No fim de junho, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) desafiou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a deixar o comando da Casa até a apuração das denúncias que pesavam contra ele. Cara a cara com o alagoano, disparou: “O que não pode é o Senado ficar sangrando e, mais do que isso, fedendo”.
Dois meses e duas representações depois no Conselho de Ética, Jarbas defende agora não só o afastamento de Renan como a cassação do mandato do colega de partido.
“Acho que isso é uma questão de dias. Pode demorar um pouco mais. Mas não acredito que os integrantes do Senado cometam um ato dessa natureza, inocentando uma pessoa cujas provas evidenciam a culpa”, afirma. “O caminho é votar pela perda do mandato”, acrescenta.
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o senador pernambucano diz não ter dúvida sobre a culpa de Renan, ataca duramente o seu próprio partido e responsabiliza o governo Lula e o PT pelo prolongamento da crise que atinge a Casa há três meses. Na avaliação dele, a insistência do presidente do Senado em não abrir mão do cargo tem “puxado a instituição para o fundo do poço”.
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“Essa questão do Renan não se resolveu ainda por conta de Lula, do governo e do PT. Porque quem deu a sustentação aqui a Renan desde o início foram os dois: o governo e o PT. Tivessem o governo e o PT se decidido pela ética, pela correção, pela coisa justa e pela transparência, estaríamos livres desse problema há algum tempo”, considera.
Na avaliação do senador, o Palácio do Planalto optou pela defesa de Renan temendo as ameaças do senador e o risco de perder a maioria que tem dentro do partido no Senado. “Renan pode não ter o controle do PMDB, mas tem controle absoluto da bancada no Senado – com exceção de mim dos senadores Pedro Simon (RS) e Mão Santa (PI)”, observa.
Peemedebista na oposição
Cotado pela oposição para suceder Renan na presidência do Senado, Jarbas Vasconcelos nega veementemente ter discutido o assunto com as bancadas do PSDB e do DEM. Para o senador, é preciso resolver, antes, o caso Renan. “Não podemos transformar isso em uma vendinha por conta da derrota de José Agripino, uma luta de governo contra a oposição”, afirma.
Aos 65 anos de idade, 37 dos quais dedicados à vida política, Jarbas exerce o seu primeiro mandato no Senado. Deputado federal por três mandatos, prefeito do Recife por oito anos e duas vezes governador de Pernambuco, sempre pelo PMDB, o senador pernambucano é hoje um estranho em seu próprio partido.
Sempre lembrado como referência ética e opositor ferrenho do governo Lula, ele não participa mais das reuniões da bancada. “O PMDB não é mais um partido. É satélite do governo e, por conseqüência, do PT”, dispara. Apesar das críticas e da freqüência com que participa de reuniões com representantes do DEM e do PSDB, Jarbas nega a intenção de trocar de legenda.
Em 2002, o senador chegou a ser convidado a concorrer como vice na chapa presidencial encabeçada por José Serra (PSDB). Alegando dificuldade em fazer o sucessor, acabou optando por disputar a reeleição ao governo de Pernambuco. Cinco anos depois, a relação com os tucanos continua firma. Anteontem, Jarbas comemorou seu aniversário ao lado do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e os senadores Tasso Jereissati (CE) e Sérgio Guerra (PE) – todos do PSDB.
No caso dele não há mais saída, a não ser a cassação?
Não há. Eu vejo certo entusiasmo da chamada tropa de choque do presidente aqui em plenário nos últimos dias. Mas não vejo nenhum motivo para isso. Pelo contrário, todos os trechos da perícia da PF que chegou ao Senado são contundentes contra o presidente.
O caminho é a cassação?
O caminho é votar pela perda do mandato.
O senhor se sente constrangido dentro do PMDB?
Esse constrangimento não vem de hoje. Vem de algum tempo. O PMDB vem desajustado, votando errado, comportando-se mal há algum tempo. A coalizão é um exemplo disso. O Renan pode não ter o controle do PMDB, mas tem controle absoluto da bancada no Senado – com exceção de mim dos senadores Pedro Simon (RS) e Mão Santa (PI). Daí o interesse do governo em mantê-lo. Essa questão do Renan não se resolveu ainda por conta de Lula, do governo e do PT. Porque quem deu a sustentação aqui a Renan desde o início foram os dois: o governo e o PT. Tivessem o governo e o PT se decidido pela ética, pela correção, pela coisa justa e pela transparência, estaríamos livres desse problema há algum tempo. Quando a sociedade cobrar, ela deve cobrar especialmente de Lula e do PT uma solução para o caso Renan.
Não deve cobrar também do PMDB?
Do PMDB não precisa nem falar, porque todo mundo viu que há dentro do partido uma tropa de choque defendendo o presidente do Senado. Ele tem controle quase absoluto da bancada.
Por que ele tem todo esse poder? Ele faz ameaças?
Aí não sei realmente quais são os expedientes usados. O que se diz é que ele tem vários expedientes para usar contra as pessoas.
Aquele embate que ele teve com o senador José Agripino (DEM-RN), quando ele disse que o líder do DEM não agüentaria duas semanas de investigação, pode ser considerado uma ameaça?
Foi. Não deixou dúvida. E o senador repeliu de imediato. Casos como esse a que você se refere e envolvendo outros senadores, como Jefferson Peres (PDT-AM) e o próprio líder tucano (Arthur Virgílio), são episódios penosos que poderíamos estar livres se ele tivesse se afastado desde o encaminhamento da denúncia ao Conselho de Ética. Essa falha será corrigida. O senador Jefferson Peres está apresentando um projeto de resolução que prevê o afastamento imediato de qualquer membro da Mesa que seja denunciado ao Conselho de Ética.
O senhor disse perceber uma euforia da tropa de choque de Renan nos últimos dias. A que o senhor atribui isso?
Sim, principalmente de ontem (21) para hoje (22). Mas não consigo identificar o porquê disso.
Poderia estar em curso um acordo com a oposição?
Acho muito difícil, quase impossível que isso esteja ocorrendo. Tenho conversado com o Democratas, através de Agripino e Marco Maciel (PE), e com os tucanos, por meio de Tasso Jereissati (CE) e Sérgio Guerra (PE). E não identifico nenhuma mudança de comportamento em relação a eles.
Se a votação fosse hoje, Renan seria cassado pelo Plenário?
Acho que seria. Não sei por qual margem. Mas acho que mais de 40 votos seriam pela perda do mandato.
Que cenário o senhor antevê para esta crise?
Com a deliberação de Renan de não se afastar do cargo, de exercer a presidência sendo denunciado, é impossível dizer quando tudo isso irá acabar. Ele tem todo jogo de manobra e toda força coercitiva para usar, aí fica difícil fazer previsão com relação ao tempo e ao andamento desse processo. Se Renan tivesse se afastado, já teríamos resolvido, a favor ou contra ele.
O afastamento, nesse caso, seria a licença ou a renúncia da presidência?
Licença hoje já está tardia, fora de época. Esse entendimento poderia ter ocorrido lá atrás. Mas as denúncias se avolumaram contra ele, são duras, contundentes e profundas. Ele insiste em rebater isso. Mas faz a contestação sem argumento. Renan faz a contestação pela contestação. Ele desqualifica os acusadores.
Diante de todas as denúncias, qual o senhor considera mais grave?
A principal complicação de Renan foi quando ele envolveu a venda de gado no caso. Quando ele assumiu o relacionamento fora do casamento disse que pagou a pensão com rendimentos da venda de gado. O Brasil inteiro sabe o que é gado. Quando você fala em precatório, as pessoas não sabem o que é. Quando você fala em boi, todo mundo sabe do boi gordo, do boi magro, que uma arroba tem 15 quilos. Quando ele disse aquilo despertou interesse não só da mídia mas também da opinião pública. Que gado caro era aquele?
Depois da crise, ele perde a força ou ressurge mais forte?
Não sei a força do Renan. No partido, a força dele não é uma coisa visível. Agora, no Senado, ela é bastante visível. Daí o governo não ter tido ainda a coragem de se manifestar contra isso. Entre apurar isso e ficar tendo a maioria aqui, Lula prefere a segunda opção. É uma posição mais cômoda para o governo.
Jornais têm dito que o senhor seria o nome da oposição para presidir o Senado caso Renan caia. Como estão essas conversas?
Não existe conversa nenhuma. É zero. Eu me nego a discutir isso. É preciso resolver Renan para depois discutir isso. Não podemos transformar isso em uma vendinha por conta da derrota de José Agripino, uma luta de governo contra a oposição. Se a gente for colocar isso, é um jogo amador, antecipado, que não faz nenhum sentido. Vamos resolver o problema de Renan que, pela obstinação dele, ainda não conseguimos resolver.
Superada a crise Renan, o que o Senado precisa corrigir?
Muita coisa. O Senado precisa ter uma agenda, uma ordem do dia. Fazer a reforma política, que é competência nossa. Cobrar do governo as mudanças com as quais Lula se comprometeu e não fez, derrubar a CPMF. Enfim, tem toda uma agenda positiva pela frente. Quem quiser se manifestar contra a carga tributária, que está exorbitante, tem de votar contra a CPMF. Era um imposto temporário criado numa época de escassez de recursos, que não é o que a gente vive hoje. Agora a imprensa publica o excesso de arrecadação.
A proposta do governo de prorrogar a CPMF por mais quatro anos passa no Senado?
O consegue fazê-la passar com facilidade na Câmara. Mas, no Senado, tenho minhas dúvidas. Não dá ainda pra dizer, fazer essa avaliação. No levantamento que temos feito aqui, a situação do governo não é tão cômoda como a que ele dispõe na Câmara dos Deputados.
O senhor está no segundo semestre do seu primeiro mandato no Senado depois de anos no Executivo. Como o senhor avalia a relação do governo Lula com o Congresso hoje?
Ele continua com uma relação promíscua com o Congresso. Ele instituiu uma base melhor que a anterior. O caminho que ele procurou para formar essa base, no segundo mandato, é melhor do que o governo anterior, porque procurou os partidos. Mas a relação continua promíscua, fisiológica, na base do toma-lá-dá-cá.
O PMDB é um exemplo disso?
O PMDB não é mais um partido. É satélite do governo e, por conseqüência, do PT. Os grandes quadros do PMDB ainda não se aperceberam disso. Após uma luta inteira no PMDB, transformaram-se em satélite do PT.
Mas no governo FHC, o PMDB também não era satélite do PSDB?
Não. Nunca vi o PMDB tão engajado no governo de Fernando Henrique, nem o então presidente se intrometer no partido.
O senhor vê diferenças entre PSDB e PT hoje?
Grande parte da imprensa analisa que os dois são muito parecidos. Mas tem diferenças. Como um foi governo e o outro é agora, as pessoas estabelecem comparações. Mas há diferenças. No plano econômico, nem tanto, porque Lula se tornou defensor de uma política econômica mais ortodoxa do que Pedro Malan. Fui governador de estado e tive a necessidade de me relacionar com os dois governos. O Palocci foi muito mais ortodoxo com relação à economia do que Pedro Malan. Malan tinha mais jogo de cintura, mais flexibilidade.
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