A proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo governo não tem qualquer ponto defensável. Esta é a opinião da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), manifestada por meio de três questões centrais sobre o assunto ao Congresso em Foco (leia abaixo), em relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16 (íntegra). Já em fase de debates em comissão especial instalada na Câmara, a matéria modifica regras em relação à idade mínima e ao tempo de contribuição para a aposentaria; à acumulação de aposentadorias e pensões; ao modelo de cálculo para concessão de benefícios, entre outros elementos.
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Para a entidade, o governo Michel Temer repete o comportamento de repassar aos trabalhadores mais humildes o custo do alegado deficit da Previdência – “o ônus financeiro decorrente da ineficiente gestão do Estado e da transferência direta ou indireta de recursos para os grandes conglomerados econômicos”, resume a Conamp.
“Não há, portanto, qualquer ponto do texto original da PEC 287/16 que possa ser defendido”, emenda a entidade, atualmente presidida pela promotora de Justiça baiana Norma Angélica Reis Cardoso Cavalcanti. “Esta reforma tem ideologia atrasada em 20 anos e parece ter saído das pranchetas neoliberais dos anos 90 com linhas ultrapassadas que começam a ser rechaçadas no mundo inteiro.”
Uma das principais críticas da associação é o fato de o governo pretender a imposição de 49 anos de trabalho para obtenção do benefício integral e a elevação, para 65 anos, da idade mínima para que um cidadão requeira a aposentadoria. “Não é possível reformar a Previdência suprimindo garantias já consolidadas, inclusive em três reformas constitucionais (Emendas Constitucionais 20/98, 41/03 e 45/07), trazendo ainda um ‘corte etário’ cabalístico para incluir nas regras de transição apenas homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos – situação que trará enorme injustiça, porquanto quem começou a trabalhar cedo, e não atingiu tal idade, será relegado a novo e injusto regime”, diz a entidade, que apresenta algumas sugestões para que a Previdência seja reformada sem que isso represente supressão de direitos.
Diálogos
A Conamp é uma das entidades participantes do Diálogos Congresso em Foco 2, iniciativa que aposta na troca de ideias como caminho para o país sair da profunda crise em que se encontra. Em 2017, o fórum de discussões entra em seu segundo ano na expectativa de tratar de temas como a formação política da sociedade – e, nesse processo, o papel dos meios de comunicação –, medidas de combate à corrupção e ao desemprego, a gestão das finanças públicas etc.
Neste espaço, aberto à participação de todos, revezam-se questões consideradas cruciais para a superação dos entraves à retomada do crescimento econômico, ao aprimoramento da democracia e dos costumes políticos. Participe do debate, deixando registrada a sua opinião por meio de comentários em nosso site, na página do Diálogos no Facebook ou enviando suas contribuições em texto, vídeo ou áudio para o email dialogos@congressoemfoco.com.br.
Confira o resumo do posicionamento da Conamp sobre o assunto:
Congresso em Foco: A Conamp apoia algum ponto da reforma da Previdência formulada pelo Governo? Qual o posicionamento da Conamp sobre a reforma?
Conamp: A primeira e a segunda indagações comportam uma resposta conjunta. A Conamp é contra a aprovação do texto original da PEC 287/16, que tem por premissa a supressão de direitos e garantias, tanto do setor público como do setor privado.
É uma reforma francamente excludente, que poderá colocar em risco o próprio sistema ao longo do tempo, porquanto traz grande desestímulo em exigir 49 anos de trabalho para a obtenção do maior benefício e ao aumentar para 65 anos a idade mínima de a aposentadoria. Isto aumentará a informalidade – o que é um grande risco para a seguridade – diminuindo, lá na frente, o capital da Previdência.
Não é possível reformar a Previdência suprimindo garantias já consolidadas, inclusive em três reformas constitucionais (Emendas Constitucionais 20/98, 41/03 e 45/07), trazendo ainda um “corte etário” cabalístico para incluir nas regras de transição apenas homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos, situação que trará enorme injustiça, porquanto quem começou a trabalhar cedo, e não atingiu tal idade, será relegado a novo e injusto regime. Isto sem contar que os atuais segurados despenderam vultosas cifras, em especial no setor público, para o recebimento ulterior (se aprovada a reforma) de valores muito menores.
O discurso do governo apresenta a reforma da Previdência como necessária para o equilíbrio das finanças do País. Será? A pretensa economia com a reforma – segundo dados do governo – seria de 678 bilhões em dez anos. Pois bem, somente a União desperdiça, por ano, 1,567 trilhões de reais com sonegação fiscal (500 bilhões), desonerações tributárias (267 bilhões), corrupção (200 bilhões) e juros da dívida (600 bilhões), e isto sem considerar o estoque de créditos decorrentes da sonegação fiscal que a União tem a receber é de 1,5 trilhões de reais.
O que se vê, claramente, é que ao revés de buscar a solução destes problemas crônicos, busca-se o fácil caminho do solapar de direitos previdenciários, para se economizar em 10 anos o que se desperdiça em quatro meses!
Não é só isto, apenas nos últimos 6 anos a União abriu mão, em desonerações tributárias, de 1.346.205 trilhões de reais, e isto por não se dizer dos empréstimos com juros diminutos feitos pelo BNDES, inclusive no exterior, que somam 1,6 trilhão de reais entre 2007 e 2016. Parte desta conta, em ultrapassada ótica neoliberal, pretende-se transferir aos já onerados trabalhadores públicos e privados, que suportam uma das maiores cargas tributárias do mundo, o ônus financeiro decorrente da ineficiente gestão do estado e da transferência direta ou indireta de recursos para os grandes conglomerados econômicos.
Não há, portanto, qualquer ponto do texto original da PEC 287/16 que possa ser defendido.
Quais as possíveis soluções da entidade para que a Previdência possa sair da crise?
Uma das soluções para a seguridade social, pois, muito antes de se reformar um de seus componentes (a previdência), passa por alterar a Constituição para vedar a desvinculação de receitas previdenciárias. Ocorre que Constituição foi lá atrás alterada, em 1994, permitindo-se que 20% dessas receitas – que deveriam dar suporte à seguridade social – pudessem ser livremente dispostas pela União, e, a partir deste ano, essa desvinculação será de 30%. Ora, se o sistema é deficitário, como diz o Governo, iria o Congresso autorizar o aumento de saída de receitas que custeiam a seguridade social?
Apenas para se ter uma ideia, e sem qualquer correção monetária, de 2001 a 2015 a DRU rendeu à União 580 bilhões de reais, o que, se corrigido, remontaria a valor muito superior ao que pretende a reforma “economizar”. Não o bastasse – e isto vem explicado na nota técnica da Conamp –, para a construção de Brasília estima-se que 52,5 bilhões de dólares foram desviados da Previdência, e, para a construção de obras faraônicas nos anos 70/80, desviou-se da Previdência valores que, atualizados e capitalizados, superam a astronômica casa de 3,4 trilhões de dólares.
Afora os desvios históricos pelo próprio governo, há a sangria de recursos decorrentes de benefícios fraudulentos, incumbindo ao Executivo dotar os órgãos de controle de estrutura e pessoal suficientes para a fiscalização do sistema, afora a perda bilionária por força da desoneração, inclusive previdenciária.
Aliás, e no que toca ao Regime Próprio dos Servidores da União (RPPS), o estudo da Conamp revela que o governo trabalha com um dado incorreto e omite outro dado fundamental. No último relatório de avaliação atuarial do RPPS (ANEXO IV.7 DO Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016) o Governo Federal apontou deficit de 68,8 bilhões para o exercício de 2016 – número 75,55% maior que a previsão feita em 2015 pelo Tesouro Nacional (deficit de 39 bilhões, segundo o Relatório Resumido de Execução Orçamentária – RREO). Isto por não se dizer que a Anfip, em ponderada análise, reduz esse deficit (RPPS/União-02015) para 33.7 bilhões de reais.
Para chegar ao robusto número de deficit na ordem de 66,8 bilhões, o Governo Federal considerou que todos os servidores da União que já têm esta possibilidade se aposentariam no início de 2016 – o que de fato não ocorreu e nem ocorreria. Portanto, a projeção do deficit atuarial do RPPS parte de número inflado em 75,55%, o que não traz nenhuma confiabilidade a prognoses pessimistas do RPPS a longo prazo.
Há ainda de se considerar que o Governo Federal, deliberadamente, não definiu qualquer referencial a fim de orientar avaliações futuras sobre o RPPS, dificultando a análise presente do quadro que apresenta. No entanto, o valor do PIB Nacional, ao menos até 2060, foi indicado como referencia na projeção do Regime Geral da Previdência Social (RGPS, anexo IV.6 do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016).
Ou seja, a ausência de um indicador pelo Governo Federal significa omissão deliberada sobre o franco declínio do deficit do RPPS, e isto se concluiu quando se compara o deficit estimado pelo Governo (número já sobrevalorizado em 75,55%) com o PIB pelo mesmo Governo projetado:
Estes fatores demonstram que há erro na premissa do Governo Federal em relação ao deficit do RPPS, que na verdade se mostra em franco declínio.
Mesmo assim há de se identificar a causa desse deficit. A Constituição de 1988 migrou 650 mil celetistas para o RPPS da União, sem ao menos carregar para esse sistema as contribuições que efetuaram para o RGPS. Evidente que isto trouxe um enorme impacto econômico. O estudo da Conamp estima que isto representa, por ano, gasto extra de 44 bilhões de reais ao RPPS!!! Esta foi uma opção política do legislador constitucional, e cuja conta não pode ser transferida para os segurados do RPPS.
Portanto a solução para a previdência passa, primeiro, por uma auditoria externa de suas contas, que poderia ser feita pelo Tribunal de Contas da União, órgão técnico de excelência, e uma vez retratada a sua real condição, eventuais reformas não podem rechaçar garantias constitucionais já mantidas pelo poder reformador, apontando-se, ainda, que não se justifica a transferência de recursos da seguridade para o tesouro como operada pela DRU, tampouco se justificam desonerações de vulto para o setor privado.
Quais mudanças na Previdência a Conamp apresentaria e que considera essenciais para mudar a atual legislação?
Antes de qualquer sugestão, necessário é que o Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados neste momento, dialogue com a sociedade civil e facilite a realização de necessárias audiências públicas.
As propostas serão apresentadas, e não só pela Conamp, mas também por outras entidades associativas do Ministério Público, da Magistratura e de carreiras de Estado, em formatação técnica e responsável, visando adequar a proposta do Governo aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, irretroatividade do avanço social, equidade e Justiça material, todos de assento constitucional, e com respeito às regras de transição vigentes.
A sociedade civil já entendeu – e países como Chile, Argentina e Colômbia ensinaram isto – que mudanças radicais da Previdência apenas trazem, ao longo do tempo, o empobrecimento da população com alto custo social e atravancando o próprio desenvolvimento econômico. É de se trazer o alerta do chefe do Ministério do Trabalho da França, Thomas Coutrot, que, indagado sobre a proposta apresentada pelo Governo Temer, ponderou: “Todas as reformas da aposentadoria que tiveram lugar no mundo inteiro, na Europa, principalmente nos últimos anos, tiveram o mesmo objetivo: reduzir os custos salariais porque a Previdência é financiada através de encargos sociais. Hoje em dia, o próprio FMI e a OCDE (Organização Para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) dizem que a questão da redução da massa de salários foi longe demais, houve um aumento muito grande das desigualdades sociais e agora isto cria dificuldade para o próprio crescimento econômico”.
Em outro ponto, pretende a PEC 287/16 igualar a idade de aposentadoria para homens e mulheres, em 65 anos. Isto é uma postura excludente aos direitos sociais da mulher ao rechaçar histórico avanço em conferir à mulher de menor prazo para a aposentação.
No que toca à idade mínima de 65 anos, vê-se claramente que sua motivação advém de regras adotadas por países de alto grau de desenvolvimento social da OOCD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas que têm realidades – e expectativa de vida – muito diversas do Brasil. Isto vem muito bem esclarecido em estudo realizado por Marcelo Perrucci, Presidente do Conselho Fiscal do Funpresp-Exe, que com propriedade aponta que a expectativa média de vida dos países que adotam os 65 anos com idade mínima para a aposentadoria é de de 81,2 anos, contra 75 anos do Brasil. Não o bastasse, tais países têm fator HALE (Health Adjusted Life Expectancy ou Expectativa de Vida Ajustada pela Saúde) de 71,5 anos, contra 65,2 anos do brasileiro, que teria, com a aprovação da reforma como proposta pelo Governo Federal, pouquíssimos meses para aproveitar, com saúde, a merecida aposentadoria.
Como comparação final basta dizer que no Japão – campeão mundial de longevidade, com expectativa de vida de 84 anos, onde há uma cultura baseada no trabalho longevo – são necessários 40 anos de contribuição para a aposentadoria sem redutor. Aqui o governo propôs 49 anos para isto.
Esta reforma tem ideologia atrasada em 20 anos e parece ter saído das pranchetas neoliberais dos anos 90 com linhas ultrapassadas que começam a ser rechaçadas no mundo inteiro.
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