o presidente da Câmara é do PP. Um dos embates dentro da bancada do PT diz respeito à política econômica do governo Lula. Muitos entendem que ela prejudica o alcance de metas sociais. O senhor concorda com essa crítica? Eu não sou signatário de nenhum tipo de manifesto da bancada de crítica à política econômica. Defendo o governo inclusive nessa área. Minha linha de questionamento se dá em casos de conduta ética. Insurgi-me, por exemplo, quando um ex-senador (Carlos Bezerra) investigado (pela Polícia Federal, Mistério Público e Controladoria-Geral da União) foi nomeado para a presidência do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Com isso, não concordo. Minha linha de questionamento não envolve o governo, que está no caminho certo. No poder, o PT perdeu um pouco a bandeira da ética, como pregam os oposicionistas? Não sei. As dificuldades são imensas, até porque a governabilidade está exigindo alianças. Nesse caso, você fica sujeito a essas questões. Na época da indicação do presidente do INSS, fui até a tribuna para fazer um discurso nessa linha. Uma deputada (Teté Bezerra), esposa do indicado, reclamou que não havia comprovação para condená-lo. Eu disse que não estava cogitando isso, mas que, no momento em que há indicação para a presidência do INSS, que tem orçamento anual de R$ 120 bilhões, teríamos de defender um nome a respeito do qual não houvesse a menor dúvida. Isso vale para o INSS e para o Tribunal de Contas da União (TCU). Essa sempre foi minha linha de atuação na vida, e continua na ação parlamentar. O senhor é um dos criadores da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção na Câmara. Além disso, teve papel destacado, como procurador-geral de Justiça, na prisão de bicheiros no Rio de Janeiro. Há avanços no governo Lula no combate à corrupção? A ação da Polícia Federal é reconhecida por todos como exemplar. A atuação da Controladoria-Geral da União na fiscalização dos recursos federais nos municípios, assim como a política externa do país, não sofre questionamentos. Tudo isso está sendo apoiado pela política econômica. Acho que no momento certo haverá mudança de rumo. Os aspectos positivos ficam um pouco esquecidos também. Temos de assinalá-los. A privatização do serviço público foi barrada pelo presidente Lula. Essa terceirização desenfreada acabou. Os cargos estão sendo criados, os concursos públicos, realizados. Essa nova afeição, que é positiva na linha do que o PT sempre defendeu, ficou um pouco esquecida. Os adversários ficam pisando na política econômica, que tem de ser cada vez mais cautelosa. Você pode discordar em um ou outro ponto, em que possa haver correção de rumos. Que o ministro Palocci tem imprimido uma política que indica firmeza, austeridade, isso é inquestionável. O temor era o contrário, de que o governo do PT provocasse uma desordem econômica, o descumprimento dos compromissos internacionais, mas isso não aconteceu. “Os aspectos positivos ficam um pouco esquecidos também. Temos de assinalá-los. A privatização do serviço público foi barrada pelo presidente Lula. Essa terceirização Mas é grande o questionamento na própria bancada do PT de que essa política econômica estaria comprometendo a política social. Essa crítica não é procedente? A política social não está sendo no ritmo desejado e esperado. Mas isso vai ocorrer nos próximos dois anos? Com certeza, isso vai ocorrer nos próximos dois anos, e nos quatro anos seguintes do presidente Lula. Esse é um projeto de nossas vidas, sempre pensei dessa maneira. Não é o momento de, principalmente nós que somos do PT, adotarmos uma postura de oposição. “(Reeleição de Lula) Esse é um projeto de nossas vidas, sempre pensei dessa maneira. Não é o momento de, principalmente nós que somos do PT, adotarmos uma postura de oposição” Isso fortaleceria os partidos mais conservadores? Claro. Aí fica difícil. Nesse sentido, tenho perfeita consciência do que representa a presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, a mais importante da Casa, para o PT e o governo. Não abro mão dos meus princípios de vida, e tenho consciência disso.
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