Até 2000, o governo dizia que o PCC não existia – em 2001, a organização deflagrou uma paralisação simultânea em 29 presídios de SP. Em 2002, a polícia prendeu alguns líderes e declarou que o PCC estava “falido e desmantelado” – só neste ano, em dois ataques num intervalo de dois meses, foram mortos quase cinqüenta policiais e agentes penitenciários. O governo não subestimou e continua subestimando o PCC?
Não. O PCC é real, existe, mas não tem o potencial que estão lhe emprestando. Esses ataques não aconteceram porque o PCC tem uma enorme capilaridade ou um exército organizado nas ruas. Aconteceram porque eles pegaram aí um pessoal dependente de drogas para sair tresloucadamente dando tiros pela cidade. É muito diferente de um exército organizado. Agora, teve muito show, muita histeria, muita gente querendo tirar casquinha da situação. O problema de São Paulo é: ladrão que quer pegar seu relógio para gastar em tênis de marca. Mais nada.
O fato é que , em dez anos, o PCC cresceu mais do se esperava. Em que o governo falhou?
Houve dois erros. O primeiro foi não ter definido presídios diferentes para diferentes tipos de preso. O segundo foi uma certa leniência no trato interno dos presos, com relação à disciplina. Havia um pacto, não formal, de que, desde que não se fizesse rebelião, valia qualquer coisa intramuros.
Leia também
Mas o PCC não atua apenas dentro das cadeias, age fora delas também. Nesse caso, a responsabilidade de combatê-lo é da polícia.
Está certo. Você diz: a polícia poderia ter trabalhado melhor? Bom, talvez. Talvez pudesse ter sido mais ágil. Mas a conseqüência do trabalho da polícia vai ser sempre a prisão. Só que, chegando à prisão, o preso fala ao celular, recebe visita íntima… E aí, como é que fica?
Nos dias subseqüentes aos ataques do PCC, em maio, 126 pessoas morreram em supostos confrontos com a polícia. A média de mortes nesse tipo de confronto é de 0,7 por dia. Nesse período, ela subiu para catorze por dia. Situações como essa não ajudam a consolidar a idéia de que a sua secretaria está ressuscitando o esquadrão da morte?
Isso é um absurdo. Quase 80% das mortes foram pronta resposta: a pessoa atirou, levou tiro. O bombeiro que morreu, por exemplo. Ele morreu, mas o colega que estava do lado dele matou o sujeito que desferiu o tiro. Isso é pronta resposta. Bom, mas houve um ou outro caso de exagero? Talvez. Não posso ter domínio sobre 130.000 homens que eu não compro no supermercado, não escolho na prateleira: é o que o Estado produziu.
O que , na sua opinião, faz com que as pessoas em SP tenham medo da polícia?
Eu não sei se é medo. No interior, a polícia inspira respeito. E não é pela violência ou pela truculência. É pela farda, pelo status. Lá, o delegado vai ao mesmo clube que eu, o filho dele freqüenta a mesma escola que o nosso. Aqui, o policial chega em casa e o filho conta que, na escola, disseram que o pai dele é torturador. Essa rejeição social atinge a auto-estima do policial. E tem relação direta com a corrupção. Tanto assim que, no interior, a corrupção é baixíssima. Mas quando se fala de polícia ou é para mostrar aquele sujeito escrachado, que anda por uma delegacia onde se bate depoimento em máquina Remington e ninguém nunca ouviu falar em informática, ou é para falar de violência: Carandiru e tal. Esse é o policial que a TV mostra.
Por que quando o senhor foi prestar depoimento na Assembléia Legislativa de SP, no mês passado, levou junto mais de 100 policiais? Foi uma tentativa de intimidar os deputados?
Sempre que vou falar em público, levo comigo as pessoas que são responsáveis por suas áreas, até porque há coisas a que eu não sei responder. E não tinha tanta gente assim. Era a patota que fica na Assembléia. Tem bastante PM lá. E eu também não me recusei a responder às perguntas dos deputados. O problema é que fui lá para discutir orçamento. Quer dizer, você tem de parar o que está fazendo para ir à Assembléia e assistir aos deputados discutindo entre si, durante horas. Eu fiquei tomando água quente sete horas.
Embora o número de homicídios no estado de SP tenha caído desde 2002, os crimes contra o patrimônio – roubos e furtos – se mantêm nos mesmos níveis ou registram aumento. Por que a polícia não consegue diminuir esse tipo de crime?
Porque só com prisão você não resolve o problema. Primeiro, o bandido não fica na prisão. Tirando o latrocínio, que hoje é crime hediondo, nenhum crime segura ninguém na cadeia. Todos os responsáveis por roubo e furto que nós prendemos há dois anos já estão na rua. O segundo motivo é que nós temos uma sociedade consumista, que faz com que o jovem queira o tênis de marca, queira ter as coisas que os ricos têm. Por último, há a parcela de responsabilidade da sociedade. Uma vez, eu mostrei a um pessoal da Scotland Yard alguns números de roubo de veículos daqui. O policial falou: “Mas as pessoas compram carro roubado?”. Eu fiquei desconcertado. Era inadmissível na cabeça de um inglês alguém comprar um carro, um farol, um rádio que fossem roubados. Quem compra o Rolex que é roubado na esquina? É algum bacana que quer ter um Rolex, não é o manezinho da favela. Então, há uma questão de cultura também.
O que teria de ser feito então?
Teria de ser mudada a forma de discutir o crime. Desde quando se discute isso? Não era para a classe política ter esse tema como prioritário? Quando vem uma catástrofe, morre a filha da novelista, vem o PCC, aí todo mundo aparece: quer prisão perpétua, quer decapitação. No fundo, todo mundo quer tirar uma casquinha.
Deixe um comentário