Época
Itamar Franco: “Os senadores votam sem saber”
A mesa de trabalho do senador Itamar Franco (PPS-MG) fica de frente para o Palácio do Planalto. Pouco mais de 100 metros separam o atual gabinete de Itamar da ampla sala onde trabalhou quando foi presidente da República. As cortinas escancaradas e a parede de vidro deixam a sensação de que se pode acompanhar o que se passa na sede do governo federal. De volta ao Congresso depois de 21 anos, Itamar iniciou o terceiro mandato empenhado em apontar mazelas no Executivo e no Legislativo. Faz um tipo de oposição bastante peculiar. Com grande conhecimento do regimento do Senado, ele critica com frequência a tramitação de propostas de interesse do governo, aponta falhas na condução dos trabalhos pelo presidente do Senado, José Sarney, e cobra mais estudo e dedicação dos colegas. Na prática, age no plenário como um bedel, designação para funcionários que fiscalizam o comportamento dos estudantes nas escolas. Itamar também critica a oposição. Desde a eleição de Dilma, a oposição brasileira está com a bússola descompensada, não tem um norte.
O silêncio dos inocentes
No último sábado, a presidente Dilma Rousseff tirou a noite para ir ao teatro em Brasília. Assistiu ao monólogo A lua vem da Ásia, estrelado pelo ator Chico Diaz e baseado no romance do escritor Walter Campos de Carvalho, de quem a presidente é fã. Diaz incorpora Astrogildo, um louco que delira sobre os crimes que imagina ter feito ou, quem sabe, tenha mesmo chegado a fazer mas que, sem saber ao certo nem o próprio nome, permanece preso às alucinações e às incertezas de sua mente doentia, metáfora surrealista do mundo contemporâneo que, para muitos, deixou de fazer qualquer sentido. Astrogildo recusa o absurdo do real, refugiando-se no conforto desatinado de sua alma à deriva. Dilma não poderia ter escolhido peça mais adequada para o momento. Com as revelações que vieram à luz na última edição de ÉPOCA, que envolveram um de seus principais ministros e boa parte de seu partido, a presidente viu-se diante de sua primeira crise política. Aparentemente confusa sobre como proceder em face do que aconteceu, ela parecia refugiar-se em seu próprio mundo, como Astrogildo. Escolheu a inação como tática.
Os zen dias de Dilma
Sempre que encontra tempo, a presidente Dilma Rousseff senta-se confortavelmente, cruza as pernas, alinha os braços, fecha os olhos e, compenetrada, respira por 20 minutos. Desde que descobriu um câncer linfático, há dois anos, Dilma se tornou adepta da meditação transcendental, técnica milenar que proporciona relaxamento e aumenta o bem-estar. Esse tipo de meditação surgiu na Índia, mas se popularizou na China. Se não a levou ao nirvana, a arte da meditação ao menos ajudou Dilma a superar o câncer e a suavizar sua índole carbonária. O espírito de Dilma se desarmou, e assim diminuíram gradativamente as broncas histéricas que a tornaram temida em toda a Esplanada dos Ministérios alguns assessores do governo chegaram a pedir demissão em virtude desses pitos.
A Dilma que fez campanha era disciplinada e obsequiosa. Deu certo. A Dilma que tomou posse era sóbria e equilibrada. Deu mais certo ainda. A Dilma que agora completa 100 dias de governo, então, parece a própria personificação do ideal budista: serena sem parecer alheia, segura sem denotar arrogância. Está dando certo, mas seria difícil dar errado ainda não surgiram as encrencas políticas que todo presidente, geralmente mais cedo do que tarde, é forçado a resolver. O verdadeiro teste para a postura equilibrada e sensata dessa nova Dilma, portanto, virá quando aparecer a primeira dessas encrencas. Como ainda faltam 1.360 dias para acabar seu governo, a presidente certamente precisará de toda a meditação possível.
Descobriu-se essa Dilma centrada no pouco que ela disse e, em especial, no muito que ela não disse. Até agora, a presidente não defendeu aliados flagrados em casos irretorquíveis de corrupção nem reduziu complexos problemas do país a metáforas simplistas, procedimentos comuns no manual político de seu antecessor. Em três meses de governo, Dilma falou e agiu somente quando julgou necessário. De chofre, diminuiu os espaços de fisiologismo no governo, reduzindo, um pouco que seja, as nomeações de apaniguados do PMDB para cargos endinheirados em ministérios e estatais. Fez isso sem dizer palavra. Em seguida, determinou um corte nos investimentos do governo, de modo a pôr freio à gastança que ameaça cada vez mais as contas públicas. É duvidoso que a tesoura corte fundo, mas se reconheça que o compromisso está feito. Nas poucas vezes em que recorreu às palavras, Dilma procedeu à altura do cargo. Como na semana passada, quando pediu um minuto de silêncio em homenagem às crianças assassinadas numa escola do Rio de Janeiro.
O fiel escudeiro de Dilma
Brizolinha era o apelido do geólogo gaúcho Giles Carriconde Azevedo nos tempos em que o PDT sonhava que o bom e velho Leonel pudesse chegar ao Palácio do Planalto. Ele morreu há sete anos, sem chances reais de chegar lá. Mas Brizolinha chegou. Sem o apelido e sem o D na legenda, ele é o chefe do gabinete pessoal da presidente da República, Dilma Vana Rousseff. Vem a ser, como se sabe, o primeiro escalão de retaguarda do mais alto cargo. Cuida, segundo a lei, da agenda, da secretaria particular, do cerimonial, da ajudância de ordens e da organização do acervo documental privado do presidente. Não é pouca maré ainda mais com uma presidente que quer tudo a tempo e a hora , mas o quase ministro Azevedo vem remando, a quatro braços.
Azevedo está para Dilma como o hoje secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, estava para Lula. O chefe do gabinete pessoal é o cara que mais leva bronca do presidente, disse o ministro Carvalho. A vida dele não é fácil, como não era a minha. A diferença é que Carvalho e Lula já tomaram cachaça juntos, o que lhe dava momentos de maior liberdade e informalidade. Até mandar o presidente Lula para aquele lugar ele mandou, uma ou duas vezes, que ninguém é de ferro. O Lula explodia mais do que a presidente Dilma, mas logo dava risada, disse. A relação entre Azevedo e a presidente, embora antiga, é muito mais formal. Muito contido, e de poucas palavras, Azevedo não gosta de dar entrevistas. No organograma do gabinete pessoal, o geólogo administra uma equipe de 108 cargos de confiança. A um salário médio de R$ 7 mil, os 108 custam R$ 756 mil por mês ou R$ 9 milhões por ano. Vezes quatro, são R$ 36 milhões.
A Vale nas mãos do governo
Nem o mais otimista fã da presidente Dilma Rousseff se arriscaria a dizer que o governo brasileiro tem poucos problemas a resolver. Uma administração estreante, ainda contando com a boa vontade da população e do Congresso, faria bem se concentrasse suas energias em simplificar o sistema de impostos, facilitar a abertura de pequenas empresas ou incentivar o investimento em portos e aeroportos, para ficar só em alguns exemplos. Mas uma das primeiras demonstrações de força dadas pela presidente foi interferir na condução de uma empresa privada e bem-sucedida, a mineradora Vale.
A interferência alcançou seu objetivo o executivo Roger Agnelli, que dirigia a Vale desde 2001, foi removido do cargo de diretor presidente. Ele será substituído, em 22 de maio, por Murilo Ferreira, um nome do agrado da presidente da República. Em princípio, a saída de Agnelli não representaria um grande problema. Ele alcançou resultados financeiros notáveis e a maioria dos dirigentes de grandes empresas no Brasil não chega a ocupar o cargo por uma década. Também se espera que uma organização do porte da Vale sobreviva saudável aos indivíduos que por ela passam. O importante é que essas trocas respeitem o ciclo que as empresas vivem. O Agnelli mostrou ter perfil adequado para fazer a Vale crescer, diz a consultora Betânia Tanure.
O financista, o consultor e a “pessoa”
Entre maio e junho de 2002, o advogado carioca André Leal Faoro viveu o dilema de deixar a família e trocar as delícias do Rio de Janeiro pela aridez de Brasília e por um cargo na administração pública federal. Faoro fora convidado para assumir a procuradoria-geral da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A proposta fora feita pelo economista Luís Guilherme Schymura, que substituiu Renato Guerreiro, o primeiro presidente da agência. Pelo convite, Faoro entraria no lugar do mineiro Antônio Bedran e seria responsável pela preparação dos pareceres jurídicos e pela representação na Justiça da agência reguladora do setor de telecomunicações. Mas o convite acabou não sendo realizado formalmente. Há duas semanas, num restaurante no centro do Rio de Janeiro, Faoro rememorou as circunstâncias do convite e lembrou que Schymura nunca lhe explicou por que a proposta não fora adiante.
O episódio parece apenas um lance trivial na rotina das substituições na burocracia brasiliense. Mas, enquanto André Faoro ruminava o convite de Schymura, uma poderosa rede de influências foi mobilizada para evitar sua nomeação. Na linha de frente dessa operação, estava um dos personagens mais ativos e menos conhecidos da história recente da política brasileira: o paulista Roberto Figueiredo do Amaral. Por 30 anos, Amaral trabalhara como executivo da construtora Andrade Gutierrez, em São Paulo. Como diretor da empreiteira, desfrutara o convívio dos mais influentes políticos paulistas e fizera história por sua desenvoltura no opaco mundo das empreiteiras e suas tratativas em busca de contratos de obras públicas. Paulo César Farias, o tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor, considerava Amaral um mestre. Sérgio Motta, ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, seu amigo, o chamava, em tom de brincadeira, de gênio do mal”.
Carta Capital
A verdade sobre o relatório da PF
Desde a renúncia de Fernando Collor para escapar do impeachment em 1992, quase todo repórter brasileiro se apresenta como um Bob Woodward ou um Carl Bernstein, a célebre dupla de jornalistas do Washington Post que desvendou o escândalo da invasão do comitê nacional do Partido Democrata no prédio Watergate. Em geral falta cultura, talento e coragem aos pares nacionais para tanto, assim como escasseiam inúmeros dos princípios basilares da atividade aos empreendimentos jornalísticos que os empregam. Apego à verdade factual, por exemplo. Neste momento, destacaríamos dois: a completa ausência de honestidade intelectual e de rigor na apuração.
Há quem entenda a emblemática apuração do caso Watergate como um conto de fadas. Num belo dia de verão, Woodward e Bernstein encontraram em um estacionamento uma fada madrinha chamada Garganta Profunda, ganharam um presente mágico, publicaram um texto e derrubaram o presidente republicano Richard Nixon. A vida real foi bem diferente. A dupla de repórteres publicou centenas de reportagens, checadas exaustivamente a partir de indicações nem sempre claras da fonte. Seu grande mérito foi seguir à risca uma recomendação: sigam o dinheiro.
Evocamos o caso Watergate por conta do reaparecimento na mídia do chamado mensalão. No sábado 2, a revista Época publicou o que dizia ser o relatório final da PF sobre o escândalo que abalou o governo Lula. A reportagem da semanal da Editora Globo estimulou uma série de editoriais e inspirou colunistas a afirmarem que o relatório seria a prova da existência do mensalão, o pagamento mensal a parlamentares em troca de apoio ao governo.
Na quarta 6, CartaCapital teve acesso ao trabalho do delegado Luís Flávio Zampronha, base da denúncia de Época. Nas próximas páginas, Leandro Fortes conta o que realmente escreveu o delegado. A começar pelo simples de fato de que não se trata de um relatório final, como afirma a semanal da Globo, mas de uma investigação complementar feita a pedido do Ministério Público cujo objetivo era mapear as fontes de financiamento do valerioduto. Nas mais de 300 páginas, não há nenhuma linha que permita à Época ou a qualquer outro meio de comunicação afirmar que o mensalão tenha sido provado. Ao contrário. À página 5, e em diversos outros trechos, Zampronha foi categórico: Esta sobreposição diz respeito apenas a questões pontuais sobre a metodologia de captação e distribuição dos valores manipulados por Marcos Valério e seus sócios, não podendo a presente investigação, de forma alguma, apresentar inferências quanto ao esquema de compra de apoio político de parlamentares da base de sustentação do governo federal.
O elo indissociável entre Bolsonaro e as corporações de mídia
No final do ano passado, fiz aqui um breve balanço da vitória dos Direitos Humanos nas eleições de 2010. Parlamentares de todo o país foram eleitos com essa bandeira, como Luiza Erundina e Paulo Teixeira (SP), Camilo Capiberibe (AP), Erika Cocai (DF), Iriny Lopes (ES) e Eduardo Campos (PE), entre muitos outros.
Mostrei ainda que essa vitória foi particularmente expressiva no Rio de Janeiro, onde os deputados Chico Alencar, Alessandro Molon e Marcelo Freixo, que fizeram campanhas abertamente em defesa dos Direitos Humanos, foram eleitos com o dobro de votos de Arolde de Oliveira, Flávio e Jair Bolsonaro, que são conhecidos por se oporem frontalmente aos Direitos Humanos.
O resultado das urnas foi 547.492 votos para os que lutam por Direitos Humanos contra 278.425 votos para os outros três.
Não foi pouca coisa. Vale lembrar que na época a direita atacava a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos e as corporações de mídia concediam amplos espaços para debater temas polêmicos, muitas vezes descontextualizados e direcionados contra a então candidata Dilma Rousseff.
Agora, exatos seis meses depois das eleições, o deputado federal Jair Bolsonaro volta à carga contra os Direitos Humanos. Começou no CQC e seguiu os ataques em todos os espaços que conseguiu. Esquivou-se do preconceito racial (minha esposa é mulata) e redirecionou as pedradas contra os direitos LGBT. Se vai colar ou não, a Câmara dos Deputados vai dizer ao final do processo movido por vinte parlamentares contra ele.
Uma Comissão da Verdade ampla
A gaúcha Maria do Rosário Nunes, secretária nacional dos Direitos Humanos, mede as palavras. Mede-as tanto que chega a dar a impressão ao entrevistador de que a resposta não virá. Mas, quando a voz levemente rouca substitui o silêncio, o que antes poderia parecer receio revela-se serenidade. Não há excesso nas declarações da secretária. Firmeza não falta, porém, como ficará claro ao longo da entrevista a seguir. Maria do Rosário avisa: não somente os militares que cometerem crimes durante a ditadura estão na mira. A Comissão da Verdade terá poder para identificar as ramificações por toda a sociedade. Ela não será, em nenhuma medida, contra as Forças Armadas. Será contra a repressão política naquele período. Seria esse o motivo da brutal resistência de muitos civis, em especial meios de comunicação, ao projeto em tramitação no Congresso?
Adilson Filho: Chega, não dá mais!
Eu pensei que fosse uma bomba, pois sempre tem essas coisas por aqui
A fala da menina, na porta da Escola Municipal Tasso da Silveira, após a tragédia mais cruel de que se tem notícia aqui no Brasil, é sintomática e não deixa dúvidas : A escola virou definitivamente um ambiente permeado pela violência manifestada em todas as suas formas, física, simbólica, moral etc.
Há muito que se ouve, sem tem notícia e se sabe de casos de professores agredidos verbal e fisicamente , e até ameaçados por armas de fogo, alunos que se engalfinham entoando cantos de guerra de facções do tráfico, bombas, depredações, pichações etc.
O ambiente escolar além de não ser atraente pros jovens, tornou-se também muito perigoso, pra todos que ali frequentam, alunos, professorres e familiares.
Portanto, sinceramente, nesse momento tão doloroso, pouco importa saber se o cara como disse o governador, é um animal ou um psicopata. Pouco importa, se o modus operandi foi inspirado em Columbine ou se o crime foi motivado por fanatismo religioso. Não quero saber nada disso.
IstoÉ
Menos minério, mais aviões
A visita da presidente Dilma Rousseff à China nesta semana é considerada mais um grande teste da diplomacia brasileira. Apesar das expectativas após a condenação ao Irã, violações a direitos humanos na China não entrarão na agenda. O pragmatismo fala mais alto. É contraproducente tocar em questões políticas sensíveis quando precisamos avançar na pauta comercial, explica um diplomata. Também não será feito qualquer pedido de apoio à pretensão brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O que interessa é a abertura do mercado chinês. Hoje, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, que tem superávit de US$ 5 bilhões numa balança de US$ 56 bilhões. Mas as exportações brasileiras são quase exclusivamente produtos básicos e bens intermediários, enquanto importa bens manufaturados. Melhorar essa dinâmica será a tarefa de Dilma, que desembarca em Pequim nesta segunda-feira 11 e encontra o presidente chinês, Hu Jintao, no dia seguinte. Outra boa oportunidade para entender melhor as condições de acesso ao mercado chinês será o seminário empresarial, que contará com a participação de quase 300 empresários brasileiros. Além da agenda bilateral, Dilma também participa da cúpula dos BRICs na cidade de Sanya, na quinta-feira 14. Nos horários de folga ela deve visitar a Cidade Proibida e a Muralha da China.
Os 100 dias que mudaram uma imagem
Sucessora de um dos políticos mais populares da história do Brasil, a presidente Dilma Rousseff, nos primeiros 100 dias de seu governo completados no domingo 10, mostrou personalidade, imprimiu estilo próprio e conseguiu quebrar preconceitos de setores da sociedade até então refratários a ela. A popularidade de 73% registrada por recente pesquisa CNI/Ibope, superando índice obtido por Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso nos três primeiros meses de seus primeiros mandatos, não foi alcançada por acaso. O perfil executivo e a firmeza na condução da máquina administrativa, com adoção de medidas rápidas e enérgicas diante de qualquer ameaça de descompasso, seja político ou econômico, foram enaltecidos por parte da elite intelectual e empresarial do País. Seu jeito simples e discreto, de quem madruga no trabalho, cumpre o expediente palaciano sem proselitismo e cultiva hábitos comuns na vida pessoal, gerou simpatias e encantou representantes da classe média brasileira.
Os tambores da OEA
O embaixador do Brasil nas Organizações dos Estados Americanos (OEA), Ruy Casaes, desembarcou em Brasília na quinta-feira 7, vindo de Washington (EUA). Ele estava convocado pelo Itamaraty e tinha dois objetivos. O primeiro era explicitar, com o gesto diplomático do retorno ao País, o desagrado do governo brasileiro em relação à OEA. Em intromissão indevida nos assuntos nacionais, a organização havia causado perplexidade no governo, ao despachar na semana anterior um pedido de suspensão imediata do processo de licenciamento e construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O segundo objetivo do diplomata foi fazer reuniões com o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, e com outros integrantes do governo, inclusive na Presidência da República. No final do dia, estava redigido um comunicado oficial à Comissão de Direitos Humanos da OEA, que será entregue nesta semana, considerando o pedido como uma ação extrema, descabida e injustificável.
De doméstica a ministra
O gabinete da mais nova ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Delaíde Miranda Arantes, teria tudo para ser apenas mais uma suntuosa sala de trabalho do primeiro escalão do Judiciário não fossem duas pequenas fotos em preto e branco que decoram a mesa de trabalho da magistrada. Diminutas quando colocadas naquele amplo cenário de 70 metros quadrados com uma vista privilegiada do Lago Paranoá, as fotografias destoam da pompa que as cerca não pela simples moldura de madeira, mas sim pelo que retratam: duas dessas casinhas simplórias do interior rural brasileiro, pintadas com cal, com duas janelas e uma porta. As duas estão postadas sobre a longa mesa onde Delaíde dá expediente desde o dia 24 de março e dividem espaço com computadores de última geração, estantes repletas de obras de encadernação luxuosa e com móveis modernos que dão um ar sobriamente requintado ao gabinete.
As duas fotografias de cerca de 15 centímetros foram os únicos artigos pessoais que Delaíde levou para o gabinete. Essas fotos são muito importantes para mim, diz a ministra. Foi nessas casas que passei minha infância, uma infância dura que me preparou para enfrentar todos os desafios que me fizeram chegar até aqui. Foi lá que comecei minha história.
Em um país onde a inércia social sempre foi regra, Delaíde tem razão em orgulhar-se das duas pequenas casas que representam a epopeia que fez essa goiana de 58 anos abandonar a dura realidade do Brasil rural da década de 50 para alcançar um dos maiores postos do Judiciário brasileiro. Delaíde nasceu em uma delas, na pequena cidade de Pontalina, a 120 quilômetros da capital Goiânia. Filha de pequenos agricultores, passou a infância entre a diversão nas jabuticabeiras do sítio e a lida nas pequenas lavouras de feijão, arroz e milho que sustentaram sua família por décadas. Aos 8 anos eu já ajudava meu pai na roça, conta Delaíde.
A voz da oposição
Depois do resultado das eleições presidenciais, surgiu um vácuo na oposição brasileira. Com a ausência de lideranças no PSDB e no PPS, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fora do jogo e o DEM em crise e sem rumo desde a saída do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o governo reinou sozinho na cena política. E dominou o Congresso nos primeiros três meses do ano. Esse cenário, no entanto pode mudar. Na quarta-feira 6, emergiu uma voz de oposição, clara e contundente, a mais legítima possível. O fórum não poderia ser mais adequado. Diante de um plenário do Senado lotado por mais de 70 senadores e 150 deputados, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) subiu à tribuna com o desafio de traçar um novo rumo para os partidos de oposição. Gastou exatos 24 minutos para ler seu discurso de nove páginas. Foi elegante, prometeu uma oposição construtiva, mas atacou a omissão do PT nos momentos cruciais para a democracia, como a falta de apoio a seu avô Tancredo Neves e ao Plano Real. Sempre que precisou escolher entre os interesses do Brasil e a conveniência do partido, o PT escolheu o PT, afirmou Aécio. Observado atentamente pelo ex-governador de São Paulo, José Serra, e pelo presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, o senador mineiro também criticou o aparelhamento do Estado, a gastança descontrolada dos últimos anos que ameaça ressuscitar a inflação e a ingerência estatal na vida de empresas privadas.
“Virem para a parede, vou matar vocês”
Duas semanas antes da tragédia na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Wellington de Oliveira foi visto sentado na calçada em frente à instituição. Era noite e a cena chamava a atenção porque a rua é a mais deserta da região. Solitário e calado, o olhar vagava pelo céu. Ninguém podia imaginar que a mente perturbada daquele jovem ex-aluno tramava um banho de sangue no colégio, algo sem precedentes no Brasil. O massacre chocou, sobretudo, pela frieza com a qual o assassino executou crianças inocentes. Ele dizia: Virem para a parede, vou matar vocês, e atirava, contou Jade de Araújo, 12 anos, que escapou ao se esconder em um auditório da escola. Sorrindo ao brincar de Deus e indiferente aos apelos de clemência, escolhia suas vítimas a dedo. A estudante Stephany da Silva, 14 anos, ainda treme ao lembrar que o atirador apontou a arma para a sua cabeça, mas, em vez de apertar o gatilho, simplesmente disse: Hoje não é o seu dia de morrer. Deixou-a fugir, desviou a pistola e atirou na cabeça de outra garota que estava ao lado dela.
O solitário Wellington estava cada vez mais isolado. Mudou-se no ano passado da casa da família, em Realengo, para Sepetiba, seu derradeiro refúgio, onde foi morar sozinho. De acordo com sua irmã, Rosilane, a última impressão deixada pelo rapaz foi a de solidão absoluta: Ele veio aqui em casa no fim de 2010, mas estava muito estranho, não quis ficar, chamei para almoçar, mas ele foi embora, conta. Wellington havia adotado um discurso fundamentalista religioso. Minha religião é Alá, quero derrubar o Cristo Redentor, disse, mais de uma vez, aos irmãos. Há dois anos ele começou a elogiar as ações terroristas de Bin Laden, dizia que queria derrubar um avião, me falou que ia mesmo derrubar a estátua do Cristo Redentor, conta um dos irmãos dele que não quer se identificar.
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