* Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
Uma questão aparentemente gramatical está pondo em risco uma das principais conquistas da Lei da Ficha Limpa, destinada justamente a proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício dos mandatos eletivos. Noutras palavras, a gestão honesta dos recursos públicos pode ficar enfraquecida.
A redação do artigo 1º, inciso I, letra “l” da Lei Complementar 64/1990 diz que são inelegíveis os condenados à suspensão dos direitos políticos que tenham praticado atos dolosos (intencionais) de improbidade administrativa que importem lesão ao patrimônio e enriquecimento ilícito (vantagem patrimonial ilegal).
Duas interpretações são possíveis:
a) o administrador que teve seus direitos políticos suspensos porque lesou de propósito o patrimônio público ou porque obteve enriquecimento ilícito não pode se candidatar;
b) o administrador só não poderá se candidatar se essas três exigências, cumulativas, forem cumpridas: teve os direitos políticos suspensos, lesou o patrimônio público e ainda obteve ganhos ilícitos.
Leia também
Do ponto de vista gramatical, tudo se resume a saber se o tal “e” traz uma exigência adicional (isto mais aquilo) ou alternativa (isto ou aquilo). Mas… e do ponto de vista jurídico?
O Tribunal Superior Eleitoral tem decisões nas quais se exigem as duas condições:
“… é necessário que a condenação por ato doloso de improbidade administrativa implique, concomitantemente, lesão ao erário e enriquecimento ilícito” – Recurso Especial nº 27.838.
O problema é que alguém pode ter causado dano ao erário intencionalmente, embora não tenha enriquecido a si mesmo ou a terceira pessoa com isso. Da mesma forma, alguém pode ter enriquecido ilegalmente sem causar prejuízo ao patrimônio público. Basta pensar num funcionário que exige dinheiro para fazer aquilo que, de qualquer modo, estava obrigado a fazer.
“Eu apenas enriqueci ilicitamente” – diz o candidato. “Mas não causei prejuízo!”
“Eu apenas causei prejuízo de propósito ao patrimônio público” – diz outro. “Mas não enriqueci com isso”.
A pergunta é se essa interpretação protege suficientemente a probidade e a moralidade para o exercício do cargo, em face daquelas pessoas que vão gerir os sempre escassos recursos da sociedade.
Entendo que não.
Não é, portanto, caso de gramática ou de interpretação meramente gramatical. As leis devem sempre ser interpretadas para que se mostrem compatíveis com a Constituição, a norma jurídica mais importante da sociedade, e para que atendam aos seus propósitos. Essa interpretação conforme a Constituição é feita cotidianamente pelos tribunais brasileiros.
Achamos que é caso de proceder deste modo com a Lei da Ficha Limpa. Afinal, a Constituição mostra claramente que não aceita a improbidade (que, em termos amplos, equivale à corrupção). Improbidade não se escreve com “e”.
* Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador regional da República e auxiliar do vice-procurador-geral eleitoral.
TODAS as leis desse país são construídas dessa forma. Interpretações vagas, dúbias ou omissões faz com que juízes tenham que dar liberdade a bandidos de alta periculosidade ou impedir que a justiça haja de forma efetiva. Tem juízes que não estão nem aí. Outro se indignam. A população nem tem ideia do que se faz nas casas legislativas Brasil afora.
…”data máxima vênia” a interpretação do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral está diametralmente equivocada e em contradição com o objetivo da lei…Com certeza o texto da lei foi mal redigido e não contempla a real intenção do legislador…o “e” no texto legal tem o real significado de “e/ou” …O ato de improbidade administrativa, por si, já é tipificado como crime contra a Administração Pública, ao passo que a “lesão ao erário público” e o “enriquecimento ilícito” são circunstâncias agravantes resultantes da prática do crime de improbidade administrativa. Sendo assim, não há porque se cogitar que a “Lei da Ficha Limpa” exige, concomitantemente, as duas condições: “lesão ao erário” e “enriquecimento ilícito”. A LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992, no seu Art. 9°, seção I, define os Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito; na Seção II – o Art. 10 define os Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário; na Seção III – Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública, o Art. 11, assim prescreve: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”. Com relação à aplicação das penas, vejam o que diz o Art. 12 da referida Lei: Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
“… portanto, na condenação por ato doloso ou culposo de improbidade administrativa não é necessário que o crime implique, concomitantemente, lesão ao erário e enriquecimento ilícito” – conforme entendimento equivocado proferido pelo TRE no Recurso Especial n.º 27.838″. Domingos Vicente Malhone é o Assessor Jurídico da SAVIVER – Sociedade Amigos do Bairro Cidade Vista Verde – São José dos Campos/SP.
Quem distorce as leis para beneficiar bandidos é cúmplice e deve ser enquadrado na mesma lei.
Quais são os mecanismos legais para “monitorar” as decisões judiciais? Os magistrados são senhores da verdade e a interpretam sob suas conveniências de interesses?
Quaisquer idiotas sabem que a redação da lei intercala várias tipificações na sua intenção e que elas não estão associadas pela cumulação, mas pela familiaridade.
Triste ver um país refém de tantas más intenções e interesses alheios a vontade da nação.
Tendo dinheiro no meio, os bandidos de toga fazem malabarismos com a letra da lei.