Istoé
Relatório final do BC mostra fraudes e grampos de um banco que adorava ajudar políticos
Na última semana, ISTOÉ teve acesso a um relatório exclusivo da Comissão de Inquérito do Banco Central com novas revelações sobre a bilionária fraude do Banco Cruzeiro do Sul, que sofreu intervenção em junho do ano passado e foi liquidado três meses depois. O documento de 247 páginas revela que o esquema criminoso montado pelos banqueiros Luis Felippe Indio da Costa e Luis Octavio Azeredo Indio da Costa, pai e filho, foi ainda maior do que a Polícia Federal e o Ministério Público tinham conseguido apurar. O banco contou ainda com a omissão de grandes empresas de consultoria e até com um aparato de arapongagem que garantia acesso a informações privilegiadas.
Na documentação, obtida com exclusividade por ISTOÉ, pareceres e notas jurídicas revelam a incrível variedade de crimes cometidos e o tamanho do golpe. Segundo o relatório, foram feitas 682 mil operações de empréstimos fictícios – o dobro do que a PF e o Ministério Público imaginavam. Os auditores do BC também concluíram que houve desvio de recursos por triangulação e encontraram indícios veementes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O rombo deixado pela gestão fraudulenta dos Indio da Costa, que era estimado em R$ 1,3 bilhão, ultrapassa os R$ 2,2 bilhões, conforme o relatório do BC. Agora, a Polícia Federal quer saber se o dinheiro da fraude teve como destino paraísos fiscais, contas de laranjas ou campanhas políticas, como a do tucano José Serra. Nas eleições de 2006, 2008 e 2010, o Cruzeiro do Sul doou quase R$ 12 milhões para políticos de diversas legendas. O partido mais beneficiado foi o PSDB. Em 2010, o Cruzeiro do Sul injetou R$ 1,2 milhão na campanha do vice de Serra, Indio da Costa, primo do presidente do banco. Também doou R$ 1,8 milhão diretamente para o diretório nacional do PSDB, principal cofre da campanha serrista. Outro R$ 1,3 milhão foi distribuído para diretórios tucanos empenhados na campanha de Serra. A instituição buscava proteção financiando políticos e mantinha uma boa relação com os tucanos. Ainda não é possível afirmar, no entanto, que o dinheiro que acabou nas campanhas eleitorais tenha vindo direto das operações fraudulentas dos banqueiros. Mas a PF já investiga essa possibilidade.
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Jabuticaba política
Um jogo de interesses produziu mais um daqueles absurdos que só acontecem no Brasil: Afif Domingos é, ao mesmo tempo, vice-governador de oposição e ministro governista. É comum relacionar lances inusitados da política nacional à jabuticaba, fruta silvestre que só existe no Brasil. Os exemplos capazes de ilustrar essa associação são fartos. Recentemente, um deputado homofóbico e racista elegeu-se presidente da Comissão de Direitos Humanos, parlamentares condenados pelo mensalão no STF passaram a ocupar assentos na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e um senador ruralista foi escolhido para dirigir a Comissão de Meio Ambiente do Senado. Na última semana, a política nacional produziu mais uma jabuticaba. De olho nas alianças e no tempo de televisão para as eleições presidenciais de 2014, a presidenta Dilma Rousseff nomeou para o seu ministério um vice-governador da oposição: Guilherme Afif Domingos (PSD), vice do tucano Geraldo Alckmin, em São Paulo. Na quinta-feira 9, Afif assumiu a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, cargo com status de ministério. Trata-se de um caso sem precedentes na política. Ao virar ministro de Dilma, Afif servirá ao mesmo tempo a governos do PSDB e do PT, atendendo a interesses do PSD, do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. “É uma anomalia jurídica, ética e moral”, acusa o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), que protocolou no Ministério Público do Estado de São Paulo um pedido de cassação do mandato de Afif. A jurisprudência criada é perigosa e nociva para a política brasileira e só contribui para a desordem geral, mas o vice-governador, um dos beneficiários desse teatro do absurdo, preferiu contemporizar: “Eu sou um servidor não de partido, mas de governo”. Dilma, por sua vez, justificou: “Ele tem tido papel relevante em todos os processos que, nos últimos anos, resultaram no estímulo e na valorização das micro e pequenas empresas no País”.
Os mistérios de PC Farias
A convicção de que estávamos diante de uma farsa começou a se formar no meio da tarde do domingo 23 de junho de 1996. Do lado de lá do muro do grande e avarandado sobrado de madeira erguido no meio de um bem cuidado gramado, na praia de Guaxuma, litoral norte de Maceió, a cúpula do governo de Alagoas e policiais civis e militares caminhavam de um lado para o outro. Do lado de cá, dezenas de jornalistas e curiosos se aglomeravam em busca de alguma informação. Até então, tudo que se sabia era que no interior daquela casa estavam os corpos do empresário Paulo César Farias, o PC, e de sua namorada, Suzana Marcolino. Ela, uma mulher de 28 anos, disposta a apostar em um romance que lhe trouxesse conforto material. Ele, o ex-tesoureiro do presidente Fernando Collor. Um homem que vivia cercado de seguranças, conhecedor de todos os mensalões da época. No submundo da política, sabia exatamente quem dera dinheiro para quem e a troco de quê. E naquela semana iria depor em uma CPI na qual ameaçava entregar os nomes dos empresários que alimentaram o propinoduto que levou ao impeachment de Collor.
Exatamente às 16 horas, o então secretário da Justiça, Rubens Quintela, e o delegado Cícero Torres se aproximaram do muro e disseram sem nenhum constrangimento: “Houve um crime passional. Paulo César foi assassinado por Suzana, que se matou em seguida”. Os corpos ainda estavam sobre a cama onde foram baleados. Nenhuma perícia fora feita. Nenhuma testemunha ouvida. Como poderia, então, a polícia ter uma conclusão? Poucos minutos depois, a percepção de que estávamos realmente presenciando uma armação se tornou ainda mais forte. O então deputado Augusto Farias, irmão de PC, falando em nome da família, se disse satisfeito com as conclusões do delegado. O roteiro para fazer perpetuar a farsa estava pronto.
O ministro da Pesca e sua ONG pesqueira
Há 13 anos, o bispo e cantor gospel Marcelo Crivella, atualmente ministro da Pesca, decidiu criar no Polígono das Secas um projeto de irrigação. Crivella, então, lançou um CD, vendeu mais de um milhão de cópias e reverteu o dinheiro para a compra de 450 hectares de terras em Irecê (BA). Assim nasceu a ONG Fazenda Nova Canaã. Do terreno seco, o projeto de irrigação fez brotar frutas e hortaliças, usadas para a merenda de mais de 400 crianças que recebem ensino religioso e aulas do currículo regular oferecidas pela obra social. As ações se transformaram no cartão de visita de Crivella em suas campanhas políticas. Agora, o ministro da Pesca quer fazer brotar mais do que frutas e verduras da terra seca. Aproveitando o crescimento do mercado da carne de tilápia na Bahia, Crivella prepara a ONG ligada a ele para criar peixes. Sim, a ONG do ministro da Pesca vai produzir peixe. A iniciativa seria um daqueles casos que transitariam apenas no terreno das estranhas e suspeitíssimas coincidências não fosse um detalhe essencial: para alavancar o projeto de criação de tilápias, o ministro usa a estrutura do próprio ministério. Ou seja, deixou de ser coincidência para virar uma inequívoca utilização do cargo público em benefício pessoal.
Segundo apurou ISTOÉ, a ONG Fazenda Nova Canaã, ligada a Crivella, conta com o apoio da Superintendência do Ministério da Pesca na Bahia e da Secretaria Estadual de Agricultura para dar vida ao criadouro de tilápias. No dia 23 de março, o ministro se reuniu com representantes da Bahia Pesca, órgão do Estado, para discutir a captação de recursos federais para a instalação de oito tanques-rede na ONG. Com a estrutura inicial, a fazenda poderá produzir 13 toneladas por ano, carne de tilápia suficiente para a merenda oferecida na obra social. O maior objetivo, no entanto, é lucrar com o empreendimento a partir da produção de 200 toneladas de tilápia por ano, abastecendo assim o mercado consumidor baiano. A ampliação do consumo de tilápia é o carro-chefe da gestão de Crivella no ministério. Ele tem como meta baratear a carne do peixe de origem africana para competir com o frango.
O Brasil precisa importar médicos?
Encravada na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru, Tabatinga é uma cidade amazonense com cerca de 50 mil habitantes. Quando um dos moradores das comunidades ribeirinhas do rio Solimões adoece, tem de torcer pela visita de um barco da Associação Expedicionários da Saúde ou de enfermeiros, pois médicos por lá são coisa rara. Os poucos doutores que circulam são imigrantes ilegais dos países vizinhos, em busca de remuneração mais atraente. “Os brasileiros não aceitam trabalhar nesses locais sem infraestrutura”, afirma o médico Ricardo Affonso Ferreira, presidente da ONG. “Só aqueles muito idealistas mesmo.” Na região Norte, a média é de um médico para cada mil habitantes, segundo pesquisa divulgada em março pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Diante desse diagnóstico alarmante, o governo anunciou na segunda-feira 6 um acordo para importar seis mil médicos cubanos para os municípios brasileiros geograficamente isolados e carentes de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS).
A ideia ganhou força meses atrás, quando a Federação Nacional de Prefeitos (FNP) pressionou o governo federal a encontrar soluções para a falta de médicos em locais como Tabatinga. Embora ofereçam vagas com salários mais altos que os das grandes cidades, as prefeituras do interior e periferias não conseguem atrair profissionais de saúde. Enquanto isso, a população clama por atendimento. “Sugerimos a contratação de médicos ibero-americanos, com idioma semelhante”, diz José Fortunati, prefeito de Porto Alegre e presidente da FNP. No Itamaraty, o chanceler Antônio Patriota considerou a cooperação estratégica e promissora. “Cuba é muito proficiente nas áreas da medicina, farmácia e biotecnologia”, afirmou. Em junho, a presidenta Dilma Rousseff deve assinar um decreto para oficializar a decisão que sairá dos cofres do Ministério da Saúde – ainda não se sabe se os vistos serão concedidos de forma definitiva ou provisória.
Carta Capital
É hora de pensar diferente
A repressão militar consumiu dinheiro e gerou violência sem conter a expansão do poder do narcotráfico. Até os Estados Unidos parecem dispostos a abandonar a política da “guerra às drogas”. Enquanto isso, países como Portugal liberam o consumo e colhem bons resultados. Na sempre atrasada América do Sul, cabe ao pequeno Uruguai do presidente José Mujica levar adiante um debate que avança mais depressa em outras regiões do planeta. Diante da falência da guerra às drogas – o planeta não reduziu o número de dependentes ou consumo de entorpecentes, ao contrário -, qual política seria capaz de amenizar os efeitos deletérios, entre eles a violência e a corrupção?
O Uruguai quer testar uma alternativa. 0 projeto para legalizar o consumo de maconha e estatizar sua produção e distribuição é um passo além em uma nação onde as leis há muitos anos isentam de pena a posse e o consumo de entorpecentes. Um modelo liberal centrado em ações de saúde em relação ao usuário sem abandonar a repressão ao mercado ilegal. Na Europa, esse tipo de abordagem tem se tornado cada vez mais comum. Há 12 anos, Portugal liberou a posse de drogas de forma geral para uso próprio. A política portuguesa é hoje uma referência mundial e tem o apoio da ONU. Ao menos no caso da maconha, leis similares foram aprovadas em mais de 20 países, entre eles Espanha, República Tcheca, Holanda, Argentina, Colômbia e Guatemala. Até nos Estados Unidos, mentores da “guerra às drogas”, dois estados legalizaram no ano passado o uso recreativo da cannabis.
O mundo não se tornou mais liberal da noite para o dia. O modelo repressivo é que se mostrou um fracasso retumbante. Segundo um estudo da Transform Drug Policy Foundation de 2012, só os EUA gastaram mais de 1 trilhão de dólares naguerra às drogas nos últimos 40 anos. Como resultado, o número de presos em território americano por violações saltou de 38 mil para 500 mil O país gasta 30 mil dólares ao ano por preso e só 11 mil dólares por aluno da rede pública. Apesar da repressão, o tráfico não diminuiu.
Quem leva o melhor neste enredo
Uma apreensão recorde de cocaína no Porto de Hamburgo surpreendeu as autoridades alemãs em outubro de 2003. Abordo do cargueiro, vindo de Manaus, havia 255 quilos de cocaína. O espanto, na verdade, deu-se por conta da quantidade e da pureza da droga, uma vez que um informante havia dado todas as pistas para a polícia europeia sobre o carregamento ilícito: uma encomenda feita pela ‘Ndrangheta, a máfia calabresa, a traficantes colombianos. Era sabido que o Brasil era apenas uma escala. À cocaína percorreu centenas de quilômetros pela Floresta Amazônica com a escolta dos paramilitares da Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), grupo de extrema-direita empenhado em combater os guerrilheiros das Farc. E exímios narcotraficantes.
O infiltrado era o italiano Bruno Fuduli, dono de uma marmoraria que se viu obrigado a prestar serviços para a “Ndrangheta após assumir dívidas com a mafiosa família Mancuso. Homem de escrúpulos, prontificou-se a delatar as atividades criminosas da máfia calabresa à polícia. Tornou-se um agente duplo. Quando o carregamento foi apreendido em Hamburgo, ele estava na Colômbia a mando da máfia. Diante da recusa da ‘Ndrangheta de pagar pela cocaína confiscada pelas autoridades europeias, Fuduli passou quase três meses em um cativeiro das AUQ mantido apenas com água. Após ser abandonado pelos seqüestradores, doente e 10 quilos mais magro, conseguiu contactar a polícia italiana e regressar ao seu país.
O Brasil que tem fé no futuro
Desde 2008, o País é recordista mundial na redução do desemprego. E em uma década incorporou ao mercado formal de trabalho o equivalente à população de Minas Gerais. Eis a base da confiança da maioria silenciosa. O casal mineiro Marcio Silva, operário da construção civil, e Luzia, doméstica, deixou o Brasil em 2000, cansado de procurar emprego. Foi tentar ser feliz em Lisboa. E conseguiu. Na Portugal bafejada pelo ingresso na União Europeia, sobravam investimentos públicos, esperança e oportunidades. A vida boa durou até o ano passado, quando a crise que assola o continente desde 2008 tornou impossível para Silva achar vaga em uma obra. Com o marido triste, ferido no orgulho pelo fato de só a mulher ainda conseguir trabalho, Luzia começou a pensar em cruzar o Atlântico no sentido inverso. “Todo brasileiro ia para lá e dizia que o Brasil estava bem. A gente também via pela tevê, pela Record Internacional, notícia de que o Brasil estava bem de emprego. Se a gente não voltasse, perdia tudo o que ganhou lá”, diz ela. Foi difícil, mas eles marcaram o retorno: dezembro último. Um mês depois, Mareio, de 45 anos, e Luzia, de 42, estabeleciam-se em Valinhos, no interior de São Paulo. E como na chegada a Portugal no início do século, não têm do que reclamar.
A história do casal teve um final feliz por uma grande razão: no período em que estiveram fora, o mercado de trabalho brasileiro sofreu uma verdadeira revolução. Na última década foram criados 19 milhões de empregos formais, com carteira assinada, entre postos fixos, temporários e na administração pública. O contingente equivale a toda a população de Minas Gerais, segundo maior estado do País. Por causa da expansão, o número de trabalhadores formalizados atingiu o recorde histórico de 48 milhões. Seus efeitos, da venda de carros à comercialização de imóveis, estão á vista. Essa extraordinária oferta de oportunidades, rara na história nacional, é o principal sustentáculo do otimismo da maioria da população em relação ao seu futuro, de seus filhos e do País. Um otimismo que até o momento resiste aos pouco confortáveis indicadores gerais da economia.
Cerco a Perillo
Na terça-feira 7, graças a um pedido de CPI apresentado pelo deputado estadual Mauro Rubem (PT), a Assembleia Legislativa de Goiás esboçará a primeira reação ao esquema clandestino de grampos montado no estado para bisbilhotar a vida de adversários e aliados do governador tucano Marconi Perillo. Denunciada na última edição de CartaCapital, a quadrilha de grampeadores era liderada por dois radialistas locais, Luiz Gama e Eni Aquino, a partir do serviço de um hacker chamado “Mr. Magoo”, contratado por ordem de Perillo c pago por dois de seus assessores diretos, José Luiz Bittencourt Filho, ex-presidente da Agência Goiana de Comunicação (Agecom), e Sérgio Cardoso, secretário extraordinário de Articulação Política e cunhado do governador.
Um dossiê com 450 mensagens diretas de Twitter repassadas por “Mr. Magoo” a Gercyley Batista, vice-presidente do Partido Republicano Progressista (PRP) em Goiás, foi entregue ao procurador da República, Hélio Telho. Entre 2011 e 2012, revelam as mensagens, o hacker grampeou telefones, invadiu computadores e criou perfis falsos nas redes sociais para beneficiar Perillo e intimidar adversários políticos. Até correligionários do tucano, entre eles o ex-prefeito de Goiânia Nion Albernaz e o deputado Tulio Isac, foram grampeados por “Mr. Magoo” por ordem de Gama e Aquino.
Um tucano avesso ao pouso no muro
Pedro tobias é um tucano diferente. O deputado estadual paulista detesta ficar no muro e não abaixa o bico diante dos emplumados da legenda, como ficou claro na eleição do diretório de São Paulo, quando contrariou o governador Geraldo Alckmin e o eterno candidato José Serra. Não é a primeira vez que o parlamentar agita o ninho tucano. E não deve ser a última. Usuário frequente das redes sociais, gosta tanto de atacar o PT na internet quanto criticar colegas do partido.
Na tumultuada eleição da direção partidária estadual, em abril, Tobias retirou sua candidatura à reeleição à presidência e defendeu a tese da impossibilidade jurídica de permitir uma participação da militância na escolha. O episódio serviu para expor a pouca participação da base tucana nas decisões internas. O nome escolhido pela cúpula para comandar a legenda no estado foi o do deputado federal Duarte Nogueira, que agrada ao mesmo tempo ao grupo de Alckmin e aos serristas, e é definido por Tobias como “meio elitista”.
A postura do deputado, contrária àquela do governador, chamou a atenção por causa da relação próxima dos dois políticos até recentemente. Tobias era fiel aliado de Alckmin até chegar à presidência do diretório paulista, há dois anos, e insistir na tese de que o PSDB precisa ser mais popular. Ele iniciou, por exemplo, o diálogo com parte do movimento sindical, algo incomum na legenda. Nascido no Líbano, Tobias estudou Medicina na França, onde também fez residência e mestrado. É um dos f u ndadores do movimento Médicos Sem Fronteiras. Formado como “homem do mundo”, chegou a Bauru, no interior de São Paulo, em 1979, na fase final da ditadura. Deu um susto nos irmãos empresários instalados no Brasil: desembarcou cabeludo, de tamancos e cheio de ideias esquerdistas na cabeça. A vida em três países diferentes explica o sotaque indefinido.
Os caubóis avançam
A ofensiva do agronegócio sobre as reservas indígenas não dá trégua. Em protesto contra a demarcação de terras feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai), mais de mil produtores rurais interromperam um discurso de Dilma Rousseff em Campo Grande, na segunda-feira 29, aos brados: “Demarcação, não. Sim à produção”.O episódio ocorreu uma semana após cerca de 700 índios de diversas etnias ocuparem o plenário da Câmara na tentativa de impedir a tramitação da PEC 215, que transfere para o Congresso a decisão de homologar ou não os territórios indígenas. Na prática, a medida congela a demarcação de novas aldeias e ameaça aquelas existentes, por causa da força do lobby do agronegócio no Parlamento.
Na ocasião, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), criou um grupo de trabalho para debater o tema antes da instalação, no segundo semestre, da comissão especial que vai apreciar a PEC. A bancada ruralista continua, porém, a se mobilizar nos bastidores para inviabilizar o trabalho do comitê, também composto por representantes de povos indígenas. “Cinco parlamentares estão declaradamente ao lado dos índios, e apenas quatro são ligados ao agronegócio”, criticou o deputado Moreira Mendes (PSD-RO).
A imortal baiana do candomblé
Não sem espanto a mãe de santo Stella de Oxóssi recebeu a notícia de sua eleição, na quinta-feira 25, para a cadeira 33 da Academia de Letras da Bahia, lugar ocupado no passado pelo poeta Castro Alves. Ao contrário do hábito dos candidatos nesta e em outras praças, Stella não tinha feito campanha. “Levei um choque, pois é uma coisa que não é comum”, diz a ialorixá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, primeira mãe de santo acadêmica do País. “Depois vi que foi a comunidade que proporcionou isso e achei uma recompensa.” A posse será em setembro e ela confessa não saber exatamente qual seu papel na Academia.
O título não é meramente honorífico. Mãe Stella publicou seis livros, bem mais do que alguns imortais da Academia Brasileira. Nascida Maria Stella Azevedo dos Santos, formou-se em Enfermagem pela Escola Bahiana de Medicina. Foi enfermeira durante 30 anos até ser escolhida, em 1976, mãe de santo do Ilê Axé Opô Afonjá, uma das casas de candomblé mais importantes e tradicionais do estado, fundada em 1910. 0 último de seus livros é uma antologia dos artigos publicados quinzenalmente no jornal A Tarde. Escreve à mão e suas “filhas” digitam o texto. “Sou analfabeta em computador.”
Brasileiro na mira dos EUA
Acusado de corromper servidores públicos, há um brasileiro na cadeia. No Panamá. Trata-se de Amadeus Richers, de 62 anos, sobrinho de Herbert Richers, o fundador do famoso estúdio cinematográfico do Brasil. Foi preso, a pedido dos Estados Unidos, ao descer no Aeroporto Internacional de Tocumen, na capital panamenha, na manhã de 10 de abril, em uma conexão para Quito, Equador.
Contra Richers háordem de prisão desde julho de 2012 do Tribunal Distrital do Sul da Flórida. Ele morou em Miami entre 1999 e 2007 e trabalhou na empresa Cinergy Telecommunications Incorporated, do equatoriano Washington Vasconez. Ambos são acusados pelas leis americanas de pagar 3 mil hões de dólares em subornos no Haiti a empregados da estatal de telefonia Teleco e a um funcionário do governo para garantir à Cinergy um contrato e tratamento favorável na relação com a estatal.
Para evitar um apagão no SUS
O Brasil possui 1,8 médico para cada grupo de mil habitantes. Proporcionalmente, o índice é menor do que o observado em países como Argentina (3,2), Espanha e Portugal (4 para cada mil). Para minimizar o problema, o governo federal anunciou, na segunda-feira, uma parceria para “importar” 6 mil médicos cubanos. O acordo foi assinado pelos ministros das Relações Exteriores do Brasil e de Cuba, Antonio Patriota e Bruno Eduardo Rodríguez Parrilla.
No dia seguinte, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que médicos portugueses e espanhóis também estão na mira. “Como ministro da Saúde, não vou ficar vendo a situação de Espanha e Portugal, que têm médicos de muita qualidade, falam português e vivem uma situação de 30% de desemprego, sem pensarem alternativas de trazer esses profissionais.” A estratégia de Padilha é emular as experiências de países desenvolvidos, como a Inglaterra, onde 40% dos médicos foram atraídos de outros países, e Canadá, com 22% de médicos estrangeiros. A atração de médicos de foraé uma medida de curto prazo anunciada em um momento em que o governo tem apostado na ampliação de programas de residências j médicas e no aumento da oferta de vagas em medicina nas universidades federais.
A ideia não é nova. Em 1999, o então ministro da Saúde José Serra (PSDB) defendeu a “importação” de médicos cubanos. No ano seguinte, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fez o mesmo. A proposta esbarra, porém, em questões técnicas. Em 2012, dos 182 médicos cubanos que realizaram o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos, obrigatório para que os formados no exterior possam exercer a profissão no Brasil – apenas 20 foram aprovados. O mesmo aconteceu com espanhóis e portugueses. Atualmente, o Ministério da Saúde descarta a validação automática de diplomas e estuda a melhor maneira de solucionar o impasse.
O que de fato importa nas metas do IPCA
Estourar eventualmente o limite de 6,5% não tem tanta relevância. Foi assim de 2001 a 2004. O IPCA de abril é o primeiro sinal de que ; a inflação não se desviou da rota esperada pelo Banco Central. Divulgado na quarta-feira 8, mostrou elevação de 0,55%, levemente acima das expectativas. Trouxe três notícias alvissareiras: 1. Vilões temíveis, o ritmo da alta dos alimentos se enfraquece, a aceleração diminui mês a mês. De 1,99% em janeiro, caiu a 1,45% em fevereiro, 1,14% em março e 0,96%, em abril. 2. O índice de difusão baixou de 69% para 65,8%, após o pico de 73% em janeiro. 3. No acumulado em 12 meses, a inflação retornou ao intervalo admitido pela banda de flutuação, de 2,5% no piso e 6,5% no teto. Estourar, eventualmente, o limite máximo em mensurações parciais ao longo do ano, como foi em março e como será em maio, não tem importância, do ponto de vista do edifício jurídico erguido para conferir credibilidade ao sistema de metas. O que não pode acontecer é um furo no calendário gregoriano anual.
Veja
O Brasil não começou com o PT, diz Jaques Wagner
O governador da Bahia afirma que o país vem evoluindo desde o Plano Real, defende a liberdade de imprensa e diz que seu partido deve apoiar Eduardo Campos em 2018. Um problema antigo tem tirado o sono do governador Jaques Wagner: a seca que castiga metade dos municípios da Bahia, que dependem de carros-pipa para matar a sede da população. Embora o Brasil tenha se desenvolvido muito nos últimos vinte anos, diz ele, e não apenas graças ao seu partido, o PT, como admite, o drama da seca ainda castiga o Nordeste só que de forma menos visível. Quando fala de política, Jaques Wagner se mostra um petista pouco radical: reconhece o resultado do julgamento do mensalão defende a liberdade de imprensa e se diz favorável até mesmo a que seu partido se comprometa a apoiar a candidatura presidencial de Eduardo Campos, do PSB em 2018.
Lula, o sabonete
O ex-presidente Lula disse cena vez que é uma metamorfose ambulante. Ele tem razão. Em 2005, quando a imprensa revelou a existência de um esquema de compra de votos no Congresso comandado pelo governo do PT, Lula se declarou traído e pediu desculpas à nação. Em 2010, pouco antes de transferir o comando do país a Dilma Rousseff, ele prometeu que se dedicaria a desmontar a “farsa” do mensalão, que não passaria de um golpe tramado por setores conservadores da elite, da mídia e do Judiciário para derrubar os petistas do poder. A ofensiva não deu certo e o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou 25 dos 38 réus do processo. Diante do resultado, restou a Lula mudar de lado novamente. Foi o que ele fez numa entrevista para o livro Lula e Dilma 10 Anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil. Nela, o petista reconhece que o mensalão foi um “tropeço” e faz um mea-culpa. Um tropeço e um mea-culpa não dele, mas dos companheiros de partido. Lula, como repetem os petistas com cena ironia, nunca erra. Lula, como ele mesmo diz, nem sequer sabia do mensalão. Eis dois mantras do PT, entoados numa tentativa permanente de preservar a biografia do chefe.
O ex-presidente abandonou a discurseira e o lobby em defesa dos mensaleiros depois que o STF sentenciou, em dezembro, a antiga cúpula petista à prisão. Em conversa com aliados, Lula falou que era hora de assimilar a derrota jurídica, ressaltando que o partido já tinha superado o escândalo do ponto de vista eleitoral, como atestariam as vitórias nas disputas presidenciais de 2006 e 2010.
Como o dinheiro dos pobres
Em mais uma investida contra os cofres públicos, militantes do PCdoB agora são investigados também por desvios no programa Minha Casa, Minha Vida. Por definição, o comunista é inimigo do capital, da propriedade privada, da exploração do trabalho e do acúmulo de riqueza. Quando chega ao poder, porém, essas sólidas certezas se derretem no ar. É o que ocorre agora em Brasília. Na semana passada, a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar um grupo de ex-servidores do Ministério das Cidades que fraudou licitações e desviou recursos do Programa Minha Casa, Minha Vida. O esquema, chefiado por um militante comunista, pode ter irrigado os cofres do PCdoB e os bolsos de camaradas com o dinheiro desviado das casas populares. Ao melhor estilo capitalista. os militantes fundaram um conjunto de empresas de papel para lucrar sem fazer nenhum esforço. A partir de informações privilegiadas, eles fraudavam licitações e ganhavam contratos com as prefeituras. Depois, cobravam propina para repassá-los a pequenas empreiteiras, que eram subcontratadas para construir as casas populares. Um negócio bem tramado que não continuou operando porque houve um desentendimento na hora de socializar a mais-valia dos golpes.
Insatisfeito com a pane que havia recebido – cerca de 1 milhão de reais – um dos camaradas-sócios, segundo reportagem publicada pelo jornal, O Globo resolveu entrar na Justiça para requerer uma fatia maior dos lucros. A partir daí, a disputa pelo faturamento milionário – coisa de uns 12 milhões de reais – acabou expondo evidências das fraudes, que ocorriam desde 2005.
Cubanos para quê?
Deixar o programa do Partido dos Trabalhadores comandar a política externa dá nisso. O governo brasileiro se vê obrigado a pôr os interesses nacionais em segundo lugar. Foi assim nas relações com o governo boliviano, conivente com o tráfico de drogas para o Brasil, nos aplausos ao autoritarismo venezuelano e nos milhões de reais emprestados pelo BNDES com juros camaradas à ditadura cubana, a maior pane para a reforma do Porto de Mariel. Não há sinal de que a subserviência aos planos aloprados do partido vá diminuir. Nunca os efeitos dessa afinidade entre o PT e a ditadura caribenha foram tão claramente contrários aos interesses dos cidadãos brasileiros quanto na decisão de importar 6.000 médicos cubanos. O anúncio foi feito na semana passada pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, durante uma reunião com o chanceler castrista Bruno Rodríguez, em Brasília. Pelo projeto, os “médicos” atenderão brasileiros em hospitais de regiões pobres ou distantes das grandes cidades.
A medida terá no mínimo, dois efeitos negativos. Primeiro, vai pôr em risco a saúde dos pacientes. Segundo, inundará o interiorzão do Brasil com agentes de uma nação estrangeira politicamente arcaica. A medicina cubana é uma das mais atrasadas do mundo. A maioria dos seus profissionais se forma sem nunca ter visto um aparelho de ultrassom sem ouvir falar de um stent coronário e sem poder se atualizar pela internet. “Cuba gradua médicos em escala industrial, com formação incompleta”, diz Carlos Vital, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, que é contra o projeto. Ele completa: “Pelos padrões do Brasil, os cubanos não poderiam sequer realizar procedimentos banais como ressuscitação ou traqueostomia”.
O cheque vai falar
Há sete anos, a Polícia Federal lida com um mistério que pode estar peno do fim. Em 2006, durante o escândalo do mensalão descobriu-se que entre os beneficiários do esquema de subornos estava o então assessor do presidente Lula, Freud Godoy. A prova? Um cheque no valor de 98.500 reais emitido pela agência do publicitário Marcos Valério o operador da engrenagem de corrupção que aliciou parlamentares e comprou partidos políticos. Na época. Freud Godoy não se encaixava no perfil dos mensaleiros e saiu-se com uma explicação até razoável para sua presença: a Caso Comércio, sua empresa, teria prestado serviços de segurança à campanha presidencial de 2002. A transação, segundo ele liquidou um crédito que ela tinha com o PT. Para afastarem as dúvidas, os investigadores até tentaram rastrear o caminho percorrido pelo dinheiro, mas esbarraram em uma série de dificuldades. Diante do volume de recursos desviados (138 milhões de reais) e do calibre dos figurões envolvidos no escândalo (ministros, banqueiros e deputados), a história do cheque e do obscuro assessor de terceiro escalão acabou relevada.
No ano passado, depois de condenado a quarenta anos de prisão, Marcos Valério procurou o Ministério Público e disse que o ex-presidente Lula não só sabia do esquema de suborno como também foi usuário do dinheiro desviado – e apresentou como prova o cheque emitido em favor da empresa de Freud Godoy. O operador do mensalão contou que os 98 500 reais foram transferidos ao ex-assessor para custear despesas pessoais do recém-empossado presidente da República. Em depoimento, Valério ainda disse aos procuradores que o cheque era parte de um valor maior e que a intimidade que ele tinha com Lula era tamanha que chegou a visitá-lo no Palácio do Planalto pelo menos uma vez, fora da agenda, sem registros. É a palavra de um condenado contra a de um ex-presidente que sempre garantiu que nada sabia sobre a máquina de corrupção. O cheque pode indicar o caminho da verdade. Em tese, como ensina qualquer manual de investigação, bastaria seguir o dinheiro. A polícia até que tentou.
Guerra aos paraísos fiscais
A Swissair vem anunciando aos passageiros que, a partir deste mês e pelo menos por todo o verão no Hemisfério Norte, terá um voo diário para Singapura. Parece estranho que haja tanta gente querendo percorrer a rota Zurique-Singapura-Zurique por mais que a cidade-estado limpinha e moderna do Extremo Oriente exiba alguns encantos turísticos. Mas a companhia aérea não está rasgando dinheiro, no sentido contrário da tradição helvética. Suíços fazem ótimos chocolates, fabricam esplêndidos relógios e. alpinos que são, adoram montanhas – sejam aquelas de cumes gelados, sejam as nem tão metafóricas assim, compostas de euros e dólares convertidos em francos nativos. Em seus 372 bancos célebres pelo segredo pétreo da sua carteira de clientes, e beneficiados por uma legislação fiscal branda para estrangeiros, está depositado um terço (o equivalente a 2 trilhões de euros) do capital offshore do mundo. Ou seja, da riqueza, da grana, da mufunfa que circula à margem do alcance dos diversos – e bem mais altos – impostos das nações de onde ela se origina. Metade das contas bancárias na Suíça pertence a europeus vizinhos. Quem precisa de voos entre Zurique e Singapura? Executivos, advogados e investidores empenhados em transferir parte dos depósitos na Suíça para filiais de bancos helvéticos instaladas do outro lado da Terra.
Esse é um capítulo da guerra declarada pela União Europeia aos paraísos fiscais, em especial aqueles situados no coração do continente. Para escaparem ao cerco, bancos dessa nação propõem agora a seus clientes que utilizem as sucursais de Singapura, país fechadíssimo do ponto de vista político e, por enquanto, menos suscetível a controles internacionais do que as ilhas do Caribe que igualmente servem de refúgio a recursos offshore. Singapura ganhou os holofotes em seguida à revelação de que o ex-ministro do Orçamento da França Jérôme Cahuzac havia sido titular de uma conta não declarada em uma instituição de Genebra convenientemente removida para uma filial situada lá. O escândalo francês engrossou ainda mais a voz da União Europeia, que se prepara para lançar uma legislação dura contra os paraísos fiscais. A necessidade exige a moralização. No contexto da crise econômica mais aguda desde o fim da II Guerra, não dá para fazer vista grossa ao dinheiro de evasão que encontra refúgio em meio aos Alpes ou em latitudes mais longínquas.
Época
O Sertão vai pegar fogo
O Nordeste, que cresce mais que o Brasil e ainda sofre com a seca, deve ser decisivo nas eleições de 2014. Se disputar a Presidência, Eduardo Campos dividirá a região, hoje fiel ao PT. A viagem ao sertão, a partir do litoral pernambucano, é marcada pela mudança na paisagem. De início, a grama é verde, e o gado pasta. Perto da chegada, a vegetação é seca, e as carcaças de animais na beira da estrada se tornam comuns. Assolado pela maior seca dos últimos 50 anos, o Nordeste está devastado. Mais de 1.000 municípios já declararam estado de calamidade pública, e 20 milhões de pessoas sofrem com a escassez de chuvas. O Nordeste está também dividido. Entre as agruras da seca e a recente bonança econômica. Entre a morte do gado e o Bolsa Família. Entre Dilma e Eduardo. No sertão de Pernambuco, a cidade de Calumbi, a 415 quilômetros do Recife, deu em 2010 96,5% de seus votos a Dilma Rousseff (PT). No mesmo ano, 98,5% de seus eleitores votaram em Eduardo Campos (PSB) para governador. Em 2014, é provável que tenham de escolher entre um e outro.
Calumbi é um exemplo vivo da lua de mel entre nordestinos e o Partido dos Trabalhadores e seus aliados na última década – que garantiu ao PT as vitórias nas duas últimas eleições presidenciais. Em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva obtivera 95,1% dos votos em Calumbi, praticamente o mesmo índice que ajudou a levar Dilma à Presidência. O desempenho de Campos em 2010, quando era aliado fiel de Lula, impressiona ainda mais em números absolutos: 3.577 votos na cidade, contra 55 de todos os adversários. “Sempre votei nos três (Luta, Dilma e Campos), mas, se no ano que vem for Dilma contra Eduardo, não sei o que fazer”, diz Ailton Moura, dono de um pequeno mercado no centro de Calumbi.
A terra do “Nunca fica pronto”
A saga da construção do Estádio Mane Garrincha, em Brasília, é um exemplo de como as obras públicas no Brasil são delirantes, demoradas e absurdamente caras. Em dezembro de 2006, o arquiteto Eduardo de astro Mello descobriu pela TV que o Brasil seria candidato à sede da Copa de 2014. “A candidatura do Brasil é legítima e tem o apoio de todas as Federações da América do Sul”, disse Ricardo Teixeira, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF. “O presidente Lula já deu repetidas vezes prova de que será um agente fundamental para a realização da Copa do Mundo. E a iniciativa privada dará a resposta, que, tenho certeza, será positiva.” O plano inicial de Teixeira, como vendido ao público, desenhava o melhor dos mundos para o Brasil: o país, se escolhido sede da Copa, receberia um dos maiores eventos esportivos do planeta – e não pagaria nada por isso. “Não vai ter dinheiro público”, disse Teixeira.
Dias depois, Castro Mello ligou para o recém-eleito governador do Distrito Federal e companheiro de outras empreitadas, José Roberto Arruda. Eles se conheciam desde a construção do antigo Estádio Mané Garrincha, nos tempos em que Arruda era fiscal da Novacap, a empresa de obras do governo de Brasília. “José Roberto, é hora de retomarmos o projeto do estádio, que está parado no tempo”, disse Castro Mello. O Mané Garrincha nascera da megalomania do regime militar. As obras do “Brasil Grande” do general Emílio Garrastazu Médici, então presidente do país c um apaixonado por futebol, erguiam-se em Brasília também. O Mané Garrincha, um estádio olímpico para 140 mil pessoas, viria a integrar o complexo esportivo Médici, no centro de Brasília, que incluiria ainda um ginásio e um autódromo. Todas obras superlativas, pagas com dinheiro público – e para lá de questionáveis cm termos estéticos, financeiros ou urbanísticos. O projeto do estádio coube ao escritório da família de Castro Mello, cujo pai, ícaro, tinha experiência na construção de estádios em São Paulo. Em 1974, após um ano de obras aceleradas, o estádio foi inaugurado às pressas. Somente uma parte do anel superior ficara pronta. Isso conferia ao estádio um aspecto banguela -daí a observação de Castro Mello de que o Mané estava “parado no tempo”.
Por que tudo atrasa no Brasil
Projetos malfeitos, licitações irreais, aditamentos, liminares, corrupção… a perversa combinação de fatores que nos transformou a “Terra do Nunca Fica Pronto”. Ninguém convive com mais cobranças sobre atrasos que o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, um dos responsáveis pelas obras da Copa do Mundo e da Olimpíada do Rio de Janeiro. E o que ele diz sobre o assunto? “O atraso é um de nossos problemas civilizatórios, faz parte de nossa cultura. Até reunião ministerial atrasa no Brasil”, afirma, com conhecimento de causa. Essa cultura se reflete sobretudo no mundo das obras públicas. O Brasil ostenta uma lista enorme delas, muitas sob a guarida da segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC-2. Cria da presidente Dilma Rousseff- a “mãe do PAC” -, o programa, em seu segundo ano, executou apenas 47,8% das obras previstas no pacote. Se nem as obras do PAC, com a cobrança férrea da presidente, são entregues no prazo, o que dizer das outras? Os quadros ao longo desta reportagem dão uma ideia da situação de algumas obras tocadas atualmente no Brasil.
Ethan Nadelmann: “Proibir não é a única forma de regular drogas”
Em dezembro, o jornal The New York Times publicou um anúncio de página inteira celebrando a liberação da venda de maconha nos Estados americanos de Colorado e Washington. O responsável pelo anúncio é Ethan Nadelmann, diretor e fundador da ONG Drug Policy Alliance. Não que ele precise comprar espaço para chamar a atenção. Autor de dois livros, ex-professor da Universidade Princeton e colaborador do site Huffington Post e das revistas Science e Foreign Affairs, Nadelmann é um dos líderes do movimento pelo fim da guerra às drogas nos Estados Unidos. Nesta semana, ele virá ao Brasil defender a liberação da maconha e alternativas à internação compulsória de viciados.
ÉPOCA – O Brasil acaba de implantar políticas de internação compulsória de viciados em drogas. A prefeitura do Rio de Janeiro tomou essa iniciativa em 2011, o Estado de São Paulo começou neste ano, e há um projeto nacional em discussão no Senado. O que o senhor acha da internação compulsória? Ethan Nadelmann – Centros de internação compulsória são um erro. A experiência nos Estados Unidos e em outros países mostra que a internação forçada pode ajudar alguns, mas causa mais danos do que benefícios. O Brasil, em vez de copiar o modelo americano de tratar viciados, deveria seguir o modelo português. Em Portugal, há 12 anos não é crime portar uma certa quantidade de droga para uso pessoal. Sem medo de ser tratados como bandidos, os usuários sentem-se à vontade para recorrer ao sistema público de saúde, em busca de acompanhamento médico e formas menos arriscadas de usar drogas, como seringas esterilizadas. O país reduziu os casos de overdose e a contaminação pelos vírus HIV e da hepatite. Portugal tem um sério comprometimento em tratar o consumo de drogas como um problema de saúde, não de segurança pública.
“Vivemos a era da violência sem causa”
O criminalista, antes contrário à redução da maioridade penal, mudou de opinião – mas diz que antes é preciso resolver outros problemas, como o dos presídios. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, de 67 anos, é um dos mais experientes advogados criminalistas do Brasil. Foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e é conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Atuou em casos importantes, como o Collorgate e o mensalão. Nunca escondeu sua simpatia política pelos partidos de esquerda – na ditadura, apoiou o MDB. Mesmo quando esteve à frente da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, entre 1990 e 1991, não abandonou suas convicções de defensor dos direitos humanos – entre elas, a inimputabilidade dos menores de 18 anos garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Agora, diante de um cenário que ele classifica como uma “violência de caráter patológico”, Mariz de Oliveira mudou: “Hoje, me sinto impossibilitado com minha consciência de continuar com esse discurso”.
“O corporativismo está travando a democracia”
Para o financista, os grupos de interesses impedem os governos de investir no longo prazo – em áreas como infraestrutura e educação. O financista Nicolas Berggruen fez fortuna cm Wall Street. Hoje dedica parte de seu tempo ao ativismo político. Dono de um patrimônio de US$ 2 bilhões, Berggruen, de 51 anos, fundou, em 2010, um centro de pesquisas que leva seu nome, na Califórnia, Estados Unidos, para promover o estudo de novos sistemas de governança. Aproximou-se da nata da social-democracia mundial. Fazem parte da lista de conselheiros de sua entidade os ex-primeiros-ministros Tony Blair, do Reino Unido, e Felipe González, da Espanha, o francês Jacques Delors, ex-presidente da Comissão Européia, e o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Segundo Berggruen, a governança – um termo do sociologuês que designa a maneira como o poder administra os recursos sociais e econômicos de um país – é o fator determinante, com a cultura, para o bem-estar da sociedade. “A governança faz a diferença”, afirma Berggruen, coautor de um livro sobre o tema – Governança inteligente para o século XXI -, recém-lançado no Brasil pela editora Objetiva, da qual ele detém o controle.
Filho de um rico marchand, cuja coleção incluía obras de Matissee Picasso, de quem seu pai era amigo, Berggruen nasceu cm Paris e tem dupla nacionalidade, alemã e americana. Solteirão, viaja pelo mundo cm seu jatinho, um Gulfstream IV, e vive em hotéis cinco estrelas. Famoso pelas festas que promove no Hotel Marmont, em Los Angeles, na véspera da entrega do Oscar, frequentemente é flagrado com modelos e atrizes, como a alemã Claudia Schiffer ou a britânica Gabriella YVright. Nesta entrevista a ÉPOCA, concedida durante uma viagem recente ao Brasil, Berggruen fala sobre o futuro da mídia na era digital, o potencial do mercado de livros no país – ele investe nas duas áreas – e governança global.
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