Paulo Henrique Zarat
Criada para investigar as denúncias de compra superfaturada de ambulâncias com recursos públicos, a CPI dos Sanguessugas deve produzir uma avalanche de processos no Conselho de Ética da Câmara. O colegiado não terá condições de investigar até o fim desta legislatura todos os denunciados, que de acordo com os primeiros números divulgados somam 57 parlamentares.
"Por mais que o processo corra na celeridade suficiente, não haverá chances de votar cassação de ninguém este ano", reconhece o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), membro da CPI, assumindo de público algo que outros parlamentares e assessores técnicos do Congresso só dizem protegidos pelo off (informação que a fonte passa a um jornalista sob o compromisso de permanecer anônima) .
Integrantes da CPI já pensam em reabrir em 2007 os processos dos deputados e senadores acusados que se reelegerem. Mesmo assim, não é certo que eles serão cassados. Além do velho espírito de corpo do Congresso, com sua política de uma mão lava a outra, persiste o constrangimento regimental do voto secreto no julgamento processos de perda de mandato de parlamentares.
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Na Câmara, chegou-se a ensair um movimento para aboli-lo, mas esta foi outra a matéria que a ansiedade dos congressistas em se dedicar à campanha eleitoral impediu que fosse apreciada.
Rito demorado
O rito da tramitação de um processo de cassação pode se arrastar por vários meses, como mostrou o escândalo do mensalão. O do ex-líder do PP na Câmara José Janene (PR) completou um ano e ainda não foi votado. As votações em plenário dos pareceres do Conselho de Ética sobre os deputados envolvidos com o mensalão se realizaram, em média, cinco meses após a abertura do processo.
Dos 19 deputados acusados de receberem dinheiro do lobista Marcos Valério, 11 foram absolvidos pelo voto secreto e quatro renunciaram aos mandatos: Carlos – ex-Bispo - Rodrigues (PL-RJ), o ex-líder do PMDB José Borba (PR), Paulo Rocha (PT-PA) e o presidente licenciado do PL, Valdemar da Costa Neto (SP). Apenas três deputados foram cassados no plenário por causa do envolvimento com o escândalo do valerioduto: Roberto Jefferson (PTB-RJ), José Dirceu (PT-SP) e Pedro Corrêa (PP-PE).
O processo contra o deputado Vadão Gomes (PP-SP), acusado de ter recebido R$ 3,7 milhões de Marcos Valério, também demorou mais que a média. O processo foi aberto no Conselho de Ética no dia 17 de outubro de 2005, mas o parecer que pedia a cassação de Vadão Gomes só foi a plenário para ser votado em 24 de maio deste ano, seis meses depois.
No caso do deputado José Janene (PP-PR), o parecer dele não foi votado até hoje. Janene conseguiu protelar seu julgamento apresentando sucessivos atestados médicos. O deputado, conforme os atestados, sofre de doença cardíaca grave e está licenciado do cargo desde que seu nome foi envolvido na denúncia do mensalão. Acusado de receber, R$ 4,1 milhões do esquema de compra de votos, a previsão do Conselho de Ética é que o processo de Janene, aberto ainda no primeiro semestre do ano passado, seja votado só em setembro deste ano.
O processo
Os pedidos de abertura de processos contra deputados no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar, quando feito diretamente por partidos, são remetidos para a presidência da Câmara para serem numerados. Depois, a presidência os reenvia ao Conselho que terá que notificar pessoalmente os parlamentares denunciados. Depois de notificados, os deputados têm o prazo de cinco sessões plenárias para apresentar sua defesa por escrito.
Este ano, porém, os deputados só vão trabalhar seis dias antes das eleições de outubro: três na primeira semana de agosto e mais três na primeira semana de setembro. Por causa das eleições, é bem possível que a sessões não sejam realizadas por falta de quórum, já que a maioria dos deputados está em plena campanha nos estados. Ou seja, a defesa dos acusados deverá ser apresentada só depois de outubro.
Depois de apresentada a defesa, o Conselho de Ética passa à fase de instrução do processo, em que o relator ouvirá todas as testemunhas de acusação e de defesa, nessa ordem. Em seguida, o relator apresenta o parecer para ser votado no Conselho de Ética. Se aprovado o pedido de cassação, o acusado tem o prazo de cinco sessões plenárias para apresentar recurso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), contra a decisão do Conselho. Caso o recurso seja aceito, o parecer volta para o Conselho de Ética. Se a CCJ negar o recurso, aí sim, o processo estará pronto para ser votado no plenário.
Já quando a denúncia é feita por meio do relatório aprovado na CPI, a tramitação do processo muda um pouco. Antes de ir para o Conselho de Ética, o relatório é enviado à presidência da Câmara para autorizar a abertura dos processos e depois encaminhado à Corregedoria para as autorizações serem ratificadas. Só depois é que o processo segue para o Conselho de Ética iniciar a fase de instrução.
Tudo isso leva uma assessora técnica do Congresso Nacional a confirmar: não haverá tempo para votar nenhum processo de cassação este ano. "Os prazos não colaboram muito", diz ela.
No entanto, o deputado Fernando Gabeira (PM-RJ), que integra a CPI dos Sanguessugas, acha que só o fato de a sociedade saber quem são os envolvidos com a máfia das ambulâncias já terá sido um grande serviço prestado aos eleitores. "A nossa intenção (com a criação da CPI) não era contar com a possibilidade de cassação de todos. Só divulgar os nomes dos deputados envolvidos, num ano de eleição, já é um grande serviço que a comissão vai fazer", pensa Gabeira.
Os já denunciados ao Conselho de Ética
Na quarta-feira da semana passada, o PPS, PV e Psol entraram com representação contra dois deputados no Conselho de Ética acusados de serem uns dos coordenadores da máfia das ambulâncias no Congresso: Nilton Capixaba (PTB-RO) e João Caldas (PL-AL), segundo e quarto secretários da Mesa Diretora da Câmara, respectivamente. Outros 13 deputados, que já foram notificados pela CPI para apresentar a defesa, devem ser denunciados ao Conselho nos próximos dias. A CPI já tem indícios suficientes do envolvimento deles no esquema.
Ontem, o Psol anunciou que pretende ingressar com representações no Conselho de Ética, ainda esta semana, contra mais dois deputados: Pedro Henry (PP-MT) e Wanderval Santos (PL-SP).
Os nomes dos 40 parlamentares restantes, repassados pelo STF à CPI, deverão ser notificados esta semana para apresentarem a defesa. Outros nomes de deputados, que deverão aparecer no depoimento que Luiz Antônio Trevisan Vedoin prestou à Justiça Federal em Mato Grosso, só terão os processos abertos pelo Conselho de Ética depois da apresentação do relatório parcial da CPI, prevista a princípio para o dia 3 de agosto, conforme informou a assessoria do relator da CPI, senador Amir Lando (PMDB-RO). Ontem, porém, Lando já admitia a possibilidade de não conseguir fechar o relatório nesse prazo.
O relatório deverá ser elaborado com base no depoimento do dono da Planam, Luiz Antônio Trevisan Vedoin. Segundo o vice-presidente da CPI, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), o empresário apontou o nome de pelo menos 80 parlamentares que estariam envolvidos com a máfia das ambulâncias. Em entrevistas dadas ontem, Gabeira afirmou que o número seria ainda maior, chegando a cem: 90 parlamentares no exercício do mandato e mais dez ex-parlamentares.
Mesmo no caso de Capixaba e Caldas, em que três partidos se adiantaram e já entraram com representação no conselho contra eles, há pouca esperança de que seja possível votar eventuais cassações ainda nesta legislatura. O presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), já disse que os processos de Caldas e Capixaba não serão votados antes das eleições.
Baixo clero
Os depoimentos de Luiz Antônio Trevisan Vedoin e do seu pai, Darci José Vedoin, à Justiça Federal em Mato Grosso e a integrantes da CPI dos Sanguessugas deixaram em polvorosa os deputados do chamado baixo clero. A expressão é usada para designar parlamentares em geral pouco conhecidos da opinião pública que dedicam o mandato a práticas assistencialistas.
Segundo o vice-presidente da CPI, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), existem provas "documentais" e "contundentes" contra pelo menos 80 deputados e três senadores que teriam recebido dinheiro da quadrilha que vendia ambulâncias superfaturadas a prefeituras de 19 estados, por meio da apresentação de emendas parlamentares.
O depoimento mais incriminador foi o que Luiz Antônio Vedoin deu ao juiz Jeferson Schneider, da 2ª Vara Federal de Cuiabá. Ele depôs durante nove dias consecutivos. Apontou nomes e apresentou documentos bancários que provariam a transferência ou o depósito de dinheiro na conta dos parlamentares. Após o depoimento, o empresário teve a prisão preventiva relaxada. Ele obteve o benefício da delação premiada (diminuição da pena em troca de informações). Vedoin estava preso desde maio, quando a "Operação Sanguessuga" foi deflagrada pela Polícia Federal. Vedoin ainda pode ter que depor na CPI.
O líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB), foi o único cacique político a aparecer no escândalo. Outros dois senadores também foram citados pelos Vedoin, o senador Magno Malta (PL-ES) e a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), mas a CPI ainda não sabe o grau de envolvimento deles com as fraudes.
De acordo com Fernando Gabeira, que também esteve em Cuiabá, a maior parte dos parlamentares apontados como participantes da fraude são de três estados. "Há uma grande incidência de deputados do Rio de Janeiro, de Mato Grosso, do Amapá e da bancada evangélica. A maioria esmagadora dos envolvidos no esquema é do baixo clero", revelou Gabeira.
Como funcionava o esquema
Os integrantes da CPI dos Sanguessugas descobriram também que muitos deputados envolvidos com a máfia das ambulâncias pertencem aos partidos que estiveram relacionados diretamente com o escândalo do mensalão: sobretudo, PP, PL, PTB e PMDB. Os membros da comissão desconfiam que o esquema era formado por cerca de 20 deputados (veja os nomes) que coordenavam a apresentação das emendas e o recebimento das propinas. Os deputados coordenadores e Darci Vedoin eram os responsáveis pela cooptação de outros parlamentares, oferecendo dinheiro para que os parlamentares apresentassem as emendas destinadas a compra da ambulâncias.
Os parlamentares cooptados (veja lista) apresentavam sugestões para compra das ambulâncias em troca das propinas pagas pela Planam. Eles não coordenavam o esquema, mas tinham direito a recompensa pela apresentação das emendas. A CPI já verificou, porém, que nem todos os deputados que apresentaram emendas para a compra das ambulâncias tinham o nome no livro-caixa da Planam.
No livro, estão descritos os pagamentos feitos pela empresa aos parlamentares envolvidos no esquema. Por isso, os membros da CPI não descartam a hipótese de alguns deputados terem sido usados pelos parlamentares que coordenavam a fraude, propondo assim as emendas sem terem conhecimento do esquema de corrupção que as envolvia.
O procurador-geral da república, Antonio Fernando Souza, já encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido para abrir investigação contra 57 parlamentares. Os nomes dos investigados não podem ser revelados porque os inquéritos estão correndo em segredo de justiça. Hoje, integrantes da CPI vão conversar com o ministro Gilmar Mendes, do STF, para pedir o fim do sigilo. O presidente da CPI das Sanguessugas, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), pediu na quarta-feira passada a divulgação imediata dos nomes dos envolvidos. "Esses nomes têm de ser divulgados, para acabar com as especulações", pediu Biscaia.
Mesmo se o ministro Gilmar Mendes não autorizar a divulgação dos nomes, o relator da CPI, Amir Lando, disse que vai tornar públicas as notificações feitas pela comissão aos parlamentares.
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