Antonio Carlos dos Reis "Salim"*
A escravidão no Brasil, como se sabe, foi extinta pela Lei Áurea, promulgada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Infelizmente, esse importante marco legal da história do Brasil não foi suficiente para erradicar de modo pleno, em termos práticos, esse flagelo humano. É triste saber que ainda há no país mais de 180 empresas que exploraram a deplorável prática, conforme constatado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Os escravos do século 21 atuam, principalmente, na pecuária de corte, extração de carvão e colheita de algodão e soja. Pior é que essa absurda situação atinge também os menores de idade. Dentre as 226.943 empresas fiscalizadas pelo ministério entre janeiro e agosto deste ano, mais de quatro mil crianças, de até 16 anos, muitas na primeira infância, foram encontradas trabalhando. Será que teremos de promulgar uma nova Lei do Ventre Livre?
O ministério lançou programa, em 1995, que visa a erradicar o trabalho escravo no Brasil, por meio de fiscalização, coordenada pela Secretaria de Inspeção do Trabalho. Essa ação regularizaria os vínculos empregatícios, além de libertar trabalhadores submetidos a situações ilegais. Infelizmente, um grupo de senadores alegou não ter constatado eficácia da atuação dos fiscais e pediu a suspensão das ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. A argumentação foi que uma empresa no Pará, um dos focos das investigações, não possuía mais trabalhadores em condições precárias.
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Fiscais da Delegacia Regional do Trabalho do Pará estiveram nessa empresa em outubro e dezembro de 2006 e fevereiro deste ano e constataram irregularidades. Porém, não se configurava o trabalho escravo. Mas, em julho, o grupo móvel libertou 1.064 pessoas. Pelo bem de todos os trabalhadores, o Ministério do Trabalho já conseguiu retomar essas atividades, que ficaram paralisadas pelo menos quinze dias.
Exploração não acontece apenas em fazendas do interior. Podemos encontrá-la nas capitais, como São Paulo. Algumas empresas, de bairros como Bom Retiro e Brás, aproveitam que muitos estrangeiros, principalmente bolivianos, estão ilegalmente no Brasil e oferecem situações precárias de trabalho, com baixíssimo salário e jornadas abusivas.
O que não conseguimos entender é como o Senado, que se diz tão preocupado com as condições empregatícias do Brasil, pôde autorizar a suspensão das ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel. Esse gesto foi um convite aos abusos e à impunidade.
O país evoluiu muito desde a Lei Áurea, uma resposta da agonizante monarquia às então novas tendências filosóficas, políticas, econômicas e humanistas que marcaram o ocaso do século 19 e o limiar do século 20. Que a República, fruto das mesmas transformações históricas, possa honrar, neste Brasil do século 21, o mais precioso patrimônio humano e paradigma essencial da democracia: a liberdade!
*Antonio Carlos dos Reis "Salim" é presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo (Stieesp) e da Federaluz e vice-presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
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