Ricardo Ramos e Edson Sardinha
Confiante na reeleição do presidente Lula, a ala governista do PMDB se prepara não apenas para desembarcar no governo como já discute a distribuição dos cargos. Ex-ministro das Comunicações de Lula, o deputado Eunício Oliveira (CE) diz que o partido terá uma participação no próximo governo proporcional à força de sua bancada no Congresso.
"Não tenho dúvida de que o presidente, ao montar o seu novo governo, vai obedecer a proporcionalidade partidária para poder ter a sustentação política aqui no Congresso Nacional. É um processo natural. Se você está num governo de coalizão, todos são companheiros", declarou Eunício, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
Apesar de ter recusado a vaga de vice na chapa de Lula, a ala governista promete assegurar palanque para o presidente em 18 dos 27 diretórios regionais do partido durante a campanha eleitoral. Mais do que os 14 diretórios que apoiaram o petista, informalmente, em 2002.
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O deputado, entretanto, não quis declinar os estados onde o PMDB pretende dar apoio a Lula. De maneira reservada, três lideranças governistas do partido confirmaram ao site ser possível garantir palanque ao presidente nos seguintes estados: Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Goiás, Maranhão, Alagoas, Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Sergipe, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e Paraná.
Cargos e propostas
Nos próximos dias, os governistas do PMDB vão dar uma demonstração pública de apoio a Lula: vão apresentar um documento no qual cobram não cargos mas "participação efetiva" "na formulação de políticas públicas". "Nós – o presidente Sarney, o presidente Renan, eu e os líderes do partido, juntamente com o deputado Jader (Barbalho) – comunicamos ao presidente Lula que iremos formalizar essa questão junto ao conselho político da campanha dele."
Por meio de sugestões dos diretórios regionais, os peemedebistas querem opinar no programa de governo do PT, nas áreas social e econômica. "Abrimos as conversas ontem (terça-feira). O PMDB é um partido nacionalista, desenvolvimentista, que está muito próximo do que pensam o presidente Lula e o PT na questão social. Obviamente que, na questão da área econômica, nós temos que conversar para ver o que é que pode ser encaixado no que diz respeito à taxa de juros, ao crescimento do país, à educação e à segurança pública."
A cúpula governista do partido quer, num eventual segundo mandato de Lula, os ministérios e órgãos da administração com a "porteira fechada" – no jargão político, quando um partido fica responsável por nomear os principais cargos de confiança, cuidando assim, de toda a máquina administrativa. O PMDB não quer nomear apenas a "cabeça".
Amadurecimento
Integrante do MDB histórico, com 32 anos de partido, Eunício Oliveira espera que a próxima legislatura – na qual o partido luta para eleger número recorde de deputados e senadores – seja melhor que a atual e "um amadurecimento natural" do governo Lula na relação com o parlamento.
"Este Congresso virou uma delegacia de polícia, ninguém fez debate político", dispara. "Ficou devendo à sociedade, porque se apegou nesse debate ruim, pequeno e mesquinho, da questão ética de alguns que, lamentavelmente, cometeram deslizes nesta Casa".
Eunício também culpa a própria atitude do partido. "O PMDB mesmo foi um partido que ficou dividido, porque ficou pinçado – colocava-se um cargo ali, uma posição acolá – e não pode ser dessa maneira, em função de pessoas. Tem de ser em função de um partido político. Se você tem um partido político coligado, participante, que se sente parte do governo, tem aí o que eu chamo o governo de coalizão."
Congresso em Foco – O PMDB chega mais uma vez nas eleições gerais dividido e sem candidatura própria. Qual cenário o senhor vislumbra para as eleições, como é que o PMDB tende a se comportar?
Eunício Oliveira – O PMDB fez uma opção nacional de liberar o partido, já que, quando a verticalização foi confirmada, os outros partidos já tinham feito suas alianças, e nós ficamos isolados. Em função disso, nós fizemos uma convenção no dia 13 de maio que decidiu pela posição de que o PMDB devia optar por fazer as coligações nos estados para montar uma base forte de governadores, senadores, e deputados federais e estaduais. É lamentável que um partido com a dimensão do PMDB não tenha construído uma candidatura a nível nacional. Acontece que o PMDB é o maior partido do Brasil, com muitas lideranças regionais fortes. Em função disso, nós fizemos essa opção de não ter candidatura própria à Presidência da República, de ficarmos livres para adotarmos a opção que fosse mais conveniente ao partido nos estados. Mas vamos preparar o partido para as eleições de 2010, para que tenhamos um candidato forte à Presidência da República pelo PMDB.
Mas, agora, quem tende a ganhar mais com a divisão do PMDB: o presidente Lula ou Geraldo Alckmin?
Majoritariamente, nós já votamos no presidente Lula na eleição passada. Dos 27 diretórios (regionais), 14 votaram com o presidente Lula. Eu acho que nesta eleição uns 18 diretórios estarão apoiando a candidatura do presidente Lula. Nós – o presidente Sarney, o presidente Renan, eu e os líderes do partido, juntamente com o deputado Jader (Barbalho) – comunicamos ao presidente Lula que iremos formalizar essa questão junto ao conselho político da campanha dele. Vamos formalizar para que o PMDB tenha participação efetiva, participação na formulação de políticas públicas.
Como será essa participação no conselho político da campanha de Lula na prática?
Vamos formalizar através dos diretórios. Os diretórios farão um documento formal de apoio ao presidente Lula já agora, antes do 1º turno da eleição. Já pensando, obviamente, também num governo de coalizão se o presidente vier a ganhar as eleições.
Mas quando será essa formalização?
Nós conversamos sobre esse assunto ontem (terça-feira, dia 27). Vamos fazer isso o mais rapidamente possível. Até o dia 5 de julho – no mais tardar dia 10 -, esse documento deve estar pronto para ser entregue numa formalidade ao presidente Lula.
E que tipo de propostas o PMDB deve apresentar?
Abrimos as conversas ontem. O PMDB é um partido nacionalista, desenvolvimentista, que está muito próximo do que pensam o presidente Lula e o PT na questão social. Obviamente que, na questão da área econômica, nós temos que conversar para ver o que é que pode ser encaixado no que diz respeito à taxa de juros, ao crescimento do país, à educação e à segurança pública. O PMDB tem algumas sugestões para incorporar neste documento que quer apresentar ao presidente da República.
O senhor falou de governo de coalizão. Uma das principais críticas de governistas do PMDB neste primeiro mandato do governo Lula foi a questão dos ministérios. Num eventual segundo governo Lula, o PT terá de abrir mão de mais cargos em favor de aliados como o PMDB?
Eu acho que não é em prol nem em detrimento de ninguém. Participei de outras legislaturas, fui líder do PMDB na Câmara e acho que este é o pior momento do Congresso Nacional. Tenho 32 anos de filiação ao PMDB, nove anos de presidente do partido, 12 anos como tesoureiro nacional, tenho participado da direção, fui ministro, tudo pelo PMDB. Quero dizer que o Congresso que virá será um Congresso diferente. O governo que virá será um governo diferente. E, espero, melhor do que este.
Por quê?
Porque há um amadurecimento natural. Este Congresso virou uma delegacia de polícia, ninguém fez debate político. Este Congresso ficou devendo à sociedade, porque se apegou nesse debate ruim, pequeno e mesquinho, da questão ética de alguns que, lamentavelmente, cometeram deslizes nesta Casa. O novo Congresso terá que ter um foco diferente. O PMDB mesmo foi um partido que ficou dividido, porque ficou pinçado – colocava-se um cargo ali, uma posição acolá – e não pode ser dessa maneira, em função de pessoas. Tem de ser em função de um partido político. Se você tem um partido político coligado, participante, que se sente parte do governo, tem aí o que eu chamo o governo de coalizão. E não mais apenas como nós fizemos aqui esse debate perverso de cassar, de não cassar, de absolver, de não absolver e tal. Obviamente esse foi – no meu ponto de vista – o pior ano do Congresso Nacional. Portanto, acho que o novo governo terá que ter nova perspectiva, novos avanços, contribuir mais para que a sociedade possa ter oportunidade na educação, a melhoria da qualidade na segurança pública, que tem muitos questionamentos neste sentido. O PMDB gostaria de participar com seus quadros – mas não apenas com seus quadros -, mas também com idéias e nas definições de políticas públicas.
Lula fez, até aqui, um governo de coalizão?
Eu acho que não. O presidente se elegeu com uma votação esmagadora, numa expectativa muito positiva. Num primeiro momento, isso criou um clima muito pesado, muito ruim em relação a possíveis aliados. Com mais experiência e até por ter passado por muito sofrimento também, eu não tenho dúvida de que o segundo governo Lula será diferente e melhor do que o primeiro. Ele terá uma relação muito diferente, muito melhor, muito mais qualificada com o Congresso Nacional. Essa relação qualificada terá que ser uma relação partidária e não uma relação individualizada com os parlamentares.
O senador Cristovam Buarque, candidato a presidente pelo PDT, disse temer que, com uma eventual vitória esmagadora no primeiro turno, Lula passe por cima do Congresso Nacional. O senhor também tem esse receio?
Não acredito. Acho que é um exagero de expressão. O presidente Lula é um democrata e jamais adotaria uma posição de agressão à democracia. Pelo contrário, neste segundo mandato, Lula virá fortalecido pelas ruas. Mas precisa transformar essa força que vem das ruas em realizações. E, para isso, ele precisa do Congresso Nacional para aprovar as reformas e as matérias de que o Brasil precisa. Eu fui líder do PMDB nesta Casa e vi o quanto é difícil. Nós estamos aqui com a reforma tributária há quanto tempo? Não fazemos a reforma tributária porque São Paulo não deixa. Porque o Sul não quer a reforma tributária. Então é preciso que o presidente venha forte das ruas, mas fique forte dentro do Congresso também. Você se fortalece para se eleger. Mas, para governar o Brasil, você tem que se fortalecer no Congresso.
Se Lula for reeleito, a sua expectativa é de ter um Congresso mais forte na próxima legislatura. Boa parte das lideranças com as quais o governo dialogava no PMDB, no PL, no PP e no PTB perdeu espaço com a crise política. Mesmo assim, o senhor acredita no fortalecimento da relação de Lula com os aliados?
Amadurecido como está, o presidente vai ter uma nova relação com o Congresso Nacional. Essa relação não foi feita na base da coalizão, repito, foi feita na base do individualismo e terminou criando problemas para o Congresso Nacional e para o governo. O que eu desejo, espero e acredito, se eu estiver aqui no Congresso Nacional, é num governo de coalizão. Um governo que respeite o Congresso Nacional e tenha maioria para aprovar as reformas de que o Brasil precisa. Para isso, ele necessita de uma forte coalizão política e partidária. Não é pinçar parlamentares que tenham alguma importância dentro do Congresso Nacional.
O PMDB, mais que um partido, acaba sendo uma federação partidária, porque reúne tendências muito díspares que não conseguem se unir em torno de uma posição. O que garante ao senhor que, desta vez, a coisa irá funcionar?
Divisão existe em todos os partidos. Eu comecei a entrevista dizendo que o PMDB é um partido que tem muitas lideranças regionais. Obviamente que essas lideranças regionais têm um foco de poder dentro do Congresso Nacional. Mas estou discutindo a questão majoritária. Se fizer um governo de coalizão, respeitando os partidos políticos e o sentimento das direções partidárias, a relação será diferente, inclusive, com o PMDB. Nós não podemos ficar nessa divisão eterna do PMDB. É tanto que o PMDB tem que fazer a sua coalizão interna pensando nas eleições ou na sucessão do presidente Lula em 2010.
Defensor da candidatura própria, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) tem acusado a ala governista do PMDB de ser fisiologista, de estar oferecendo apoio em troca de cargos. Ele tem razão?
No PMDB as pessoas se pronunciam muito livremente, até porque nós fomos o guarda-chuva da democracia quando a ditadura sangrava este país. Por esse motivo, nós aceitamos todo tipo de debate interno dentro do partido e não questionamos dessa forma. Não houve um governo de coalizão com o partido. Houve, digamos assim, o apoio administrativo ao governo do presidente Lula pontualmente. Não era uma coalizão político-partidária. O que estou defendendo é uma coalizão político-partidária que envolva todo ou pelo menos a grande maioria do partido, já que vamos respeitar sempre as dissidências internas. O PMDB é um partido nacionalista, desenvolvimentista, voltado para as questões sociais, e não tem outro caminho hoje que não o de seguir o presidente Lula, que está no mesmo rumo. O partido vai fazer a crítica na construção, aí tudo bem, é possível. Agora, dentro do ponto de vista de fazer oposição por oposição, isso não é uma marca do PMDB.
E o que o presidente Lula tem dito nesses encontros com as principais lideranças do PMDB?
Tem manifestado muito respeito ao partido. O presidente ofereceu formalmente a posição de vice-presidente da República para o PMDB. É uma posição muito honrosa para o partido. Acho que o PMDB cometeu um erro ao não aceitar. Até porque nós estamos muito mais próximos do presidente Lula e do que pensa o programa do Partido dos Trabalhadores do que de outro partido político qualquer.
Para isso, o PT terá de mudar de comportamento num eventual segundo governo Lula?
Eu acho que todo mundo amadureceu dentro do governo. Há uma perspectiva nesse sentido e espero que ela se confirme.
Apesar de dar apoio ao governo no Congresso, com uma grande bancada, o PMDB só conseguiu três ministérios. O apoio do partido para a reeleição de Lula passa também por uma distribuição maior da fatia dos cargos na Esplanada?
Essa coalizão não houve. Nessa proporção, você mesmo constata que não houve aqui no Congresso Nacional. Não tenho dúvida de que o presidente, ao montar o seu novo governo, vai fazer obviamente a proporcionalidade partidária para poder ter a sustentação política aqui no Congresso Nacional. É um processo natural. Se você está num governo de coalizão, todos são companheiros. A reciprocidade tem que acontecer. Vai ser um processo natural de proporcionalidade político-partidária de sustentação do governo de coalizão. Hoje, o presidente tem uma percepção totalmente diferente (em relação ao início de seu mandato) do que é governar, do que é a relação com o Congresso, e tudo isso vai pesar na hora que ele tomar a decisão. Obviamente que o presidente ficará livre para fazer dentro das alianças políticas que convier essa coalizão administrativa. Essa coalizão administrativa é uma conseqüência da coalizão política e o presidente tem a compreensão disso.
De todo modo, o presidente já se comprometeu com o PMDB a fazer essa coalizão administrativa?
Ao propor ao PMDB a participação na chapa como vice-presidente da República, ele deu uma demonstração de que desejava ter o PMDB efetivamente no governo. Se isso não foi possível agora, obviamente que na questão administrativa ele vai contemplar na proporcionalidade que tiver o PMDB no Congresso Nacional.
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